Literatura: “Fama e Loucura”, de Neil Strauss, é o mais próximo que você vai chegar dos seus ídolos

por Leonardo Vinhas

Texto publicado originalmente no Scream & Yell em maio de 2012

Por que gostamos tanto de música pop? A pergunta pode surgir numa mesa de bar, numa conversa na sala de um amigo, durante a leitura de “Alta Fidelidade” (ou depois de assistir à sua adaptação cinematográfica). Independentemente disso, a questão acaba sendo: por que nos baseamos tanto nas emoções proporcionadas por uma pecinha musical de três minutos?

Talvez isso possa ser respondido sem muita reflexão se simplesmente citarmos Milan Kundera: porque a música, ao contrário do cinema e da literatura, é a única arte capaz de nos emocionar várias vezes com a mesma peça (citação de memória, as palavras exatas podem ser outras). Isso, porém, abre espaço para outra questão: por que damos tanta importância a quem cria essas pecinhas?

Neil Strauss é um jornalista que dedicou mais de vinte anos de sua carreira a entender isso – mesmo que, no começo, não soubesse que esse era seu objetivo. Fazendo parte das redações de publicações como o jornal The New York Times e a revista Rolling Stone, e colaborando como freelancer para Esquire, Details, Maxim, Interview e outras, Strauss entrevistou mais 3 mil personalidades, algumas mundialmente famosas, outras tão obscuras que mal poderiam ser chamadas de “cult”. E ao longo dessa trajetória, entregou textos que atendiam exatamente às necessidades de cada publicação, mas não necessariamente refletiam a essência ou realidade do entrevistado.

Em busca dessa essência, Neil passou dois anos revisitando as gravações e anotações de cada entrevista, em busca “do único momento de verdade ou autenticidade” de cada entrevistado, nas palavras dele. “Afinal”, esclarece Strauss, “você pode sacar muito de uma pessoa ou situação em um minuto. Mas apenas se você escolher o minuto certo”.

“Fama e Loucura” (“Everyone Loves You When You’re Dead: Journeys int Fame and Madness”, 2011), que acaba de ganhar edição brasileira via editora Best Seller, traz 228 desses minutos, organizados em capítulos que se montam a partir de fragmentos de seus encontros com pessoas como Leonard Cohen, Bono Vox, Lady Gaga, Dave Navarro, agentes da CIA, Tom Cruise, racistas, Hugh Laurie, Courtney Love e muitíssimos outros. Mesmo sem uma narrativa convencional, cada capítulo conta uma história, cujo mote já é explicitado a partir de seus respectivos títulos, como “Esfaqueando sua mãe por um álbum no número 1”, “Caras malvados com cabelos compridos”, “Leve seu traficante para o expediente”, e assim por diante.

Há, evidentemente, histórias desconcertantes (por exemplo, quando Omar Rodriguez-Lopez revela ter sido vítima de incesto), fofocas divertidas (o insuspeito homoerotismo em bandas “machonas” como Incubus e Korn), momentos de sinceridade assombrosa (a asquerosa arrogânica de Joni Mitchell). Mas nada disso, isoladamente, é razão para você atravessar as mais de 500 páginas do livro. A verdadeira razão é a resposta para as duas perguntas formuladas no começo deste texto.

“Ao reportar, editar e ler as entrevistas incluídas neste livro – e examinar quem é infeliz, quem é feliz e por que – acabei aprendendo tanto sobre mim e sobre minhas escolhas de vida quanto sobre as vidas e filosofias dos artistas e celebridades sobre quem estava escrevendo”, afirma Strauss no epílogo. E com essa experiência, é capaz de concluir que “o inferno é chegar ao fim da sua vida e perceber que você errou por pouco e que suas prioridades estavam erradas”.

Nunca se configurando como autoajuda (até porque as conclusões do autor só aparecem no breve epílogo) nem abusando do juízo sobre seus entrevistados, Neil Strauss nos permite poder entender um pouco mais sobre o que há por trás da persona que admiramos e chegar mais perto da pessoa que não conhecemos. E com isso, fica aberto o caminho para que cada leitor tire suas conclusões. É um caminho fascinante e, por vezes, doloroso. A pungência de vários trechos, a banalidade de outros e até a iluminação de alguns – todos incomodam. Como deve incomodar o bom jornalismo, como deve incomodar a urgência por mudança.

“Fama e Loucura”  é o mais próximo que você vai chegar dos seus ídolos. E em cada página, você será forçado a se perguntar se realmente precisa deles. Abaixo, leia alguns trechos das entrevistas:

LED ZEPPELIN
Achei estranho vocês abrirem o show do Lenny Kravitz.
Robert Plant (vocalista): Eu sempre vou fazer coisas assim. Abrir para o Lenny Kravitz foi uma enorme e burlesca demosntração antiego porque, de alguma forma, ele nos usou muito como inspiração.

Jimmy Page (guitarrista): Inspiração é uma forma simpática de dizer.

Plant: E ele sabia! E eu sabia. E todo mundo na equipe, na banda e na plateia sabia. Ele ficava encantado se eu quisesse lhe contar uma história. Ou perguntava se eu podia lhe arrumar um dos meus Landlubbers, que eram uns jeans velhos com bolsos e boca de sino. Ele está tocando a música que verdadeiramente gosta de tocar, e faz um ótimo trabalho, sabe, mas a originalidade é muito questionável.

LENNY KRAVITZ
Imagino que as pessoas sempre pensem que seus riffs vêm de outro lugar.
Não tem problema. Quantos riffs existem? Daria para dizer que todo riff parece com outra coisa.

Talvez, mas alguns riffs parecem mais com riffs do passado do que outros.
Não é nada de mais, sério.

Então você acha que a introdução dessa música não parece nem um pouco com “Living loving maid” [do Led Zeppelin]?
Não. Quer dizer, acho que tem um estilo do Zeppelin. Ah, não sei. Não vamos falar sobre isso.

LADY GAGA
Você parece ter se tornado mais religiosa ou espiritual no último ano.
Tive algumas experiências. Estou muito conectada com minha tia Joanne, e ela não está mais entre nós. E depois aconteceu a cirurgia do meu pai. Além disso, minha vida mudou muito. É difícil não acreditar que Deus estava cuidando de mim quando tive tantos obstáculos com drogas, rejeição e pessoas que não acreditaram em mim. Tem sido uma estrada muito longa e incessante que eu amo, mas é difícil creditar tudo isso a mim. Tenho de acreditar em algo maior do que eu.

Como um poder superior?
É, um poder superior que está cuidando de mim. Às vezes fico muito assustada — ou deveria dizer, petrificada de medo — quando penso em ficar deitada no meu apartamento [em Nova York] sendo picada por percevejos e baratas no chão, espelhos com cocaína em todo canto e sem vontade ou interesse de fazer nada além de compor e me drogar. Então acho que evoluí muito e agradeço aos meus amigos por isso — e tenho Deus.

COURTNEY LOVE
Nossa entrevista deveria ter durado apenas uma hora no escritório da gravadora de Love, a Virgin. Mas em vez disso tinha se transferido e se metamorfoseado em uma entrevista de três dias, durante os quais ficamos trancados em seu loft perto de Chinatown.

O seguinte é o total do dinheiro que Love pediu emprestado durante esse tempo…

— $100 para livros antifraude, embora parte desse dinheiro pareça ter sido gasto em um saquinho de pó branco, que contém talco para bebês, aspirina esmagada ou coisa do tipo. Love explica: “Não acredito que acabei de usar drogas na frente de um jornalista pela primeira vez, e eu nem sei o que eram.”
— $ 20 do táxi para a entrega dos “livros”
— $ 20 para bolo e flocos de arroz de uma delicatessen próxima. Ela fica com o troco.
— $ 20 para pedir comida no Rice.
— $ 18 para cigarros, refrigerantes e doces.
— $ 20 para agulhas de acupuntura, que ela começa a enfiar nas minhas pernas e no meu peito, e tenta inserir na minha cabeça. “Eu faço isso desde que sou nova”, explica ela, enquanto balança a agulha na minha perna direita. Sua autoridade não é contestada até ela começar a tentar enfiar agulhas usadas que caíram no chão.

OASIS
Vocês são a maior banda britânica do momento. Se estivessem tocando nos anos 1960, acha que poderiam competir com os Beatles?
Noel Gallagher (guitarrista): Nos anos 1960? Em que ano estamos, 1995? Se fosse 1965 e tivéssemos acabado de lançar nosso segundo disco, seríamos os reis absolutos do pop mundial. Teriam sido os Beatles, os Rolling Stones, o Oasis e depois o Who. Ninguém mais. Acredito firmemente nisso. Se estivéssemos em 1975, seriam os Sex Pistols e o Oasis. E, se estivéssemos em 1985, seriam os Smiths e o Oasis. Acho que teríamos uma chance em qualquer década. Posso dizer a qualquer integrante de banda de qualquer era: “Escolha sua melhor música. Mostre a melhor música que acha que já escreveu, e eu escolho a minha”. E acho que a melhor das nossas seria superior à melhor das deles.

DJ MARLBORO
O que você acha da violência na pista de dança em algumas das festas?
Eu me sinto como o cara que inventou o avião, e depois ficou decepcionado quando viu aviões serem usados para jogar bombas na Segunda Guerra Mundial. Ainda não está tão ruim, mas tenho medo que fique.

O que você pensou quando viu o primeiro baile de corredor [de briga generalizada]?
Pensei: “Vai dar merda.” É uma energia impossível de interromper. Mas entendo a atração que a violência pode ter: é a maneira de mostrar aos seus amigos que você é forte.

NEIL YOUNG
Então o que o fez decidir dar esta entrevista para promover o disco?
Sabe, só para mostrar que é possível. Simplesmente faça. Não fiz isso no meu último ou no penúltimo disco… ou no anterior a esses. É bom não exagerar.

Depois da entrevista, Young vai para o estacionamento, onde um fotógrafo e um câmera de TV estão esperando por ele. Quando ele se senta lá, sendo colocado em várias posições, vai ficando cada vez mais desconfortável até mostrar o dedo ameaçadoramente na direção da câmera de TV e dizer para o público:
É melhor vocês comprarem a droga do meu disco, idiotas.

ERIC CLAPTON
Quando foi a última vez em que você voltou para o lado sombrio?
Volto todos os dias. Tenho um relacionamento com uma pessoa há bastante tempo, e é cheio de idas e vindas. É bem volátil. E normalmente é culpa minha. Se ouço a crítica de alguém, fico do lado da pessoa. Logo adoto sua forma de pensar. E isso não é nem um pouco real. É uma doença que tive durante a vida toda e provavelmente terei até o dia em que morrer. Ela precisa de atenção constante (solta uma risada diabólica). Ela torna a vida uma jornada muitíssimo engraçada e interessante para mim, porque não vejo nada de maneira que os outros veem. Bom, algumas pessoas veem. Algumas pessoas entendem (solta outra risada diabólica).

OZZY OSBOURNE

Já pensou um fazer um livro?
Eu tinha o contrato para um livro há um tempo. Mas tenho que falar com um monte de velhos amigos e pedir para eles reavivarem minha memória. Se tenho um arrependimento é não ter feito um diário, sabe, porque passava o tempo todo drogado.

Então você esqueceu tudo?
Eu me lembro de algumas coisas, mas tem uma porrada de coisas que não me lembro. As pessoas me dizem: “Lembra disso?” E eu respondo: “Ah, porra.”

JON BON JOVI

Pode nomear um astro do rock atual que seja um símbolo sexual maior do que você?
Do rock?

Do rock atual
Atual? Luh luh luh luh luh, me dê meio minuto para pensar. Sheryl Crow?

Eu estava pensando em símbolos sexuais masculinos.

Ah, bom, me deixe pensar. Não penso em homens dessa forma, na verdade. Hmm. Cara, ai, ai. Não sei. O Eddie Vedder ou alguém assim? Não sei mesmo.

Hmm, não sei se ele é um símbolo sexual.

Michael Bolton tem um monte de mulheres…

É, pode ser
Ah, meu Deus, quem é? Tenho de pensar. Eu… eu não sei.

Acho que você já respondeu a minha pergunta.

Então sou eu…

BRUCE SPRINGSTEEN
Que tipo de conselho você daria ao jovem Bruce Springsteen hoje?
Dois. Primeiro, eu lhe diria para encarar o trabalho tanto como a coisa mais séria do mundo quanto como se fosse apenas rock and roll. É preciso manter as duas coisas em mente ao mesmo tempo. Acho que levei muito a sério. E, mesmo que não me arrependa de ter feito isso, acho que em diversos momentos teria sido um pouco mais fácil e menos autoflagelante para mim se eu tivesse me lembrado de que aquilo era apenas rock and roll.

E que conselho o jovem Bruce Springsteen daria a você?
Guitarras mais altas.

***

– Leonardo Vinhas assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell e já escreveu sobre O Rock Argentino Depois De Cromañon (aqui) e sobre o show de Noel Gallagher (aqui)

Leia também:
– Somos os neo-reprimidos?, por Eduardo Fernandes (aqui)
– De volta ao mundo de Rob Fleming, por Marcelo Costa (aqui)

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