Boteco: As cervejas especiais da Bohemia

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por Marcelo Costa

O boom cervejeiro definitivamente se instalou no Brasil. Se o mercado antes estava voltado à micro cervejarias e rótulos importados, agora é a vez de grandes cervejarias entrarem na briga por uma fatia deste mercado, que cresce muito ano a ano. Lançada oficialmente no Mondial de La Biere, no Rio de Janeiro, em 2014, os três novos rótulos especiais da cervejaria Bohemia, integrada ao império AmBev, chegam agora engarrafadas propondo analises cuidadosas sobre a investida da cervejaria carioca no ramo “artesanal”. São três estilos que chegam ao mercado em garrafas de 300 e 600 ml: Bohemia Bela Rosa (uma witbier com adição de aroma natural de pimenta rosa), Bohemia Jabutipa (uma IPA com aroma natural de jabuticaba) e Bohemia Caã-Yari (com aroma de erva-mate). A que público se destina essas cervejas?

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Quem está acostumado com cervejas “especiais” poderá se decepcionar. As receitas da mestre cervejeira Daniela Dezordi em parceria com o chef Felipe Bronze distorcem os estilos e pouco apresentam do item adicionado. Fica a pergunta: por que a Bohemia não chamou o parceiro premiado José Felipe Carneiro, da Wäls, para auxiliar nas receitas, buscando inovação em um chef pouco afeito a cultura cervejeira? A aposta, fundamentada em marketing, deu errado, além de parecer um passo maior do que a perna: antes de fazer uma Witbier e uma IPA modificadas seria prático testar as receitas básicas e, com domínio delas, experimentar. Se decepciona cervejeiros tarimbados, as novas Bohemias podem abrir o caminho para um novo publico, ainda que de forma torta. O que alguém que começar a beber witbier com a Bela Rosa irá dizer da Hoegaarden? Os lançamentos parecem mais confundir que acrescentar.

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A Bohemia Bela Rosa é uma Witbier que une malte de trigo, malte de cevada, lúpulo, extrato de laranja, extrato de coentro, extrato de limão e aroma natural de pimenta rosa. O resultado é uma cerveja de coloração amarelo palha (remetendo a benchmarking do estilo: Hoegaarden) e creme branco de boa formação e permanência. No nariz, aroma suave cítrico (limão, abacaxi e casca de laranja) em meio a notas herbais, leve trigo e metálico. Há percepção de condimentação (coentro, aparentemente mais intenso do que numa wit tradicional) e sugestão de gengibre. Na boca, textura levemente picante. O primeiro toque traz algo cítrico acompanhado de metálico e forte coentro, que aumenta a percepção do amargor. A pimenta rosa aparece de forma delicada em um conjunto que soa mais temperado do que deveria. O final é condimentado e terroso. No retrogosto, condimentação, terroso e leve azedo.

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A Bohemia Jabutipa é uma American IPA que recebe adição de aroma natural de jabuticaba. O resultado é uma cerveja de coloração âmbar com creme levemente bege de boa formação e média baixa permanência. No nariz, a Jabutipa apresenta um perfil herbal forte com leve sugestão terrosa e inexplicavelmente defumada (o que é interessante!) e… metálica. Há ainda algo de cítrico (indistinguível) e, na base, doçura de caramelo e nada de jabuticaba. Na boca, a textura é suave enquanto o primeiro toque traz algo de herbal junto com doçura caramelada e metálico. O amargor é caprichado (calcularam 55 de IBU, mas conte com 40) tanto em impacto quanto em extensão, o que valoriza um conjunto que reforça as sugestões de herbal e o tostado quase defumado. Novamente nada de jabuticaba. O final traz amargor moderado e leve doçura. No retrogosto, um pouco de herbal e um pouco de amargor. Boa.

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Fechando o trio com a Bohemia Caã-Yari, uma Belgian Ale com… Erva Mate. É a única das três que tem cereais não malteados na receita, o que a escola belga também adota (e não é problema!). De coloração âmbar caramelada com creme branco de boa formação e permanência, a Caã-Yari apresenta um aroma bastante suave com notas adocicadas (caramelo e açúcar mascavo), leve condimentação (canela), herbal e sugestão de guaraná. Novamente, o ingrediente adicionado pouco acrescenta ao conjunto e o metálico se faz presente. Na boca, textura sedosa. O primeiro toque traz doçura e leve picancia alcoólica (são 6.5%). O amargor é inexistente com os 17 de IBU cobertos por doçura e condimentação, que dominam o paladar, simples e soando uma Leffe sem profundidade. O final é mais adocicado que condimentado enquanto o retrogosto traz leve doçura e picancia numa Belgian Ale pra iniciantes.

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Balanço
Começando pela Bohemia Bela Rosa, que chamou a atenção positivamente na torneira no Mondial de La Biere 2014, no Rio, e decepciona na garrafa. A sensação é de que a casa desperdiçou a chance de apresentar um estilo em grande escala para o público buscando criar algo “autoral”. O resultado é uma cerveja que lembra pouco witbier (o que soa um desserviço para neófitos) devido a excessiva condimentação. Quer fazer wit? Faz a tradicional primeiro, sem inventar muito, e depois vai conquistando os bebedores com pequenas alterações em novas receitas. A Bohemia parece ter dado um passo maior que a perna, e a Bela Rosa decepciona. A Bohemia Jabutipa é uma melhora considerável em relação à Bela Rosa, ainda que o aroma de jabuticaba soe perdido no conjunto (tanto aromático quanto no paladar) mostrando que os itens adicionados alteram a receita, mas não soam perceptíveis, abrindo espaço para questionamentos. Ainda que com bom amargor, ela parece no meio do oceano entre uma IPA inglesa (mais maltada) e uma norte-americana (mais lupulada), soando até um pouco estranha. É um bom custo beneficio, mas a Therezópolis Jade entrega mais por menor preço. A Bohemia Caã-Yari é a que mais se aproxima do estilo original (Belgian Blond), ainda que soe uma versão simplista de uma Leffe. Novamente, o ingrediente adicionado decepciona mostrando que as três receitas pecam no quesito “adição extra” deixando claro um dos grandes problemas do mercado cervejeiro brasileiro (não só mainstream, mas micro também): pular etapas. A Bohemia nunca teve uma Witbier nem uma IPA (já teve uma melada Belgian Ale, a Confraria) e já entra no mercado querendo promover revoluções em estilos que desconhece. O resultado são cervejas nada mais que medianas, que podem atrair novos cervejeiros pela questão custo benefício (algo que a Eisenbahn pratica há anos com muito mais propriedade), mas mais confundem que acrescentam ao cenário cervejeiro nacional. Decepção. Ainda assim, experimente e tire suas conclusões.

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Bohemia Bela Rosa
– Estilo: Witbier
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5,2%
– Nota: 2,42/5
Preço: R$ 5,76 por 300 ml

Bohemia Jabutipa
– Estilo: India Pale Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 6,5%
– Nota: 2,62/5
Preço: R$ 5,76 por 300 ml

Bohemia Caã-Yari
– Estilo: Belgian Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 6,5%
– Nota: 2,62/5
Preço: R$ 5,76 por 300 ml

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