O Brasil no começo dos anos 80 era um país ainda refém da Ditadura Militar, que começava o processo de abertura política, mas também escalava oficiais do exército para atentados em eventos civis (o Atentado do Riocentro aconteceu em 30 de abril de 1981). Na música, alguns dos grandes nomes da MPB (Caetano, Gil e Chico), perseguidos pela Ditadura nos anos 70, se recolhiam tematicamente, mas o início de algo novo surgiu quando a Blitz estourou com “Você Não Soube Me Amar”, abrindo as portas para que as bandas consolidassem o que veio a ser conhecido como Rock Nacional.
Na mesma época em que a Blitz estourava, Os Paralamas do Sucesso já tinham um repertório bastante desenvolvido. A primeira formação do grupo data de 1977, quando Herbert Vianna, Bi Ribeiro e Vital chegaram a fazer alguns ensaios. O trio se reuniu novamente em 1981, e após o baterista dar cano num show em 1982 e ser substituído por João Barone, Os Paralamas encontravam enfim sua formação ideal. Nessa época já circulava pelo Rio de Janeiro uma fita cassete da banda com algumas faixas demo(nstração) e o registro de um ensaio, que foi parar na Rádio Fluminense FM, que não pensou duas vezes e colocou as canções na programação. O resto é história.
Mas o que havia nessa fita demo que poucos chegaram a ver? Isso é um mistério, mas algumas canções que circulavam pelo circuito independente de Brasília nos anos 80 e 90 (apontadas como um ensaio da banda na casa da Vovó Ondina junto das faixas demo) apareceram no Soundcloud “Paralamas Raridades”, divididas em três playslists: a primeira, com 10 canções, é apontada como a Fita Demo e, além dela, duas outras playlists flagram um trio em início de carreira se apresentando primeiro em Nova York em 1983 e, depois, na época do lançamento de “Cinema Mudo” (1984), em Santos.
Na “Fita Demo”, vários destaques, entre eles cinco canções inéditas, nunca lançadas oficialmente pela banda: “Verão” (com riff inspirado em Jimi Hendrix e letra que diz: “Dinho está me olhando com uma olhar anormal / Acho que ele está passando muito mal / Acho que ele quer… Dado e Reino Animal”), “Mandingas de Amor” (um acelerado rock anos 50 que se transforma num punk rock pela qualidade suja da gravação), “Solidariedade Não” (de letra politizada que até o governo e o exército), o reggae “Os Reis das 49” e “Rodei de Novo” (no mesmo clima estudantil de “Química”, da Legião).
Entre os arquivos, a provável versão de “Vital e Sua Moto” que entrou para a programação da Fluminense FM mais “Patrulha Noturna” (que também veio a ser hit), a ótima “Encruzilhada” (aqui chamada de “Encruzilhada Agro-Industrial”) e versões instrumentais (“Vovó Ondina É Gente Fina” e “Shopstake”). Em setembro de 1983, Os Paralamas baixavam em Nova York para um show numa casa chamada Danceteria. Do áudio desse show, mediano, os destaques são a até hoje inédita “Posso Até Dizer Que Sim”, uma versão de “Ainda é Cedo”, da Legião Urbana (frequente no repertório dos Paralamas nessa época) e outra “Areias Escaldantes”, de Lulu Santos.
O áudio do show na casa Heavy Metal, na cidade de Santos, porém, é muito melhor, e flagra a banda já bastante evoluída instrumentalmente, prestes a lançar “O Passo do Lui”, o disco que os catapultaria ao estrelado. O show em Santos começa e termina com “Vital e Sua Moto” (na segunda com introdução improvisada e citação de “Garota do Roberto”, sucesso de Waldirene), traz novamente “Posso Até Dizer Que Sim” e uma poderosa versão de “Ainda é Cedo”(além de “Quimica”, outra da Legião, mas essa Os Paralamas registraram primeiro em estúdio) além das novidades “Meu Erro”, “O Passo do Lui” e… “O Bilhetinho”, grande raridade do trio.
Após estourar com as canções “Barrados no Baile” e “Rock da Cachorra”, do álbum “Cantando no Banheiro” (1983), o cantor Eduardo Dusek planejou como sucessor um disco que teria um lado brega, esculachado, e um lado sério, chique. Lançado como “Brega & Chique” (1984), o álbum teve na faixa título (aquela do refrão “Domééééstica, ela era doméééstica”) seu grande hit, mas o lado brega do disco conta com Os Paralamas do Sucesso tocando em quatro canções, sendo que duas delas eram deliciosas faixas inéditas de Herbert Vianna: a sensacional “O Crápula” e a divertida “Recebi Seu Bilhetinho”.
Herbert Vianna chegou a mostrar “O Crápula” no episódio “Hoje é Dia de Rock”, da série Armação Ilimitada, cuja trama focava no sumiço de sua guitarra. Sem seu instrumento, Herbert é flagrado (com os outros Paralamas) tocando música brega (“O Crápula”) numa churrascaria. Além das duas, os Paralamas acompanham Dusek em “Maldito Dinheiro” (sobre uma professora que se prostituia) e “Oh! My Darling Bezerrão”, hino vegetariano dos Miquinhos Amestrados (Leo Jaime, Claudio Killer e Selvagem Big Abreu) sobre um rapaz que vê em um bezerro, que será assado pelo pai, um “amigo de ouro”. Vale citar outro grande momento desse lado do disco: “Ele Não Sabia de Nada”, com participação da Gang 90. Eis os anos 80.
Além destas raridades, Os Paralamas estão lançando oficialmente um box que compila os 18 discos lançados pela banda (entre estúdio e ao vivo) em uma caixa que traz, ainda, dois discos inéditos, um de “Raridades” (com as versões de “País Tropical” que ele gravaram para um comercial nos anos 90, “Açaí”, de Djavan e “Refazenda” de Gil, entre outras) e outro em “Espanhol”, com “Que me Pisen”, da banda argentina Sumo, e “Hablando a tu Corazón”, de Charly Garcia, entre outras. Mais detalhes aqui. Vida longa ao rock nacional.