por Bruno Leonel
“Gravamos sim algumas músicas, mas não temos certeza se algum dia elas serão lançadas para o público”, disse o vocalista Damon Albarn durante uma entrevista em 2013. Foi o que bastou para que especulações sobre um (aguardado) novo disco, o oitavo de estúdio da banda, começassem a tomar forma, mas, desta vez, com um fundo de referência oficial.
Tudo praticamente apostava contra. Para muitos, o Blur caminhava para se tornar uma imagem caricata do que já foi um dia, ainda que fosse capaz de emocionar o público em shows e turnês. Muitos não ‘botavam fé’. Como soaria um novo disco do Blur em 2015? Seria possível os quatro integrantes se reunirem e lançarem algo musicalmente excitante e ainda cativante 12 anos depois do último álbum?
As sessões para o que viria a ser “The Magic Whip” foram fruto de uma eventualidade: o Blur estava escalado para tocar no Tokyo Rocks Music 2013, em Honk Kong, e, após terem chegado à cidade, foram informados de que o tal festival não aconteceria, o que subitamente deu à banda alguns dias livres para trabalhar em material novo. As sessões começaram no Avon Studios em uma temporada de cinco dias.
O material foi deixado de lado (Damon Albarn estava finalizando na mesma época o que viria a ser “Everyday Robots”, sua estreia solo, lançada em abril de 2014) e só em novembro de 2014 o grupo voltou a trabalhar nas canções sobre a batuta de Stephen Street (eterno produtor dos Smiths e de vários discos do Blur). Após mais uma parada em Hong Kong no mês de dezembro (para inspiração nas letras, segundo o próprio Albarn) e mais alguns trabalhos em estúdio o material foi finalizado e o disco completado em fevereiro de 2015.
O anúncio do lançamento de “The Magic Whip” foi feito em uma postagem de Facebook acompanhada da primeira faixa divulgada oficialmente do álbum, “Go Out”, como que para mostrar ao público que, sim, o Blur estava de volta, não era um sonho. As novidades foram recebidas pelos fãs com entusiasmo, cercando o lançamento do disco (datado para 27 de abril) de expectativa, o que acabou colocando o álbum em uma posição perigosa.
É fato que uma banda que chega ao seu oitavo disco não deve ter ainda lá muita coisa para provar, mas o intervalo de 12 anos que separa “The Magic Whip” de “Think Tank” (2003) acabou colocando o novo trabalho em um terreno pantanoso, o que, em vários casos, exige da banda uma extrema confiança no material que será apresentado depois de tanto tempo.
Essa situação vira e mexe povoa a trajetória de bandas já com uma longa carreira. Aconteceu com os Rolling Stones quando lançaram “A Bigger Bang” oito anos após o trabalho anterior; foi assim também com o My Bloody Valentine, que demorou 22 anos pra lançar o sucessor de “Loveless”; e será assim com “Sol Invictus”, o novo do Faith no More, que surge 18 aninhos após o trabalho anterior. Uma coisa é certa: em todos os casos foi uma atitude no mínimo respeitável.
No caso do Blur, “The Magic Whip” reúne elementos de empreitadas anteriores da banda e também de projetos solo de cada integrante. Tudo isso imerso em um caldeirão frenético oriental pós-moderno no qual a banda estava imersa durante a composição do trabalho – a capa com letras chinesas e títulos de faixas como “Ong Ong” deixam isso bem claro. Com “The Magic Whip”, o Blur parece ter deixado de lado os maneirismos e caricaturas de tipos britânicos para ampliar o olhar para o mundo ao redor. Algumas letras remetem quase a um diário de viagens com impressões do lado oriental do mundo, no qual a banda estava inserida.
A primeira referência é o disco solo de Damon Albarn, “Everyday Robots”. A segunda fica por conta do lado mais melódico e até ‘down’ de “13” (1999). O Blur de 2015 mantém várias características que fizeram o grupo se tornar notável: melodias cativantes e animadas (como a boa “Lonesome Street”, que facilmente poderia intregrar “Parklife”, de 1994), baladas e canções permeadas por barulhinhos e efeitos malucos “(Ice Cream Man” e “There Are Too Many of Us”) e um peculiar olhar ao cotidiano do mundo atual (a soturna “New World Towers” e a espertinha “I Broadcast” mostram bem isso). Faixas como a boa “My Terracotta Heart” e a derradeira “Mirrorball” (com inusitado clima western aliado à arranjos de cordas) certamente irão se encaixar bem ao já extenso repertório dos britânicos.
Há ainda a ótima “Thought I Was a Spaceman”, repleta de ecos e vozes (que remete à faixas experimentais como “Theme From Retro” e “Battle”), a psicodelia melódica de “Pyongyang” (uma faixa excelente que, sozinha, já justificaria o álbum inteiro: seu minuto final é um dos grandes momentos de “The Magic Whip”) e a aconchegante “Ghost Ship” (nostálgica e até romântica daquele jeito Blur, outra entre os destaques do álbum). “Y’all Doomed”, faixa bônus lançada só no Japão, mistura teclados com batidas quebradas e, lá no meio, uma guitarreira insana – entra para o hall de músicas esquizofrênicas como ‘Yuko & Hiro’ e ‘Essex Dogs”.
Um disco do Blur é sempre bem vindo. Depois de um longo inverno, que incluiu pausa da banda, saída/volta do guitarrista Graham Coxon, incertezas e milhares de projetos musicais, o grupo parece em uma posição confortável para se reunir e voltar a criar junto uma obra coesa. “The Magic Whip” ganha muito mais força pelo contexto do que pelo que ele oferece em termos de sonoridade. Não vá esperando nenhuma música épica ou obra-prima do quilate de “Universal”, “This is a Low” ou “Tender”, mas, ainda assim, o trabalho agrada.
Ainda que não figure entre os melhores discos da banda, “The Magic Whip” serve como uma boa lufada de renovação a uma banda que sempre chamou atenção pela criatividade e despretensão do modo de trabalho. Sobre o futuro do grupo, fica a dúvida se este oitavo álbum representa um acerto de contas com o passado ou, melhor, o início de um novo caminho para o quarteto. Fãs torcem pela segunda alternativa enquanto aguardam a nova passagem da banda pelo Brasil, em outubro: o palco poderá dar uma ideia do que vem por ai. Enquanto isso, “Cause I’m on a ghost ship driving my heart Home, come”
– Bruno Leonel (https://www.facebook.com/silva.leonel.900) é jornalista e dedica este texto à Camilla, “que no longínquo ano de 2001 me presenteou com o disco amarelinho do Blur que me ajudou a mudar a cabeça pra novas sonoridades e me fez conhecer muita coisa 😉
Leia também:
– Blur no Hyde Park, 2009: um fragmento de perfeição no mundo pop (aqui)
– “No Brasil após 14 anos, o Blur só não fez chover no Planeta Terra 2013” (aqui)
– “Think Tank”, aquela banda que todo mundo conhecia como Blur acabou (aqui)
– A Inglaterra tem cheiro de Blur… por várias razões (aqui)
– Conheça o livro “A Ascenção e Queda do Britpop”, de John Harris (aqui)
– “Best Of Special Edition – Blur Live Wembley”, do Blur, por Marcelo Costa (aqui)
Gostei muito de sua resenha, concordo em praticamente tudo.
Fiquei muito animado com a notícia de que o Blur lançaria esse disco, ainda mais com as músicas que eles foram divulgando a conta-gotas: “Go Out” lembrava a distorção que permeia várias faixas de “Blur” (1997), “There Are Too Many Of Us” e bela e tem uma progressão interessante e “Lonesome Street” me cativou de primeira e, a cada vez que a escuto, fico mais convicto de que ela é uma das melhores músicas que o Blur já gravou.
Comprei o disco na semana de lançamento e gostei muito de todas as demais faixas, principalmente de “New World Towers” (incrível como eles conseguem combinar bem crítica social com introspecção), “I Broadcast” (que lembra a urgência de certas canções dos discos de 93-95) e “Ong Ong” (extremamente viciante, passei dias com o refrão dela grudado na minha cabeça, rs).
Enfim, “The Magic Whip” é um álbum que melhora a cada audição; de fato não é uma obra-prima como “Modern Life is Rubbish”, “Parklife” ou “Blur”, mas está no mesmo (alto) patamar de “The Great Escape”, “13” e “Think Tank”.
O Stephen Street produz o Blur desde o Leisure, só não produziu dois discos “13” e “Think Tank”
Otimo disco, pra uma banda que ficou varios anos sem lançamento ate que se sairam muito bem.
New World Tower, My Terracotta Heart, Ice Cream Man, e Lonesome Street. são excelentes.