por Adriano Costa
“Eu não tinha ideia de que estava fazendo uma revolução. Sabia que o meu trabalho era diferente porque eu queria que fosse diferente, e que estava falando com um leitor totalmente distinto”.
O pequeno texto acima é uma das citações que o escritor Michael Schumacher usa no início do livro “Will Eisner: Um Sonhador Nos Quadrinhos”. De autoria do biografado, a frase diz muito sobre a personalidade de um homem que sempre acreditou no potencial e no alcance da arte que fazia. Lançado lá fora em 2010, “Will Eisner: Um Sonhador Nos Quadrinhos” ganhou edição nacional pelo selo Biblioteca Azul, da Editora Globo, em 2013 e conta tradução de Érico Assis e 410 páginas que passam a limpo toda a vida deste símbolo da nona arte.
Michael Schumacher é um biógrafo que já escreveu obras sobre Allen Ginsberg, Eric Clapton e Francis Coppola, e parece entender muito bem do ofício. Sua escrita é limpa e de fácil acesso, e ele dosa com sabedoria dados históricos e opiniões pessoais. No primeiro caso, os dados – oriundos de uma pesquisa vasta e cuidados – são o eixo que sustenta a narrativa permitindo ao autor um terreno independente para expressar suas opiniões, assim como apresentar a de pessoas do mesmo círculo.
Para a sorte de Schumacher, falar sobre a vida de Will Eisner é um trabalho árduo, mas muito prazeroso. E ele consegue transferir esse prazer perfeitamente ao leitor. Nascido no Brooklyn em Nova York em 1917, Eisner passou pela Grande Depressão na adolescência e isso o moldou para a vida toda. Judeu, sentiu na pele os efeitos da Segunda Guerra Mundial, e sempre combateu nos seus álbuns o antissemitismo. Forçado a ir para a rua muito cedo para ajudar com a renda familiar, sempre foi uma máquina de trabalhar até falecer em janeiro de 2005 aos 87 anos.
Sempre acreditando no potencial da arte que fazia, Will Eisner foi um titã na briga para ver os quadrinhos localizados em livrarias e não somente em bancas, lutando para que a sua arte fosse respeitada e não ridicularizada e para que os quadrinhos fossem tidos como leitura adulta e séria e não somente infantil e engraçada. Assim que teve oportunidade, Eisner montou o próprio estúdio com 20 e poucos anos para gerenciar a produção e os ganhos, como também controlar o fluxo financeiro de um modo geral.
Ele também foi muito criticado posteriormente (e com certa razão) pela mão de ferro com que comandava seus estúdios e pela prática adotada no repasse de créditos para os artistas que trabalhavam com ele. De personalidade afável, mas avesso a críticas ao seu trabalho, Eisner manteve relação cordial com poucos editores. Nos estúdios dele passaram nomes como Bob Kane (criador do Batman), Jack Kirby (o monstro criador do Quarteto Fantástico, Thor, Hulk, Homem de Ferro, Vingadores e tantos outros), Lou Fine e Bob Powell.
Esses primeiros passos da indústria dos quadrinhos são realmente instigantes de se ler. Didático, Schumacher narra um pequeno universo repleto de intrigas, falsidade, traições e desonestidade. Will Eisner começa a galgar espaços maiores quando, no começo dos anos 40, idealiza o personagem que é vinculado a ele até hoje, The Spirit, que passou a ser publicado em suplementos de jornais, alcançando a casa dos milhões de leitores.
O período de maior ostracismo (mas não de trabalho) é pela primeira vez bem abordado. Depois da Segunda Guerra (na qual foi convocado e lutou), o quadrinista optou por montar uma nova empresa e trabalhar para o governo e empresas privadas. Esse período de muito trabalho, mas de pouca criatividade e relevância, foi fundamental para que nos anos 70 se surpreendesse com a novidade das comixs de nomes como Robert Crumb, Art Spielgeman e Gilbert Shelton, e a partir disso impulsionasse a carreira para o patamar que idealizava.
Will Esiner não foi o criador do termo graphic novel, mas definitivamente foi ele que o potencializou. Com histórias pessoais alinhadas a uma arte distinta, potente e comovente criou obras fantásticas como “Um Contrato Com Deus” (1978), “Ao Coração Da Tempestade” (1991), “A Força da Vida” (1988), “Avenida Dropsie” (1995) e “Pequenos Milagres” (2000). Depois dessa retomada de produção para o público em geral, mesmo obras menores tem seu valor, como “Pessoas Invisíveis” (1993) e “Fagin, O Judeu” (2003) – até mesmo as adaptações de clássicos da literatura em um projeto educativo.
Michael Schumacher conduz muito bem a biografia, que é vasta em imagens e fotos, e mesmo ficando clara a sua admiração pelo artista, não deixa de emitir opiniões críticas (ainda que em doses moderadas). Isso fortalece muito o trabalho e faz de “Will Eisner: Um Sonhador Nos Quadrinhos” uma leitura imprescindível para os amantes de quadrinhos. Uma leitura sobre um fundamental e formidável artista e sua crença de que sempre podia fazer mais. É para acabar de ler, correr para a estante e retirar seus trabalhos de lá novamente.
– Adriano Mello Costa (siga @coisapop no Twitter) e assina o blog de cultura Coisa Pop
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