Três cantoras: Camila, Juliana e Natalia

por Marcelo Costa

O Pará vive um momento musical excepcional. Com um festival excelente (Se Rasgum), um projeto de valorização da música local sem igual no país (Terruá Pará) e artistas locais com cada vez maior projeção nacional (Gang do Eletro, Felipe Cordeiro e Gaby Amarantos), o Estado passa por um momento de maturação de sua cena local em que convivem artistas de diversos gêneros, idades e musicalidades.

Molho Negro, Aeroplano, Turbo, Elder Effe, Antonio Novaes, Félix Robatto, Lia Sophia, Aíla, Arthur Espindola, Jaloo, Strobo, Sammliz, Suzana Flag e Luê (entre tantos outros) seguem um caminho aberto por gente como Pinduca, Mestre Vieira, Dona Onete, Mestre Laurentino, Fafá de Belém e Pio Lobato, e que, felizmente, começa a repercuitir Brasil afora. O Pará é guitarrada, é tecnobrega, é rock, é lambada, é MPB, é pop, é bastante coisa.

Por isso não deixa de ser sintomático que três cantoras da nova geração paraense cheguem cada uma ao seu primeiro disco, todos com selo Natura Musical, praticamente juntas, mas mostrando personalidade ao mesmo tempo em que o repertório de uma namora o repertório da outra. Camila Honda, Juliana Sinimbú e Natalia Matos buscaram um caminho próprio, desde a escolha da sonoridade aos acompanhamentos de parceiros e produtores.

“Camila Honda”, o disco, tem produção de Felipe Cordeiro e uma sonoridade pop que flerta aqui e ali com o brega paraense, mas de modo contemplativo; “Una”, de Juliana Sinimbú, foi produzido por Donatinho e pega o ouvinte pela cintura levando-o a dançar por um salão imaginário, que pode ser sua própria sala de casa; já a estreia de Natalia Matos conta com produção de Guilherme Kastrup e parece chocar a saudade da cantora de uma sonoridade local (ela passou oito anos em São Paulo) com o desejo de ser cidadã do mundo.

Abaixo, Camila, Juliana e Natalia comentam, faixa a faixa, seus discos de estreia.


“Camila Honda”, faixa a faixa, por Camila Honda
01 – Baile Saudoso: Eu tinha o refrão e a vontade de fazer uma música com o Allan Carvalho. Foi assim que tudo começou. A mulher da letra do Allan dizia coisas como “eu vou correndo me atirar no teu colchão”, “nesta noite é você quem eu quero comer, meu bem” e “porque no baile saudoso é gostoso se pegar”. Eu achei um barato! Mas fiz alguns ajustes porque sou um bocadinho mais discreta que ela.

02 – Fora de Área: Essa música tem uma coisa de sarcasmo e doçura, leveza e malícia, descontração. Foi muito divertido entrar nesse clima e fazer essa gravação para o disco. É uma das minhas faixas preferidas.

03 – Embaraço: Tem muito a ver com o fim de um ciclo, com a espera de novos ares e com a sensação de ansiedade, e ao mesmo tempo conforto, de deixar acontecer, deixar fluir. Era bem o meu momento pessoal durante a gravação do disco.

04 – Coração na Balança: Uma vez ouvi que, no Egito antigo, pesavam os corações dos mortos em uma balança, contra o peso de uma pena. Os corações que tivessem peso igual ao da pena eram considerados puros e as almas dignas do paraíso. Caso contrário, os corações eram devorados e as almas estavam condenadas ao submundo. Escrevi “Coração na Balança” em torno da importância de um momento de consciência sobre o estado, o peso dos nossos corações e também sobre o prazer da leveza.

05 – Aparelhagem de Apartamento: Num programa ao vivo da Rádio Cultura, em Belém, eu tive a oportunidade de conhecer e cantar essa música da banda paraense Molho Negro, numa versão despretensiosa e improvisada, que acabou entrando na programação da rádio. A música é demais, merecia uma regravação pra entrar no repertório do CD. Convidei o Arthur Kunz pra produzir a faixa e um dos autores da música, João Lemos, pra gravar a guitarra.

06 – Tamba-Tajá: O Waldemar Henrique é um dos maiores compositores do nosso estado. É o Villa Lobos da Amazônia. “Tamba-Tajá” é uma música muito conhecida no repertório erudito e que, nos anos 70, teve uma versão popular e inesquecível da Fafá de Belém. Sempre gostei muito dessa música que fala da lenda do tamba-tajá, uma história de amor, mas achei que no século XXI seria legal cantá-la de outra maneira. Fui experimentando e descobrindo a minha maneira de contar essa história e cantar essa música tão bonita.

07 – Nightinlady: Essa música aconteceu quando o Jorge Eiró, artista plástico paraense, escreveu um texto no Facebook, no dia do aniversário da sua filha, e me enviou sugerindo que eu musicasse. Todas aquelas referências musicais do texto me remeteram a um clima muito folk, muito leve… A melodia foi acontecendo muito naturalmente, nos poucos acordes que eu sei tocar. Fiz uma gravação caseira e enviei pro Felipe Cordeiro, mas nunca imaginei tocar o violão no CD. Ele me convenceu e a gravação aconteceu num clima “ao vivo”, despretensioso, prazeroso e intimista.

08 – Sabiá: Quando eu comecei a cantarolar essa música, fui percebendo que sentido ela fazia pra mim e descobri que ela era triste, era um lamento. Entrei nesse clima profundo de tristeza, como se naquele momento só um sabiá pudesse me ouvir e entender o que eu sentia. Foi um momento muito especial no estúdio.

09 – Depois que a Chuva Passar: O Felipe Cordeiro me enviou a melodia e eu escrevi a letra. Escrevi num dia daqueles que a gente não tem pressa, que a gente quer e pode assistir ao pôr-do-sol, que a nossa casa é o lugar mais delicioso do mundo, naqueles dias que a gente acorda e tem um amor começando e que essas coisas bastam pra nos fazer feliz.

10 – Refluxo Sentimental: A última faixa do disco foi também a nossa última gravação. Foi gravada em Belém e é uma música que fala de quando vem à tona uma paixão que a gente deseja esquecer.

“Una”, faixa a faixa, por Juliana Sinimbú
01 – Clarão da Lua: Se eu gravasse um disco só como intérprete essa era uma música que certamente estaria no repertório. É admirável a sensibilidade de um homem que escreve que “o clarão da lua cheia é pouco pro que eu te gosto”. No fim das contas essa foi umas das poucas músicas que ficaram para interpretar, por um carinho meu pelo compositor (Almirzinho Gabriel) e a obra.

02 – Quero Quero: Iva Rothe, a compositora dessa música, é uma das mulheres inspiração para que esse trabalho surgisse. Por sinal, ela quem batizou o disco, lá em 2010, numa viagem nossa pra Salvador, quando me mostrou a música. “Quero Quero” seguiu com arranjos tipicamente africanos, tem influências diretas de Obina Shock e ficou uma delícia.

03 – Simpatia: Aqui no Pará as meninas são bem supersticiosas. Além de botar o Santo Antônio de cabeça pra baixo quando as coisas não vão bem pras bandas do amor, elas vão no Ver o Peso comprar as poções da Dona Coló, conhecidas como “Chega-te à Mim” e “Pega e não me Larga”. Faz se a simpatia e é tiro e queda!

04 – Vodka: Essa canção é uma história de amor de um casal completamente diferente com péssimas chances de vingar… mas que vinga! Dai chamei Otto, que dispensa apresentações, e ele disse umas verdades no meio da música. O resultado ficou maravilhoso!

05 – Abraça: Essa é pra quem ama e quer amar de novo… Faz um bem danado ouvir essa música. É pros namorados.

06 – Para Um Tal Amor (Arrocha): A primeira música de trabalho do disco, que veio com clipe e tudo… um baita desaforo elegante pros canalhas. Quem nunca amou um canalha, hein?!

07 – Não Me Provoca: Música da senhora mais querida do Pará, Dona Onete. Fala da moça tinhosa, que é vaidosa e quente. Não mexa com ela! Conta com um solo envenenado do Kassin.

08 – Delicadeza : Uma de minhas primeiras músicas. É a respiração literalmente do disco e tem a participação dos cordistas da Orquestra do Theatro Municipal do RJ. Fiquei emocionada.

09 – Ó: Música delícia dos amigos baianos Marcella Belas, Helson Hart e Tenilson Del Rey. Marcella, além de ser patrocinada pelo Natura Musical também, tem um astral incrível em suas letras e melodias. Me identifico muito com seu clima e tratei de pegar uma canção pra mim.

10 – Pra Você Voltar: Canção que fiz pra falar do laço entre artista e público. É como uma relação de amor, de afeto. Não se trata de fã, é algo além… Conta com o coro de cantoras paraenses, algo que remete ao canto de sereias, algo que faz referencia ao encantamento gerado que faz as pessoas, voltarem e voltarem… Que assim sempre seja.

11 – Nua Ideia: João Donato e Caetano Veloso são dois ídolos. Donato fez parte diretamente da minha história artística. Meus shows levavam o nome de suas músicas. E tê-lo tocando nessa faixa foi um presente tão grande que não precisei de aniversário.


“Natália Matos”, faixa a faixa, por Natália Matos
01 – Cio: É uma música do terceiro álbum do Kiko Dinucci, em parceria com Douglas Germano. Sempre quis gravar essa música, pela intensidade que ela carrega e pela identificação com esse universo de imagens e emoções. Ela já estava no repertório dos meus shows e agora ganhou um lindo arranjo do Kastrup, cheio de mistérios, que flerta com a cumbia.

02 – Beber Você: Mais uma pérola dessa parceria de Felipe, Arnaldo, Manoel, Luê e Betão. Que belo jogo de palavras de uma saudade doída de um amor. Ela é bem humorada, que até a saudade se veste de leveza, como faz a água. A música é graciosa e ficou cheia de suingue com as percussões arrasadoras de Guilherme Kastrup.

03 – Você Me Ama, Mas: Essa é a nossa música pop do disco. Uma das minhas primeiras composições, fala dos limites do amor e expõe a dificuldade de se ser só quando somos, os dois amantes, um só. Frases impulsivas e um tanto irônicas trazem um quê de humor no incômodo com o outro e na busca da tristeza e da solidão para se compor.

04 – Coração Sangrando: Um brega rasgado da Dona Onete, compositora que conquista qualquer coração com seu chamego e suas incríveis canções. Quando estive em sua casa, ela cantarolou toda a intenção do arranjo dos sopros, e no dia em que ele ficou pronto eu fui abaixo de emoção. Pra completar, tive o prazer de cantá-la ao lado de Zeca Baleiro, que trouxe ainda mais beleza. É de chorar!

05 – Baila de Havana: A gente deu um ar super moderno para esta música inédita de um grande compositor do Pará, o qual eu não poderia deixar de gravar, Ronaldo Silva. A letra é despretensiosa, fala de um jogo de conquista dentro de um baile, ainda faz referência a vários ritmos latinos e tem um clima super caliente.

06 – Flor do Segredo: Fui tocada pela delicadeza e sinceridade desta letra de amor. Embalada por um clima de fado, ganhou efeitos e condução minimalista do Guilherme Kastrup que se somam à viola do Caçapa, aos violinos de Hertz, e trouxe uma intensidade que eu procurava. Ela é do Almirzinho Gabriel, autor de outras tantas belas músicas como esta.

07 – Um Amor de Morrer: Conheci esta canção por este vídeo: Achei aquilo tudo muito precioso e a pedi ao Rômulo, que me entregou de coração, como se entrega um pássaro ao voo. O arranjo ficou precioso como ela: o cavaco do Rodrigo Campos e a viola do Caçapa ressoando tocantes e doloridos como um amor de morrer.

08 – Pouca Luz: Um momento de solidão, encantamento e reflexão sobre o tempo e a luz elétrica. A música passa por ritmos diferenciados que, neste arranjo, ganharam um refinamento e uma profundidade incríveis.

09 – Maria do Pará: Iva Rothe a compôs pensando nas marchinhas do Pinduca, e nós a fizemos mais experimental. A história é um barato: um romance entre uma paraense do interior, de uma ilha, e um rapaz da “cidade”, que enfrentam a distância pelo “écran” e viagens de po-po-pô (barquinho monomotor usado para chegar a comunidades ribeirinhas). Gosto muito do MPC misturado aos meus vocais, que se confundem com a voz principal quase como se fosse a tentação desta Maria.

10 – Este Pranto é Meu: Quis regravar esta música do Pim, irmão do Pinduca. Fizemos mais grave, mais lenta, passeando pelo carimbó e pelo marabaixo, com as guitarras do Kiko Dinucci “ferindo mais que um punhal”. Há nela um lirismo que me encanta.

11 – Cândido Brilho: Minha primeira música em parceria. Renato Torres veio fazer perdurar o encantamento com a noite e com a lua e levou minha urbana solidão para a beira do mar. Ela flertava com a guitarrada quando cantada no Terruá Pará, e entrou no disco, para registrar este meu momento, em versão mais rápida, quase uma lambada.

12 – Cio (DubMix): Guilherme se encantou com a possibilidade de iniciar e finalizar o trabalho com a mesma música depois que vimos prontos os belos Dub que o Victor Rice preparou para esta e várias outras músicas do disco.

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne

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