por Bruno Capelas
“Sou fera, sou bicho, sou anjo e sou mulher, sou minha mãe e minha filha, minha irmã, minha menina”. Os versos de Renato Russo em “’1º de Julho”, canção escrita especialmente para Cássia Eller, talvez sejam os que melhor simbolizem a personalidade da cantora, morta em 2001. Russo, no entanto, não é o único a tentar decifrar a esfinge-Eller: lançado no último dia 29 de janeiro, o documentário “Cássia Eller”, do diretor Paulo Henrique Fontenelle, quer mostrar ao mundo as múltiplas facetas da artista.
“Muita gente só conhecia a Cássia pelo que via na TV e nos shows, com a imagem da mulher que cospe e mostra os peitos em um show. Quem for ver o filme vai conhecer outra Cássia: amiga, irmã e mãe de família”, explica o cineasta, que começou a conceber o filme em 2010. Segundo ele, a faísca para a realização do documentário foi a ausência de trabalhos sobre a artista. “Estava em casa ouvindo um disco dela e queria saber mais sobre sua história. Tirando uma biografia fora de catálogo, não havia nada: nenhum filme, nenhum documentário”, diz Fontenelle, que demorou quatro anos para realizar o projeto, baseado em cerca de 40 entrevistas e com mais de 400 horas de imagens de arquivo. “Cada fita que a gente conseguia encontrar parecia um Santo Graal”, brinca.
Não é a primeira vez, porém, que Fontenelle se depara com um biografado de trajetória polêmica e sensível: sua estreia em longas-metragem foi com “Loki”, de 2008, que contava a história do mutante Arnaldo Baptista de forma delicada. Feito em parceria com o Canal Brasil, o filme acabou promovendo uma revitalização da obra de Arnaldo, com novas edições de seus discos e a volta do artista aos palcos. É graças a “Loki” que o cineasta conseguiu a autorização da família de Cássia Eller para fazer seu filme.
“A Eugênia [companheira de Cássia durante 15 anos] tinha uma resistência ao projeto, mas como ela e o Chicão [filho da cantora] tinham gostado do ‘Loki’, eles aceitaram conversar comigo”, conta o diretor. “Ela só me pediu para que mostrasse tudo da Cássia: as drogas, os casos amorosos, mas também o lado família e companheiro”, completa o diretor, que também realizou “Dossiê Jango” em 2013 – uma espécie de filme denúncia sobre as circunstâncias da morte do ex-presidente João Goulart.
Na entrevista a seguir, realizada em São Paulo poucos dias antes da estreia comercial do filme, Fontenelle explica os detalhes da produção de “Cássia Eller” e conta como começou a fazer documentários, além de falar sobre as diferenças entre seu novo trabalho e o filme de Arnaldo Baptista e a mudança de percepção do público sobre o documentário. “As pessoas estão descobrindo que o documentário não é mais aquela coisa chata dos anos 80, um filme de duas horas que mostrava a pesca do camarão”, brinca.
Beatlemaníaco, o cineasta ainda faz sua lista flemingniana de docs sobre música e opina sobre a perspectiva do cinema como negócio no Brasil. “Para mim, a cinematografia brasileira é a melhor do mundo: temos uma diversidade de temas, histórias e estilos sem igual. Difícil é chegar até o público”, avalia. Com a palavra…
O que você quer com “Cássia Eller”?
É uma maneira de prestar homenagem, mas também de mostrar a Cássia Eller que as pessoas não conheceram. Acho que todo mundo que cresceu nos anos 1990 teve a Cássia como trilha sonora de suas vidas, mas só a conhecia pelo que a gente via na televisão e nos shows: a imagem da mulher que cospe, que mostra os peitos no meio do show. É uma visão reducionista. Quem for ver o filme vai conhecer outra Cássia Eller, que era o oposto de sua imagem pública: amiga, mãe de família e também artista.
Tenho a impressão de que, além de só conhecerem a Cássia artista, as pessoas conhecem pouco a obra dela. Muita gente só foi escutá-la depois do “Com Você… Meu Mundo Ficaria Completo” (1999), que é o último disco de estúdio dela.
Exatamente. No filme, tentamos mostrar toda a carreira da Cássia – incluindo a pré-história, com imagens dos shows dela em barzinhos de Brasília. Passamos também pelos primeiros discos, muito voltados para a música paulista, Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, que são pouco falados, e pelo show “Violões”, de 1995, que foi quando ela começou a fazer um pouco de sucesso. Até aquele momento, “Por Enquanto” [versão da canção da Legião Urbana inclusa no primeiro disco de Cássia, homônimo, de 1990] até tocava nas rádios, mas era só.
E por que falar de Cássia Eller agora? Como nasceu esse projeto?
Na verdade, o projeto começou há quatro anos, como uma curiosidade própria minha. Tinha acabado de fazer o “Loki” (2008), e já estava no processo de fazer o “Dossiê Jango” (2012), e estava em casa ouvindo um disco da Cássia em casa. Foi quando eu tive vontade de saber mais sobre ela, porque ela fez parte da minha vida. Fui procurar, e vi que não tinha quase nada publicado ou escrito sobre a vida dela, a não ser uma biografia fora de catálogo [“Apenas uma Garotinha”, publicada pela editora Planeta em 2005]. Não tinha também nenhum filme ou documentário para assistir se eu quisesse saber mais sobre ela.
À exceção da biografia, você fez o filme sem ter uma boa bibliografia. Como foi seu trabalho de pesquisa?
Foi a parte mais difícil. O que eu fiz foi tentar descobrir quem era Cássia Eller através dos depoimentos, quase como em uma investigação policial – semelhante ao que eu já tinha feito no “Dossiê Jango”. Fui colhendo material de arquivo, lendo histórias, entrevistando mais de quarenta pessoas, para conseguir montar um painel de quem foi ela. Fui a todas as televisões e procurei por gravações caseiras feitas pelos amigos – acabei tendo mais de 400 horas de material para usar no filme.
E como foi a negociação com a família para que o filme pudesse ser feito?
Isso foi mais tranquilo: em 2011, eu fiz minha primeira imersão no “universo Cássia Eller” em uma viagem de três dias para Maceió. A Rúbia, irmã dela, estava organizando um show tributo para a Cássia, e seria a primeira vez que os músicos da banda iriam se reunir após a morte. Ali, eu me identifiquei muito com a Rúbia e vice-versa. A partir disso, a família foi bem tranquila e solícita quando ao documentário. Talvez, a dificuldade maior tenha sido convencer a Maria Eugênia, a companheira da Cássia. Foi a primeira pessoa que a gente contatou quando tivemos a ideia do filme, ainda em 2010. Eu já tinha quase desistido do projeto quando a resposta chegou, mais de um mês depois. A princípio, ela disse que a resposta seria não, mas como ela e o Chicão tinham visto e gostado muito do “Loki”, eles aceitaram conversar comigo. A única exigência que ela fez é que eu mostrasse a Cássia por inteiro. Ela falou: “Quero que você faça um filme que não santifique nem estigmatize a Cássia. Pode falar sobre drogas, sobre casos amorosos, mas também fale do lado família e companheiro dela, de todas as contradições que faziam dela uma pessoa especial e única”. Em um momento em que a gente está discutindo biografias autorizadas, é um paraíso encontrar alguém assim, não é?
Além da Eugênia, você também tinha que lidar com o Chicão, o filho da Cássia. Como foi?
Ele é um cara muito legal. O único problema é que ele é muito tímido, algo que ele herdou da Cássia. Ele ficava todo nervoso na hora que a gente tentava gravar entrevistas, mas é um cara que adora música. Tivemos uma grande convivência enquanto eu fazia o filme. Quando a Cássia morreu, ele era pequeno, então ele não tinha muitas lembranças dela. Toda vez que eu ligava para ele, ele pedia para ir à minha casa ver o material que eu estava recolhendo, tentando saber mais sobre a mãe dele. Foi muito bacana.
E o que você encontrou de material que as pessoas nunca viram?
Para mim, pesquisa de imagens é a parte mais fantástica de um documentário. É algo que eu privilegio bastante, mas é a parte mais penosa. Cada fita que a gente consegue achar é um Santo Graal. Além das gravações caseiras, achamos coisas incríveis como o parto do Chicão, a Cássia cantando em festinhas de aniversário ou tocando Billie Holliday em um teatro em Brasília aos 16 anos. O que ela mais gostava de fazer era cantar – não importava se ia fazer sucesso ou não. Tanto que, no auge da fama, logo depois de estourar com “O Segundo Sol” (em 1999), ela começou a ficar de saco cheio de tantos shows. Por várias vezes, ela pegava a banda dela, fugia do empresário e ia para uma cidade do interior tocar em uma churrascaria ou em um clubinho pequeno. Imagina: o cara tá ali comendo uma picanha e de repente aparece a Cássia Eller cantando? E nós conseguimos umas imagens desses shows piratas que ela fazia.
O fato de ela ter feito carreira em uma época que mais pessoas já tinham câmeras de vídeo foi algo que ajudou a tua pesquisa, em comparação com o “Loki” e o “Dossiê Jango”?
Facilitou bastante. No “Loki”, eu tive dois problemas sérios: além de precisar recorrer a tudo que era televisão, a conservação dos filmes era muito complicada. A Cássia já pegou a era do VHS, e isso tornou as coisas mais fáceis – pelo menos com as pessoas que conseguiram não mofar suas fitas. Uma vez, eu consegui achar uma caixa com sete fitas de duas horas, tudo da Cássia Eller. Fui lá e peguei a caixa, e quando apertei o play, estava tudo desmagnetizado… (risos).
Vou tomar a liberdade de fazer um exercício de futurologia. Daqui a alguns anos, quando alguém quiser fazer um documentário sobre os anos 2010, a profusão de vídeos e imagens vai ser um problema? Como você imagina o futuro do documentário nesse sentido?
Pô, mas eu acho que quanto mais, melhor. Para o montador, ter muito material é uma coisa triste, mas para o diretor é ótimo. No meu caso, como sou as duas coisas, acabo ficando no meio termo. Difícil vai ser achar alguma coisa inédita, porque tudo já vai estar no YouTube, mas acho que, quanto mais imagens existirem, melhor. É questão de saber lidar com o desapego: teve muita coisa no “Cássia Eller” que ficou de fora.
O que ficou de fora, por exemplo?
Além de ótimas imagens de shows e imagens caseiras, teve ótimas entrevistas que, apesar de serem sensacionais, iam criar “barriga” no filme. Gente como Luiz Melodia, Frejat, Milton Nascimento, que me fizeram chorar nas gravações, mas cujos depoimentos emocionados eu tive de cortar. Foi difícil. Quem sabe isso não aparece na edição em DVD?
Ao fazer um documentário, você acaba se tornando um pouco “dono” do assunto do teu filme. Como funciona isso para você?
Mas eu não sou dono do assunto: só tive a oportunidade de mostrar um lado da história que as pessoas não conheciam. É um trabalho árduo: como sou roteirista, diretor e montador, fico muito envolvido. Depois de quatro anos nesse projeto, talvez seja hora de descansar – mas não descansar dos temas dos meus filmes. Vou sempre continuar ouvindo a Cássia Eller e o Arnaldo Baptista apaixonadamente. Não existe isso de ser dono da história: eu sou só uma referência, mas espero que outros trabalhos aconteçam.
Uma boa para perguntar então: afinal, quem é Paulo Henrique Fontenelle? Por que ele faz documentários?
Comecei a fazer cinema em 2000. Trabalhei como editor de televisão desde 1996, primeiro no Multishow, depois no Canal Brasil, e sempre quis fazer cinema. Também fui assistente de montagem do Roberto Santucci nos primeiros filmes dele. Hoje, ele faz várias comédias da Globo Filmes, mas no começo ele fazia uns thrillers, como “Olé – Um Movie Cabra da Peste” (2000) e “Bellini e a Esfinge” (2001). Aprendi muita coisa de montagem e direção com ele. Em 2005, resolvi fazer meu primeiro filme, mas não tinha dinheiro nenhum. Um amigo sugeriu fazer um documentário, já que a gente não tinha grana para fazer ficção. “Mas tinha que ser uma história que parecesse ser de ficção”, disse ele. Foi aí que nós fizemos um curta-metragem chamado “Mauro Shampoo – Jogador, Cabeleireiro e Homem”, a história de um jogador do Íbis Esporte Clube, o time pernambucano que entrou no Guinness Book como o pior time de todos os tempos. Mauro Shampoo era o camisa 10 titular, e mesmo tendo jogado 10 anos no Íbis, só fez um gol. Além disso, ele era cabeleireiro. E homem! É importante frisar: e homem! Era um documentário de 22 minutos, feito com R$ 500 e uma equipe de três pessoas: eu, meu amigo, e a namorada dele. Acabamos ganhando mais de 20 prêmios pelo mundo depois que o filme estreou, em 2006.
E do “Mauro Shampoo” para o “Loki”, como foi?
Em 2005, eu trabalhava no Canal Brasil, dentro de um programa chamado “Luz, Câmera, Canção”, em que a gente entrevistava cineastas dizendo como a música influenciou na arte deles, e vice-versa. O André Saddy, que era gerente do Canal Brasil, era fanático por Mutantes e pilhou a gente para ir entrevistar o Arnaldo Baptista. Eu respondi: “quem é Arnaldo Baptista?”. “É o cara dos Mutantes, ele tem uma história maravilhosa”. Nisso, eu me lembrei de uma matéria que tinha visto com o Arnaldo muito tempo antes, em que ele dizia algo como “agora eu vou me dedicar a descobrir porque as baratas não vão morrer caso ocorra uma hecatombe nuclear”, e a matéria terminava com “Balada do Louco”. Fui para Juiz de Fora sem conhecer os discos, ouvindo na van para fazer a pauta, e quando passei a tarde inteira com ele, acabei tendo uma epifania. Ele parece um cara que está em outra esfera, falando coisas sem sentido, mas, na van, eu pensava nelas e descobri que ele tinha toda a razão. Acabei passando 2005 inteiro fazendo entrevistas para fazer um especial de meia hora de duração com ele. Quando foi para o ar, achei bacana, mas parecia um desperdício contar a história do Arnaldo Baptista em meia hora. Aí, tentamos fazer um programa de uma hora, mas no meio do caminho, resolvi que ia ser um filme. Logo depois disso, os Mutantes se juntaram para tocar em Londres e eu fui junto filmar. Aí, foram mais três anos de trabalho, convivendo intensamente com o Arnaldo. No fim, foi legal porque acabou mudando a vida dele – ele até voltou a fazer shows!
Na realização, como o “Cássia Eller” é diferente do “Loki”?
A grande dificuldade no “Cássia Eller” foi o fato de não poder entrevistá-la. No “Loki”, sempre que eu tinha uma dúvida ou precisava de mais uma entrevista, o Arnaldo Baptista estava à disposição. A ideia de pedir para que ele pintasse um quadro sobre a vida dele surgiu dessa disponibilidade dele, da possibilidade dele estar presente. Era bom também para gerar imagens de cobertura. Com a Cássia, infelizmente, não teve isso.
Como um documentarista que também faz suas vezes de biógrafo, como é fazer filmes em um país no qual as biografias não autorizadas são proibidas?
Eu sou totalmente a favor de acabar com essa proibição. É complicado escrever uma história sem autorização – fazer um filme, nem se fala. É dificílimo fazer um filme de denúncia. É aquela coisa: se eu quiser fazer um filme sobre o governo Médici, vou ter que pedir autorização para a família para falar sobre as torturas?
A coisa começa a ficar em um nível kafkaniano…
(risos) Sim! A gente precisa entender nossa história da maneira correta.
Você acha que a Cássia deixou herdeiras na música brasileira?
Não, não acho. Ela foi um vazio que ficou na música e não vai ser preenchido. Ela tinha uma sinceridade e uma cultura musical incrível: ela cantava no que acreditava, sem ser moldada por gravadoras, e cantava de samba a Nirvana sem querer parecer ser “eclética”.
O “Acústico MTV” dela prova isso.
É um disco que vai para todos os lados, mas de uma maneira muito natural. Além disso, essa história que eu comentei de tocar em churrascaria mostra a paixão dela pela música. É essa sinceridade que a fez ser quem é.
A história da Cássia Eller também tem uma questão importante após a morte dela, que é a batalha da Maria Eugênia para ter a guarda do Chicão. Como você mostra isso no filme?
É uma questão forte para nós. No filme, nós mostramos todo o processo, com a angústia da Eugênia de ter perdido a companheira e ser ameaçada de perder o filho. Para mim, esse foi último ato de revolução da Cássia. Com esse caso, ela abriu um precedente que faz com que as pessoas falem mais sobre o assunto. Nos anos 1990, quando havia grande preconceito, ela assumiu a homossexualidade dela, meio “sou sapatão mesmo”. Todo mundo a chamava de sapatão, isso e aquilo, e de repente ela aparece linda, grávida. “Pô, mas como assim? Quem é o pai?”, e ela respondia que o pai era ela mesmo, que era ela quem ia criar. Tudo o que ela fazia era de uma maneira sempre sincera. Mesmo sem dar entrevistas, e não gostando de falar, ela disse muita coisa que ajudou a mudar a vida de muita gente.
Como você vê o momento dos documentários no Brasil?
É uma cena que tem crescido muito. As pessoas estão descobrindo que o documentário não é mais aquela coisa chata dos anos 80, um filme de duas horas que mostrava a pesca do camarão. Nós deixamos a fase do cinema verdade para trás, e estamos nos preocupando mais com aspectos como montagem e trilha sonora, que acaba atraindo público. E há diversidade: você tem um filme como o “Elena”, da Petra Costa, que é uma coisa mais subjetiva, ou o “Simonal – Ninguém Sabe O Duro Que Dei”, um filme mais emocionado. Fiquei muito feliz com o fato do “Cássia Eller” ter esgotado ingressos no Festival do Rio e ter ganhado um prêmio de público concorrendo contra longas de ficção. É algo que mostra a valorização do formato.
E o cinema brasileiro enquanto negócio?
Para mim, a cinematografia brasileira é a melhor do mundo. Digo isso sem querer ser político. Temos uma diversidade de temas, histórias e estilos sem igual, até mesmo pelo tamanho do Brasil. O cinema do Nordeste é muito diferente do cinema do Sul e do eixo Rio-SP. Difícil, agora, é chegar até o público. Acho que a cota de telas estabelecida agora pelo governo pode ser uma iniciativa interessante.
Por outro lado, uma política dessas não pode afastar o público do cinema? Há a chance de o cara olhar o guia da semana e não se interessar por nada que está em cartaz.
Mas como o cara vai saber se o filme é chato ou não sem nem ao menos ver o filme? (risos). Tem que incentivar o cara a ver o filme. O preconceito de que filme brasileiro só mostra droga, putaria, palavrão e tem som ruim é algo totalmente antiquado. Quanto mais nós mostrarmos nossos filmes, mais rápido esse preconceito vai acabar.
Hora das listas: como um cara que já fez dois docs sobre música, quero um top 5 de documentários musicais.
Como beatlemaníaco, preciso citar o “Beatles Anthology” (1995), que é maravilhoso. Quando eu fiz o “Loki”, pensava que um dia precisava fazer o “Mutantes Anthology”. Gosto do “The Devil and Daniel Johnston” (2005). Outro bom é o que o Martin Scorsese fez sobre o George Harrison, “Living in a Material World” (2011). Dos brasileiros tem o “Simonal” (2009), que é bem legal. Pô, tô tentando lembrar da minha prateleira de DVDs e não consigo… Para fechar, o “Searching for Sugarman” (2012).
Você começou o “Dossiê Jango” depois de fazer o “Loki”, e começou o “Cássia Eller” enquanto fazia o “Dossiê Jango”. E agora, o que você já começou?
As minhas férias! Desde 2006, estou trabalhando e fazendo filmes. Vai ser a primeira vez que eu vou parar um pouco. Estou com algumas ideias na cabeça, mas não há nada concreto. Vou ficar um mês fora, e quando eu voltar começo a colocar as coisas no papel, mas não tenho nenhum projeto firme ainda.
Ainda falando sobre o cinema como negócio, você tem alguma expectativa de público para o “Cássia Eller”?
Não sei. Sem demagogia, quando faço um filme, não me preocupo se ele vai render. Sério mesmo. O “Loki”, por exemplo, deu 20 mil pessoas em bilheteria, mas é um filme que se tornou conhecido com a divulgação no boca-a-boca, via internet, e as pessoas ainda estão descobrindo o filme. Acho que o “Cássia Eller” pode seguir o mesmo caminho, talvez com um apelo maior, pela divulgação que está acontecendo. Os festivais de cinema foram um grande termômetro, as pré-estreias já atraíram bastante gente… espero só que as pessoas gostem bastante. Eu não gosto de fazer previsões.
E você consegue sobreviver só fazendo os teus filmes? Imagino que seja um trabalho caro, se dedicar a uma pesquisa de quatro anos, com viagens e várias entrevistas…
É complicado. Tanto no “Loki” quanto no “Jango”, eu trabalhava no Canal Brasil e fazia os filmes paralelamente ao meu emprego. Os dois filmes foram feitos com meu salário, eu nunca ganhei nada com eles. Se eles vendessem mais ou menos ingressos, para mim não fazia diferença nenhuma. Faço filmes pelo prazer e pelo amor ao cinema. O “Cássia Eller” foi o primeiro filme que eu fiz fora do canal. Talvez eu só possa responder essa pergunta com precisão daqui a um ano, agora que eu não tenho mais salário (risos).
Pra encerrar, uma pergunta batida, mas vá lá: você tem vontade de fazer cinema de “ficção”?
Claro que tenho. Sou viciado em cinema; o primeiro filme que eu queria fazer era de ficção, e virou documentário por falta de dinheiro mesmo. Mas comecei a gostar tanto do documentário que comecei a praticá-lo. Sinto vontade de fazer ficção, mas preciso de um bom roteiro. Não é uma necessidade que eu tenha, como se eu precisasse provar algo para alguém. Lembro quando eu fiz o “Mauro Shampoo”, ganhei o Festival do Rio, e logo me perguntaram: “Pô, quando você vai fazer um longa?”. Ok, aí fiz o “Loki”, ganhei prêmios pra caramba, e aí os jornalistas diziam: “Pô, parabéns, fez um ótimo documentário, mas quando é que você vai fazer um filme de verdade agora?”. Porra, sabe? (risos). Quando aparecer uma boa história, vou atrás. Mas sempre que eu começo a esboçar um roteiro, acontece alguma coisa na vida real que é muito mais surreal que a ficção.
– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista, escreve para o Scream & Yell desde 2010 e assina o blog Pergunte ao Pop.
Foto de Paulo Henrique Fontenelle por Bruno Capelas / Fotos de Cássia Eller por Divulgação
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– A versão domesticada de Cássia Eller ao vivo em Taubaté, 1999 (aqui)