Peter Hook & The Light ao vivo em SP

por Marco Antonio Barbosa

A expressão “fazendo cover de si mesmo” é um clichê. Mas Peter Hook a leva muito a sério. O (ex?) baixista do New Order já havia se arriscado com dois projetos paralelos (o Revenge, ativo entre 1990 e 1993, e o Monaco, 1995-2000) que eram nada mais que versões genéricas de sua banda principal. Hoje, liderando a banda The Light, parou com essas palhaçadas de “repertório original” ou “vergonha na cara” e assumiu a postura cover na cara dura, fazendo turnês temáticas dedicadas a álbuns específicos do New Order e do Joy Division.

E foi com uma dessas apresentações, dedicada a recriar o repertório completo dos dois melhores álbuns do New Order – “Low-life” (1985) e “Brotherhood” (1986) – que Hook baixou mais uma vez em São Paulo, no Clash Club. Poderia ter sido uma ocasião histórica: a chance de afinal ouvir ao vivo diversas canções que o New Order não toca ao vivo há literais décadas. Poderia ser um grande mico: 1/4 da banda original promovendo um descarado caça-níqueis. No fim das contas, deu empate. E também foi muito divertido.

Hook + The Light foram extremamente generosos. Foram mais de três horas de música, incluindo as oito canções de “Low-life”, as nove de “Brotherhood”, outras seis músicas de outros discos do New Order (quatro no bis) e um mini-set com sete músicas do Joy na abertura. E – me contaram, eu já tinha ido embora – ainda rolou “Love Will Tear Us Apart” depois do bis, para um Clash Club já esvaziado. A abertura com o repertório do Joy Division foi assertiva, com versões vigorosas para “Transmission”, “Isolation” “Shadowplay”, “Ceremony” e “Disorder”.

Após uma curta pausa, a banda retorna tocando as duas primeiras surpresas da noite: “Lonesome Tonight” e “Thieves Like Us”, ambas lançadas em 1984, preparando o terreno para o set de “Low-life”. Não se pode dizer que os caras não se esforçam. Hook saca uma escaleta para tocar (e direitinho) a introdução de “Love Vigilantes”. David Potts, remanescente do Revenge e do Monaco, imita à perfeição as guitarras e o timbre vocal de Barney Sumner. Pena que os dois MacBooks trazidos pelo tecladista Andy Poole não se equiparem ao arsenal eletrônico manejado por Gilliam Gilbert.

Mais triste ainda é constatar que o baterista Paul Kehoe é muito inferior ao genial Stephen Morris. A voz de Hook, que ainda engana ao imitar o registro grave de Ian Curtis, já começa ruim e vai decaindo sensivelmente no decorrer do show; ele nem tenta atingir os agudos originais de Sumner. Erra miseravelmente as letras, trocando/repetindo versos, e continua incapaz de tocar e cantar ao mesmo tempo. O filho de Hook, Jack Bates, é o curinga que supre as clássicas linhas de baixo enquanto o pai canta.

Mas o baixista, claro, continua um figuraça. Quebra tudo numa empolgante “The Perfect Kiss”, com direito a uma sacaneada explícita no New Order, que apresentou uma claudicante versão do hit no Lollapalooza Brasil (“And THAT’s how you play ‘The Perfect Kiss'”, disse ele ao final). Saca um banquinho para caprichar na performance de “Elegia” e deixa Potts fazer o vocal de “Sooner Than You Think” (minha música favorita do New Order!).

Sua legendária presença de palco e o som inconfundível de seu baixo deixam claro que o New Order só perdeu com sua ausência. O set de “Brotherhood” começa ainda mais quente, com recriações bem roqueironas para “Paradise”, “Weirdo” e “Way of Life”. “Bizarre Love Triangle” é severamente prejudicada pela voz ruim de Hook, mas a banda dá a volta por cima ao caprichar em “All Day Long”, “Angel Dust” e “Every Little Counts”. O bis recupera “Shellshock”, “Confusion”, “True Faith” e uma triunfante “Temptation”, com a banda trajando camisas da seleção brasileira de futebol.

Agora, para fechar de vez o ciclo da picaretagem, só falta uma turnê do New Order com Peter Hook and The Light como banda de abertura. Não duvide.

Setlist
“Atmosphere”
“Transmission”
“Ceremony”
“Disorder”
“She’s Lost Control”
“Shadowplay”
“Isolation”
“Lonesome Tonight”
“Thieves Like Us”
“Love Vigilantes”
“The Perfect Kiss”
“This Time of the Night”
“Sunrise”
“Elegia”
“Sooner Than You Think”
“Sub-culture”
“Face-up”
“Paradise”
“Weirdo”
“As It Is When It Was”
“Broken Promise”
“Way of Life”
“Bizarre Love Triangle”
“All Day Long”
“Angel Dust”
“Every Little Counts”

(bis)
“Shellshock”
“Confusion”
“True Faith”
“Temptation”

(bis 2)
“Love Will Tear Us Apart”

– Texto de Marco Antonio Bart (@bartbarbosa), jornalista que assina o blog Telhado de Vidro

Leia também:
– “Low Life”, do New Order: De Manchester para a alma de quem escuta (aqui)
– Na Colômbia, 2013, New Order faz de seu show uma experiência bastante divertida (aqui)
– Em São Paulo, 2006, quem esperava perfeição do New Order deve ter se frustrado (aqui)

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