Boteco: Três cervejas que ganhei de presente

por Marcelo Costa

A primeira cerveja é uma austríaca, presente do parceiro Leonardo Dias, e veio de Viena. É uma Zwickelbier, estilo alemão que caracteriza uma cerveja não filtrada da região da Franconia, no norte da Baviera, que remete ao estilo Keller, mas com menos carbonatação e lupulagem. Essa Schwechater Zwickl é uma releitura vienense do estilo bávaro, e na taça exibe um líquido de coloração amarelo palha, com turbidez típica das cervejas não filtradas. O creme é branco de boa formação e média alta permanência. No nariz, notas cítricas (limão siciliano) dançam ao lado da cevada (remetendo a feno, capim e pão) com sugestão de condimentação (semente de cravo) e picância de acidez. Na boca, amargor cítrico e acidez surpreendem positivamente o bebedor num conjunto que ainda valoriza as notas derivadas da cevada com leve sugestão herbal (ervas) e floral. No final, cevada, cítrico e amargor comportado. No retrogosto, uma rede em uma tarde na fazenda. Simples e eficiente.

A segunda cerveja é belo-horizontina, presente da querida Jennifer Souza. Já tinham me falado da Divina (um abraço, Rodrigo Brasil), e a memória resgata uma citação no encarte do álbum “Nacional”, do Transmissor (banda da qual Jennifer é integrante), lançado em 2012: “Transmissor bebe cervejas Cruz Alta e Divina”. Anotei. O mestre cervejeiro Leandro Maciel não integra a banda, mas é amigo da turma e produz cervejas em casa desde 2008: “Faço a Divina há seis anos”, conta em bate papo por e-mail. “O nome não é nenhuma prepotência e sim uma homenagem à avó da minha esposa, que se chamava Divina”, explica. Quando completou 30 anos, Leandro ganhou de presente da sogra um kit para fabricação de cerveja artesanal e a esposa complementou o presente com um curso. “Comecei fazendo cervejas Extra Special Bitter, pois sou fanático pelo sabor do lúpulo, mas logo fiquei encantando pelos complexos sabores das cervejas Belgas”, conta.

A Divina que veio na mala da Jennifer é uma Belgian Strong Ale, e não deu nem tempo de ser rotulada (a arte do rótulo é essa acima). A receita une os maltes Munich, Vienna, Pilsen, Trigo e Torrado com os lúpulos Target, Hallertauer Mittelfrueh e Fuggles enquanto Leandro testa a levedura em diferentes baldes (o primeiro com a belga T-58 e o segundo com o inglês S-04). De coloração marrom escura com creme bege de ótima formação e permanência, a Divina Belgian (Dark) Strong Ale exibe um aroma caprichado valorizando as notas derivadas do malte torrado (chocolate e baunilha à frente, café na retaguarda, resultando em cappuccino) e trazendo consigo sugestão de madeira e frutas escuras (ameixa). Na boca, o malte tostado brilha em notas que inicialmente remetem a café (e auxiliam a lupulagem na função de amargor) e depois, mais macias, sugerem baunilha, caramelo, chocolate e frutas escuras. O final é deliciosamente maltado (puro cappucino) e o retrogosto reforça a sugestão. Muito boa!

A terceira cerveja é norte-americana, presente do amigo Rodrigo Salem. No ranking do Ratebeer (que a Westvleteren lidera), a Pliny the Elder, uma Double IPA, aparece na 16ª posição entre as melhores do mundo (a versão “fresca”, Pliny the Younger, uma Triple IPA, é a 5ª colocada, mas bebe-la não é das coisas mais fáceis do mundo – Salem conta neste texto que escreveu para a Serafina) e é fabricada pela Russian River, cervejaria de Santa Rosa, cidade a sete horas de Los Angeles, com 40% mais malte e duas vezes mais lúpulos (Amarillo, Centennial, CTZ e Simcoe) que a versão IPA tradicional da casa. O resultado é uma cerveja de coloração alaranjada como creme de ótima formação e permanência. No nariz, o aroma é complexo e sensacional exibindo um embate provocante entre cítrico (tangerina, limão siciliano e manga) e herbal (pinho), com ambos vencendo: dependendo do momento – e do aquecimento da cerveja na taça – um dos tons prevalece, alternando-se na sequencia.

O perfil aromático ainda conta com sugestão de condimentação (pimenta branca), percepção de caramelo do malte (mel) e dos 8% de álcool, além de leve toque resinoso, que não soa agressivo (e impressiona). Na boca, há um aceno do melado de malte antes que o lúpulo tome a frente e dite as regras, que repetem a percepção adiantada pelo aroma: divisão caprichada entre herbal (pinho) e cítrico (laranja) se alternando no paladar, com elevação da percepção resinosa (ainda assim, não agressiva) e do álcool, que soa aconchegante (vejamos depois que a garrafa de 510 ml acabar – risos). Outro fator que impressiona: os 100 pontos de IBU surgem na sequencia da doçura do primeiro toque (na entrada), mas não se acumulam no céu da boca e garganta, permitindo ao bebedor valorizar outros atributos do conjunto. O final traz mel, resina e frutado (pêssego) cítrico enquanto o retrogosto exibe cítrico (abacaxi), condimentação (pimenta branca) e leve acidez alcoólica. Tem outra?

Balanço
Quase que uma versão bávara (ou seja, dentro da lei da pureza) das witbiers belgas, a austríaca Schwechater Zwickl é uma cerveja saborosa e refrescante, que pode trazer lágrimas aos olhos na torneira, mas também é gostosa de beber na garrafa. A segunda do trio é artesanal, e veio de Belo Horizonte: a Divina Belgian Dark Strong Ale surpreende pelo drinkability altíssimo para uma cerveja de 7% de álcool (desce de maneira tão suave que, quando se percebe, era uma vez a garrafa). Leandro, o mestre-cervejeiro, costuma fazer testes com levedura na brasagem: “O padrão é o fermento belga T-58”, ele conta. “No segundo balde testei o (fermento inglês) S-04”. E avisa: “Não sei qual garrafa você pegou: se o sabor estiver bem frutado foi o T58. Mais seco foi um teste com o S-04. Veja o que acha. rs”. E a minha sensação é de que a levedura deste exemplar era a britânica, pois o frutado (marcante no estilo belga) estava bem suave, a ponto de remeter mais a uma Imperial Stout (impressão que diminui conforme a cerveja aquece no copo). O resultado, independente de estilo, é uma cerveja agradabilíssima, que vou querer provar novamente para tirar a prova da levedura (olha o golpe do jornalista – risos). Fechando com a Pliny the Elder, uma impressionante Imperial IPA que mesmo com 8% de álcool e 100 de IBU, desce fácil e pede outra. Faço parte do coro: melhor Imperial IPA do mundo (na minha lista pessoal, BrewDog Hardcore IPA e Anderson Valley Imperial IPA ficaram para trás).

Schwechater Zwickl
– Produto: Zwickel
– Nacionalidade: Áustria
– Graduação alcoólica: 5,4%
– Nota: 3,44/5

Divina Belgian Strong Ale
– Produto: Belgian Dark Strong Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 7%
– Nota: 3,05/5

Pliny the Elder
– Produto: Imperial IPA
– Nacionalidade: EUA
– Graduação alcoólica: 8%
– Nota: 4,48/5

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– Top 1001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
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