por Adriano Costa
Stephen King ainda era um jovem universitário nos anos 70 quando começou a rabiscar a ideia inicial de uma saga inspirada no universo criado entre 1937 e 1949 por J.R.R. Tolkien em “O Senhor dos Anéis”, muito antes do diretor Peter Jackson levar a história para o cinema e auferir uma atenção muito maior em torno dela. O hoje premiadíssimo escritor estadunidense usou também como base primária um poema épico do século XIX, de Robert Browning, chamado “Childe Roland to The Dark Tower Came” (1855), para compor a série “A Torre Negra” (The Dark Tower), que já foi traduzida para mais de 40 países e vendeu milhões de livros.
A primeira parte dessa epopeia se chama “O Pistoleiro” e inicialmente foi publicada em capítulos dentro de revistas no final dos anos 70, conhecendo sua versão como romance completo apenas em 1982 – em 2003, o primeiro volume ganhou uma edição revista e expandida. No ano seguinte, 2004, Stephen King publicou (teoricamente) os dois últimos dos sete livros originais (chamados de “Canção de Susannah” e “A Torre Negra”), porém é bom salientar que posteriormente ele lançou mais outro (“O Vento na Fechadura”, de 2012) inserindo-o no meio da trama original, mas não chegando a agregar quase nada a trama. A Editora Objetiva publicou os sete livros da coleção original aqui no Brasil entre 2005 e 2007, assim como o posterior “Vento na Fechadura” em 2013.
Foram escritas mais de 4 mil páginas para cobrir toda a história de Roland de Gilead, um pistoleiro (o último) condenado a vagar por um mundo devastado em busca de salvação atrás da torre negra que dá título ao trabalho. Além da claríssima influência dos livros de Tolkien, “A Torre Negra” tem toques do faroeste do cineasta italiano Sérgio Leone, da ficção científica de Stanley Kubrick e da literatura de Mario Puzo e Robert Jordan, além de inúmeros enxertos de cultura pop como, por exemplo, o livro “Ardil 22”, de Joseph Heller, e canções como “Velcro Fly”, do ZZ Top, e “Paint It Black”, dos Rolling Stones.
Essa aventura de obstinação, desespero, morte, esperança, terror, suspense, medo e aprendizado começa na perseguição do protagonista a uma enigmática figura em que o tempo se contorce, se quebra e se mistura sem lógica aparente, até formar seu ka-tet (um grupo), concebido através do futuro visto no tarô. Esse grupo tem coadjuvantes fundamentais como Eddie Dean, um viciado em heroína que vive nos anos 80, Odetta, uma paraplégica ativista dos direitos civis e raciais dos anos 60, e o garoto Jake, que precisa ser resgatado de outro mundo depois de morrer por lá.
O início não é fácil e demora a deslanchar, o que só acontece no final do segundo livro e segue sempre respondendo a algumas perguntas e levantando outras, como a razão pela qual o mundo de Roland “seguiu adiante”. Um dos pontos altos é a ambientação dos lugares, que deixa para o leitor um compêndio narrativo capaz de possibilitar a visualização destes locais, principalmente cidades como River Crossing, Lud e Calla Bryn Sturgis. Em determinado momento é inserida outra história do personagem principal, referente ao passado, e isso constrói um adendo interessante, pois a trama principal é colocada basicamente de lado, e sobrevive.
Depois de percorrer os sete volumes conclui-se que “A Torre Negra” não é o tipo de obra que chega ao ápice no final, pois esse ápice aparece durante a trama, nos livros intermediários. A parte realmente interessante que desafia o leitor está entre os livros 2 (“A Escolha dos Três”, de 1987) e 6 (“A Canção de Susannah”, 2004) – completam a série “As Terras Devastadas”, de 1991; “Mago e Vidro”, de 1997; e “Lobos de Calla”, de 2003. O final da saga, além de um pouco confuso, exibe leve exercício de ego do escritor (que já havia se inserido dentro da própria trama), para depois amarrar a maioria das pontas soltas no decorrer do caminho tentando convencer o leitor que o acompanhou por todo o caminho.
“O mais longo romance popular de todos os tempos”, como o autor o intitulou, apresenta muitas qualidades (ainda que com excessos) e tenta se transpor para o cinema e a tevê, sem sucesso por enquanto: iniciado em 2010 e encabeçado pelo conceituado diretor e produtor Ron Howard com nomes de peso cogitados para os papéis (Javier Bardem, Russell Crowe e Aaron Paul), o projeto de adaptação cinematográfica esbarrou no alto custo de produção, e foi engavetado. Nos quadrinhos já foi feita essa transposição de modo eficiente, sucinto e eficaz, dentro daquilo que poderia se esperar para a trilogia cinematográfica desejada, a fim de que o ambíguo, obcecado e carismático Roland de Gilead alcance um número maior de pessoas com a sua incansável perseguição.
– Adriano Mello Costa (siga @coisapop no Twitter) e assina o blog de cultura Coisa Pop
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Eu sou leitor do King, mas sempre acho que ele perde o fio da meada no meio de muitos dos seus livros. Tenho a impressão de que ele começa tentando fazer enredos e personagens mais elaborados, mas, no meio do caminho, desiste da elaboração e aplica uma fórmula já testada pra concluir a história. Seus livros têm muito personagens que perdem a razão de existir no meio da trama, ideias que não são desenvolvidas, subtramas abandonadas, etc.
Mas eu leio mesmo assim, porque o aspecto “pulp” de suas histórias quase sempre funciona, e ele é muito bom em criar a manter a tensão de suas narrativas, que é o que a gente espera de um autor que se dedica ao horror.
Só não tenho confiança suficiente nele para embarcar numa história de 4 mil páginas.