por Marcelo Costa
Don (Adam Sandler) é um executivo que vive um momento de marasmo no casamento com Helen (Rosemarie DeWitt), aquela fase em que o sexo é raro e que as lembranças do passado parecem ser de outra pessoa, não deles próprios. A família se sustenta por inércia e pelo filho, Chris (Travis Tope), um dos destaques do time de futebol americano da escola, viciado em pornografia digital e flertando com Hannah (Olivia Crocicchia), uma adolescente que sonha em ir para Hollywood, e posa para as lentes da mãe, que posta os ensaios sexy na internet.
A trama pula aqui para outro núcleo, formado pela mãe de Hannah, Joan (Judy Greer), que engravidou de um produtor em Los Angeles e, bancada pela pensão, cria a filha incutindo nela seus próprios sonhos. Em um evento organizado por Patricia (Jennifer Garner) para alertar sobre os perigos da vida online (falaremos dela mais pra frente), Joan conhece Kent (Dean Norris), que foi abandonado pela esposa e, além de lidar com o coração partido, precisa encontrar uma forma de dialogar com o filho, Tim (Ansel Elgort).
O filho (respira fundo, leitor)… Tim era o craque do time de futebol americano da escola (o mesmo que joga Chris), mas a separação e a leitura equivocada de um vídeo na web fez com que ele se refugiasse em uma concha, abandonasse o futebol, e passasse a se dedicar a um jogo de RPG online (seu novo grupo de amigos) até se aproximar e se apaixonar por Brandy (Kaitlyn Dever), uma garota virtualmente cercada pela mãe, Patricia, que rastreia seus e-mails, suas mensagens em redes sociais, visando protege-la “dos perigos do mundo virtual”.
Ainda faltou falar de Allison (Elena Kampouris), uma garota que, após levar um fora de um veterano na escola, começou um processo de emagrecimento participando de um grupo na internet e a caminho de se tornar anoréxica. Faltou algo? Ah, sim: 90% de todo o problema causado nestes personagens tem relação (maniqueísta) com o uso da internet, desde uma pulada de cerca (paga ou não paga) passando pelo incentivo à pedofilia e pelo vício no sexo virtual. Sem falar no isolamento do mundo real. Ou seja, muita coisa prum filme só.
O cineasta Jason Reitman costuma lidar bem com temas tabu, principalmente por deixar escorrer doses divertidas de cinismo em suas histórias, e se o resultado havia dado certo nos ótimos “Obrigado por Fumar” (2005) e “Juno” (2007), e começado a mostrar sinais de desgaste em “Amor Sem Escalas” (2009), a partir de “Jovens Adultos” (2011) as coisas começaram a degringolar na carreira do diretor, como se Jason Reitman tivesse envelhecido 50 anos em 2, e perdido o contato com a realidade, algo que “Homens, Mulheres e Filhos” apenas amplifica.
O problema de “Homens, Mulheres e Filhos” (que custou US$ 16 milhões e arrecadou só US$ 2 milhões) não é apenas querer abraçar o mundo e resolver uma série de questões complexas em 119 minutos de película, mas tratar estes temas de maneira extremamente estereotipada. O personagem de Jennifer Garner, por exemplo, é tão forçado que a atriz parece uma estudante iniciante de teatro interpretando o papel. Adam Sandler e Rosemarie DeWitt (sua primeira cena de sexo é uma aula de “não atuação”) também não soam confortáveis.
A sensação é de que Jason Reitman apoiou-se no provável equivoco do autor Chad Kultgen, que, entrevista ao New York Times, contou que não queria fazer nenhum juízo de valor com “Homens, Mulheres e Filhos”, mas apenas dizer: “Isto é o que está acontecendo. Acostume-se”. Isso já é um juízo de valor, e se Kultgen teve mais espaço para elaborar sua tese (quem leu o livro, manifeste-se), Reitman, reprisando um dos costumes de muitos em redes sociais, parece ter lido só a manchete de uma notícia e já tirado uma conclusão.
Desta forma, a internet é a grande vilã de “Homens, Mulheres e Filhos”, ainda, que nos últimos segundos da projeção, Jason Reitman deixe óbvio que cada pessoa precisa saber lidar com o que tem em mãos. Assim como os aviões não eram culpados pelos bombardeios em Hiroshima e Nagasaki e as drogas não são culpadas por viciar pessoas, a internet não é culpada por oferecer um espaço que, muitas vezes, é usado de forma condenatória. Negar é isso é não aceitar / enxergar a imperfeição do ser-humano, que, sim, tem um lado pobre (beeem podre).
Desde que o homem entendeu a descendência que pais buscam reprisar para os filhos boas experiências que tiveram ou que gostariam de ter tido, como se os filhos não tivessem um DNA próprio e fossem condenados a ser um boneco de ventríloquo numa triste confusão que transforma educação em manipulação. Em “Homens, Mulheres e Filhos”, Jason Reitman peca exatamente por sugestionar uma valorização dessa educação no segundo final, deixando para trás um rastro de caos pelo qual a internet é culpada.
Quase 20 anos após a sua popularização, a internet continua se renovando e dificultando seu entendimento, e coisas que não entendemos tendem tanto a assustar quanto a gerar obras como “Homens, Mulheres e Filhos”, que soam mais como desserviço do que como reflexão, ainda que permitam avaliar que, sim, o problema somos nós, como referenda a leitura de “Pálido Ponto Azul”, de Carl Sagan, que define: “Não há nenhum indicio que ajuda possa vir nos salvar de nos mesmos”. Reitman tentou, mas não conseguiu deixar isso claro. Uma pena.
******
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
por Bruno Lisboa
Com carreira iniciada na década de 90, período em que dirigiu uma série de curtas e atuou, Jason Reitman foi gradualmente aprendendo os ofícios do pai (o também diretor Ivan Reitman) até que, em 2005, chega ao seu primeiro filme assumindo não só a direção como também o roteiro (adaptado do romance de Christopher Buckley): “Obrigado por Fumar” foi bastante elogiado e revelou o que seria sua marca registrada, fazer do mínimo o máximo.
Essa qualidade pode ser estendida do acerto em “Obrigado por Fumar” à fofura indie de “Juno” (de 2007, indicado a quatro Oscars e vencedor de um, Melhor Roteiro, de Diablo Cody) e, num degrau mais baixo, o romance dramático “Amor Sem Escalas” (2009), que aumentou as indicações de Jason na Academia (foram seis), embora, merecidamente, o diretor e o filme tenham saído com as mãos abanando da premiação (a concorrência estava alta).
Ainda assim, Jason Reitman mostrou com esses filmes (vale incluir “Jovens Adultos”, de 2011, tentativa de reprisar a parceria com Diablo Cody, certeira em “Juno”, que não deu tão certo) que consegue, partindo de um baixo orçamento para os padrões hollywoodianos, criar filmes belos e reflexivos, carregados de boas doses de humor. Os roteiros com que trabalha, em sua essência, optam pela simplicidade ao dar voz a protagonistas individuais.
Foi assim com um executivo da indústria do cigarro (“Obrigado por Fumar”), uma grávida adolescente (“Juno”), um downsizer (o agente responsável por demissões em “Amor sem Escalas”), uma ghost writer em crise (“Jovens Adultos”) e uma depressiva dona de casa (“Refém da Paixão”), exemplos de seus heróis, pois travam batalhas diárias num mundo totalmente modificado, recheado de desafios pessoais.
Por mais que seu olhar se direcione para a cultura do cidadão norte-americano comum, seu cinema conseguiu atingir ao público de maneira global, fator este que faz com que seus projetos sejam sucessos de bilheteria em sua maioria. Esta sina perdurou por bastante tempo, mas já vinha dando sinais de desgaste em “Jovens Adultos” (que havia custado US$ 12 milhões e faturado 22 milhões) e, principalmente, em “Refém da Paixão” (custo de US$ 18 milhões, lucro de 19 milhões), encontrando o fundo do poço em “Homens, Mulheres e Filhos” (2014).
Baseado no livro de Chad Kultgen, o filme discute a mudança comportamental humana nos últimos tempos. O roteiro, escrito pela dupla Reitman/Erin Cressida Wilson e narrado por Emma Thompson, começa bem ao traçar um paralelo entre os anos 70, período em que a tecnologia ainda engatinhava (exemplificado pela sonda Voyager, que fora enviada com o objetivo principal de transportar elementos da cultura humana ao espaço), com o grande salto dos totalmente modificados e nunca antes imaginados dias atuais.
Após a breve premissa, o olhar científico dá lugar a um analise aproximada da sociedade atual, largamente alterada desde o advento da internet. Para retratar a tamanha modificação comportamental, Jason Reitman faz de seus personagens meros escravos das redes sociais e expõe o isolamento que elas geram, retratando assim um painel fidedigno (e bastante amplo) do que visualizamos hoje, principalmente com os adolescentes.
As atuações do vasto elenco, composto por Adam Sandler, Jennifer Garner, os novatos Ansel Elgort e Kaitlyn Dever, por mais que se destaquem, maquiam o que de fato é o grande problema do filme: a multiplicidade de temática. Ao tentar abraçar uma série de temas (traições, anorexia, a superficialidade humana e a sexualidade precoce, entre outros), Reitman tira força do mote central, fazendo com que o antes ambicioso e atual roteiro fosse de encontro a um intenso mergulho num sentimentalismo barato, risível, a beira do clichê.
Tal como uma análise feita num único tuíte, “Homens, Mulheres e Filhos” peca ao discutir uma pluralidade de temas de maneira vazia, em curto espaço de tempo e deixando-os em suspenso. O olhar piedoso e raso do filme conduzido pelo talentoso Reitman, infelizmente, compactua com os tempos modernos, pois seguimos incapazes de perceber o que de fato é simples: o grande problema da humanidade hoje é não sabermos equacionar nossas ações e priorizar o que de fato nos é importante: viver de forma não virtual.
– Bruno Lisboa (@brunorplisboa) é redator e colunista do pignes.com
Leia também:
– O carisma de Juno, precocemente madura e exageradamente espirituosa (aqui)
– De modo criativo e cômico, “Jovens Adultos” questiona ambição e crescimento (aqui)
– “Amor Sem Escalas” e para jovens entenderem errado e adultos fingirem não entender (aqui)
Achei a mesma coisa quando vi o filme uma semana atrás…
http://filmow.com/comentarios/5160300/
Se for ver, faz sentido: uma trilogia boa e uma ruim.