Texto, foto e vídeos por Marcelo Costa
O Lestics alcançou a maturidade. Essa percepção pode ser ouvida nas entrelinhas ou mesmo nos silêncios das seis canções que compõe “Seis”, o sexto lançamento do trio (baixe aqui), álbum que marca a primeira ausência de um dos fundadores e principais compositores da banda, Umberto Serpieri, mas mostra que o som do grupo já estava tão fechado na cabeça dos integrantes que o único caminho que restava ao Lestics era seguir em frente e amadurecer.
Não que esse amadurecimento tenha sido feito a fórceps, muito pelo contrário, e a discografia caprichada da banda é um bom retrato dessa caminhada. Se os dois primeiros discos, “9 Sonhos” e “Les Tics” (ambos de 2007), gravados em home studio por Olavo Rocha (voz e letras) e Umberto exibiam uma despretensão comovente embalada por um repertório brilhante de canções, as coisas realmente começaram a mudar de forma quando o projeto virou real.
Em “Hoje”, de 2009, o projeto de Umberto e Olavo se transformou com a entrada de três integrantes, entre eles, Marcelo Patu, que continua no baixo até hoje ao lado de Marcos ‘Xuxa’ Muela, que assumiu a bateria no disco seguinte, o ótimo “Aos Abutres”, de 2010. Estes dois discos marcam uma guinada na sonoridade da banda, que deixa o folk (de um homem só) que pavimentou o caminho dos dois primeiros álbuns em busca de uma sonoridade de banda.
A mudança soa, guardadas as devidas proporções, como o direcionamento que Jeff Tweedy optou para o Wilco após a saída conturbada de Jay Bennett no meio das gravações de “Yankee Hotel Foxtrot” (2002), muito bem retratada no documentário “I Am Trying to Break Your Heart: A Film About Wilco” (2002), e que só tomou forma com propriedade em “Sky Blue Sky” (2007).
No caso do Lestics, não houve ruptura nem saídas conturbadas (Umberto deixou a banda porque foi morar no interior), mas “Seis” traz essa sensação à tona, e isso ficou ainda mais explicito no show que a banda fez na Serralheira, em São Paulo, marcando o lançamento do álbum para o público. Olavo, Patu e Xuxa subiram ao palco acompanhados de Caio Monfort (guitarra e violão) e, durante a noite, receberam muitos outros convidados.
O repertório da noite, como era de se esperar, privilegiou o disco novo, mas deu acenos para canções de quase todos os álbuns (apenas “9 Sonhos” ficou de fora), rearranjadas. “Luz do Outono”, do segundo álbum, apareceu em formato quarteto enquanto “Desvario”, uma das grandes canções do disco novo, trouxe Leandro Tenório (violoncelo), Bruno de Luna (viola) e Pedro Gobeth (violino) ao palco num arranjo fiel ao álbum, e muito bonito.
Uma das canções preferidas de quem vem ouvindo o novo disco, segundo o vocalista Olavo Rocha, “Um Jeito Especial de Dar Errado” contou com Jimmy Pappon no teclado enquanto Eramir Neto marcou presença tocando sax em “O Começo”, outra do disco novo que soou muito bem ao vivo ao lado “Entre Caracas e Paramaribo”. Além, marcaram presença no set “Plano de Fuga”, “Travessia”, “Dorme Que Passa”, “Vazio”, “O Baile” e “15 Mil Dias”.
O clima da noite era de celebração comedida, afinal a postura calma da banda, os arranjos das novas canções, mais líricos e repletos de detalhes, aliados às letras poéticas de Olavo Rocha, um dos melhores letristas da cena nacional nos últimos anos, convidam mais a reflexão, ao enlevo e ao sonhar do que a transpiração, o que não impediu o público, fiel, de engrossar o coro cantando junto com a banda durante vários momentos.
O Lestics urgente e direto da primeira fase cedeu lugar a uma banda de sonoridade mais calma, ainda que reflexiva, intensa (nos momentos necessários) e repleta de nuances que combinam a perfeição com as letras e o vocal de Olavo, tornando a pouco mais de uma hora de show num momento especial em que a música convence e conquista não por ser difícil, esperta ou diferente, mas por ser absolutamente sincera e grandiosa em sua simplicidade pop.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
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Lestics é foda, banda singular.
Excelente texto! Excelente banda!