por Adriano Costa
Dentro do universo da cultura pop existem algumas obras que ganham status de intocáveis, tanto por conta da crítica quanto, em maior proporção, pela parte do público. Tirando a fração do radicalismo que envolve esse tipo de obra, a questão que geralmente formulo é que se a nova leitura, a nova roupagem, o novo produto, vai agregar algo ao original, vai ser relevante no conjunto final ou um mero processo sem qualidade para gerar lucro usando a marca. Com isso refletido aqui, não costumo gostar muito desse status de intocável mencionado, acredito que a arte não deve ter limites de expressão. Sejam eles quais forem.
Entre esse tipo de obra referenciada, com certeza podemos alocar “Watchmen” de Alan Moore e Dave Gibbons, uma das mais importantes histórias já concebidas no mundo dos quadrinhos. Originalmente lançada nos Estados Unidos na segunda metade dos anos 80 foi responsável por uma mudança de tom no segmento, além de uma leve reviravolta dentro do mercado. Lógico e evidente que para essa mudança ocorrer outros trabalhos foram importantes como “O Cavaleiro das Trevas” de Frank Miller, “Maus” de Art Spielgeman, ou um pouco adiante, já como um produto desses em certa escala, “Sandman” do Neil Gaiman.
Quando durante o ano de 2012, a DC Comics começou a colocar no mercado a série “Antes de Watchmen”, que trata justamente dos personagens imaginados por Alan Moore antes da sua criação, muito se questionou, se brigou e se discutiu sobre a validade do projeto, ainda mais depois do próprio autor não ter aceitado a empreitada. Então, a incumbência de idealizar esse universo pregresso foi para as mãos de artistas conceituados na indústria como J. Michael Straczynski (“Rising Stars”), Brian Azzarello (“100 Balas”, “Coringa”), Darwyn Cooke (“DC: A Nova Fronteira”), Len Wein (“Monstro do Pantâno”) e Eduardo Risso (“100 Balas”), entre outros.
Essa opção foi um belo acerto da DC Comics (coisa rara nos últimos tempos da empresa) e afastou um pouco o receio. O resultado disso podemos acompanhar aqui no decorrer do ano passado em 8 edições que a Panini Comics lançou unindo cada personagem em um volume próprio com todas as revistas. Assim chegaram as bancas novas aventuras do Coruja, Espectral, Rorschach, Dr. Manhattan, Comediante, Ozymandias e mais edições devotadas para o Dollar Bill & Moloch, além dos Minutemen, o grupo dos anos 40 e 50 que deu origem ao Watchmen na versão de Alan Moore, assim como novos contos do Corsário Negro na narrativa paralela.
Em uma empreitada dessa estatura e com várias mentes criativas, é normal que o resultado oscile um pouco e isso não foge a regra em “Antes de Watchmen”. Mesmo com o intuito de interligar as tramas entre si, além de desenvolver temas deixados em aberto originalmente, alguma coisa não sai muito bem vez ou outra, como se pode comprovar nas edições do Coruja e do Comediante. Em outras o resultado é apenas mediano, tais como nos volumes da Espectral, Rorschach e Dollar Bill & Moloch. Porém, já naquelas que circundam os personagens Dr. Manhattan, Ozymandias e os Minutemen, tudo flui muito bem e gera novas nuances para se analisar e levar em consideração.
Ao ler toda a série, logo aparece a pergunta de que se valeu a pena mexer com algo tão bom. A resposta para isso reside basicamente em não analisar “Antes de Watchmen” como uma reinvenção do trabalho anterior (até porque não existe outra temática explorada) e sim como um adicional, um bônus, um adendo a este trabalho. Olhando por esse lado então, pode-se afirmar que sim, que valeu a pena. Percebe-se nos álbuns muito esmero e zelo pela matéria-prima que serve de base e isso não desabona em nada a formidável história concebida por Moore e Gibbons nos anos 80, pelo contrário só faz a enriquecer mais ainda.
– Adriano Mello Costa (siga @coisapop no Twitter) e assina o blog de cultura Coisa Pop
Leia também:
– “Watchmen, o Filme”: Duas décadas depois a história não envelheceu (aqui)
quase comprei algumas dessas edições, por curiosidade, mas no fim, achei que seria errado pois acabei nem lendo o original, que é a obra-prima a ser lida.
mas ótimo texto!
Já eu nem quis saber destas edições por achar que seriam uma droga, mas o texto do Adriano me fez ter curiosidade em ler.