Diário: Constantina na Europa

Em 2013, a banda de rock instrumental Constantina completou 10 anos de carreira, realizando ações comemorativas como o lançamento do single “Colorir” (2013) e shows em Belo Horizonte e São Paulo. Agora em 2014, o grupo lançou, no Brasil e na Inglaterra (pelo selo Dry Cry Records), “Pelicano” (2014), seu sexto álbum de inéditas. O álbum, que conta com quatro faixas gravadas entre 2007 e 2008 e está disponível via streaming e download gratuitos no www.constantina.art.br, representa um resgate da história musical da banda e dá continuidade às comemorações de 10 anos, o que inclui uma turnê europeia, entre 17 de abril e 20 de maio, passando pela Inglaterra, Suíça e Portugal. Entre as apresentações, acontecerão passagens pelo Focus Wales Festival (Wrexham, Reino Unido), e casas de música independente como The Old Queens Head (Londres), Musigbistrot (Berna), Lounge (Lisboa) e Maus Hábitos (Porto). Na estrada pelo Velho Mundo, o Constatina fará um Diário de Viagem, assinado pelo baterista Daniel Nunes, especial para o Scream & Yell.  Bora viajar com a banda:

DIARIO DE VIAGEM #1: BELO HORIZONTE, PARIS e LONDRES

¡Hola Amigos!

Já estamos a alguns dias em terras europeias. Escrevo de Paris neste momento (foto acima), onde ficaremos até semana que vem, partindo para nosso próximo destino, Bruxelas. Saímos do Brasil “(re)carregados” com as inspiradoras trocas que tivemos com a série de concertos #constantinanasala – fizemos dez shows acústicos na casa de quem se inscreveu na campanha e durante os shows passamos o chapéu para quem quisesse contribuir com o valor desejado. Definitivamente, estes encontros foram fundamentais para permanecermos acreditando em nossas escolhas. Aqui me arrisco a dizer que este formato que escolhemos para circular em salas das casas tem sido uma experiência que nos tem feito renovar o contato com nossas melodias e com as pessoas. Acho que é um formato que tem um futuro promissor no sentido de pensarmos formação de público. Existe ali uma potência de trocas incrível! Sentimos que deixamos de ser um acaso na noite das pessoas.

Não precisamos dizer que não é fácil viver num contexto no qual diariamente sentimos as dificuldades do caminhar com uma banda independente brasileira pelo mundo. Mas não estamos aqui para enumerar estes aspectos, mas sim para compartilhar com todos vocês algumas de nossas experiências, nestas, que estão sendo um dos grandes aprendizados vividos coletivamente pelo grupo. Faremos uma série de quatro posts em parceria com o blog Scream & Yell relatando algumas “cabeçadas na parede” e outras descobertas que tivemos a partir dos encontros que tivemos, e teremos, por estas terras.
Antes de tudo, gostaria apenas de falar sobre o processo de planejamento dessa tour.

Em dezembro passado recebemos um convite para participar do festival Focus Wales, que acontece em Wrexham, na região do País de Gales. Batemos o martelo e decidimos embarcar nessa viagem. A partir do convite do festival, começamos um planejamento para circularmos em outros países, e assim poder viver as diversidades do contexto europeu. Decidimos, inicialmente, uma possível rota onde poderíamos mapear casas, festivais e bandas que pudéssemos contatar. Nossa rota ficou em UK, França, Bélgica, Suíça e Portugal. Algumas questões nos direcionaram para essa rota.

O primeiro ponto foi o fato de termos estabelecido melhores diálogos. São lugares que, de alguma forma, já tínhamos conhecidos e/ou parcerias, e lugares que abriram portas para artistas independentes estrangeiros. Em Portugal tivemos uma resposta muito boa a partir dos contatos que fizemos. Acredito que a língua seja um processo que facilite muito a comunicação, mas não podemos esquecer que tivemos algumas belas palavras escritas por André Gomes, em seu jornal, Bodyspace.net, que fez com que o Constantina já tivesse circulado por uma mídia especializada no país.

O segundo ponto de nossa rota está no fato de tentarmos fazer algo que começasse “lá por cima”, e fosse descendo até Portugal, sendo este, o último destino antes de voltarmos para casa. Digo isso, pois um dos grandes problemas que vimos, logo de início, foi uma grande dificuldade dos concertos independentes bancarem o translado entre cidades/países. Neste sentido, ficar “ziguezagueando” dificultaria nossa busca por uma turnê um pouco mais sustentável.

Em paralelo a todo esse processo de contatar casas, produtores, amigos, artistas e bandas, realizamos a inscrição no edital de intercâmbio do programa Música Minas. A viagem foi possível graças à aprovação no edital e, também, aos nossos fãs através da campanha “Constantina na sua sala” – hoje sentimos a importância fundamental destas duas ações para a sustentabilidade dessa circulação. Bom, após muitos e-mails, reuniões e conversas, chegamos ao resultado de 10 concertos. Alguns com condições bem interessantes para uma banda, que ainda não havia pisado nas terras, e outros não tão legais assim. Embarcamos em todos.

Em grande parte da nossa rota, encontramos, na nossa percepção, um problema para uma banda estrangeira que vem fazer uma turnê. Grandes partes das casas não possuem backline. Por aqui, o costume é das bandas levarem seus próprios equipamentos, tendo a casa apenas o sistema de PA. Bom, para uma banda de fora isso pode ser um problema, porque ela deverá trazer seu backline, ou alugar ou comprar. No nosso caso trouxemos nossos instrumentos básicos, como guitarras, baixo e eletrônicos, dois mini amplificadores de guitarra que cabem numa malinha, pratos e uma caixa de bateria. Nosso sistema de baixo, por muitas vezes não utiliza amplificador. Pré amplificamos o sinal e o “enviamos” diretamente para o PA, junto com a eletrônica. A bateria nós conseguimos em quase todos os shows, ficando apenas em Portugal, a opção de locarmos.

Definido isto, debatemos qual seria o melhor meio de transporte para nossa circulação entre cidades/países. Pesquisando, chegamos à conclusão que entre UK, França, Bélgica, Suíça e dentro de Portugal, a forma mais barata seria alugarmos um carro. Utilizaremos trem no trajeto apenas entre Suíça e Portugal, pois pagar a taxa de devolução do carro num país mais distante não sai barato.

Bom, resumindo acho que foi isso. Chegamos agora no dia do embarque! Viagem super tranquila com imigração feita em Portugal. Nosso destino foi França, primeiro concerto no estilo #constantinanasala. Fizemos o show na sala da casa da Pauline, uma nova amiga da banda. Pauline irá praticamente colocar a casa no chão e reconstruirá uma nova casa, e antes da reforma, ela resolveu fazer um concerto para dar boas vindas ao Constantina! Uma linda experiência para abrir essa série de shows. Ambiente bastante propício para conversas e uma delas foi de extrema importância para o entendimento do contexto local.

Em nossos contatos com casas, pudemos perceber que as bandas que passam pelos clubs tradicionais de rock ou salas de concerto, normalmente precisam alugar as salas para realizar shows. Conversando com um grande amigo, produtor local de uma casa de shows em Paris, ele nos contou um pouco como as bandas e artistas tem se organizado para poder driblar esta política. As bandas e músicos de um mesmo gênero qualquer, como o Dub (dizem que aqui tem muito Dub) têm se organizado como pequenas Oscips, reunindo forças para realizar concertos coletivos, alugando casas e organizando festas e/ou shows coletivos. Como aqui na França a verba para cultura é super bem distribuída, segundo eles, entenderam que ao se organizarem como Oscips eles podem potencializar suas produções dos artistas locais.

Alguns dias depois, partimos para Londres. Linda paisagem até chegarmos no Eurotunnel. Sinalização impecável! Tudo perfeito! Chegando em Londres com uma GIGANTESCA dificuldade. Onde estacionar o carro??? Nossa… algumas horas depois… pudemos entender que tinham garagens 24 horas próximas de onde estávamos hospedados. Uma dica: pense duas vezes antes de se fazer uma viagem de carro a Londres. É uma cidade feita para se deslocar com transportes públicos e bicicleta. O que é ótimo! : )

Adoramos Londres! Cidade incrível! Visitamos o Tate Modern. Incrível, museu de arte moderna e contemporânea. Se forem a Londres, com certeza invistam um tempo para visitar as galerias desse museu. Vale a pena! : ) Nosso concerto na cidade foi realizado em parceira com o selo que lançou nossos últimos dois discos pela Europa, Dry Cry Records. Tocamos num pub super legal chamado The Old Queens Head. Pub tradicional de Londres, nos fez lembrar os Pubs americanos, em NYC, com dois ambientes, um para DJ’s e outro para bandas.

Londres (foto acima), assim como NYC , nos pareceu estar mais aberta e sensível ao mainstream. Pudemos conversar com Richard, diretor da Dry Cry, e ele nos falou sobre a dificuldade que o selo encontra para mobilizar um público que se atente a música independente local. Sentimos que ali, o que escrevemos um pouco acima, há um desgaste do “modelo” pub. Ainda sim, tivemos uma recepção interessante. Ao fim da terceira música, percebemos uma galera que começava a se desprender dançando, se divertindo com nossos ritmos e melodias. Os ritmos quando saem do tradicionalismo do rock e caminham para o universo mais “xacoalhado”, faz mexer algo dentro das pessoas. Isso foi gostoso. Fez valer a noite!!

Fomos a última banda a se apresentar na noite. Logo em seguida ao show, colocamos os equipamentos no carro e emendamos madrugada a fora na estrada a caminho de Wrexham, o próximo destino…

Saravá e em breve mais algumas palavras…
Gracias e abraços dos Constantinos

DIARIO DE VIAGEM #2: PAÍS DE GALES, FOCUS WALES FESTIVAL, PARIS

Dymuniadau gorau Wales!

Após terminar nosso show em Londres, seguimos viagem direto para o País de Gales, rumo a Wrexham, e chegamos por volta das 5 horas da manhã. Cansados, fomos surpreendidos pelo atendente do hotel que conseguiu, através de uma ginástica, quartos antes do horário do check in. Não lembramos o nome dele, pois era em galês, mas as conversas, risadas e simpatia ficarão para sempre com a gente!

Já no dia seguinte fizemos o check in no festival. Wrexham é uma pequenina cidade na região de Wales e o festival, há quatro anos, movimenta o lugar de uma forma muito interessante. O Focus Wales Festival me pareceu ter a mesma estrutura do SXSW (EUA), ocupando igrejas, galerias de arte, pubs e praças com shows durante o dia inteiro e apresentações de muitos artistas locais e vários estrangeiros. Logo, o festival tem um papel político-cultural importantíssimo para a região. Para mim, existe uma safra de festivais de música independentes espalhados pelo mundo que foram baseados no modelo do SXSW.

Conversamos com várias pessoas que nos disseram viajar horas só para estar ali. Percebemos uma potência em fomentar a produção local, criando redes, através das conexões que são feitas por lá, e um grande papel em formação de público local. Percebemos isso através do circuito de painéis que são oferecidos pelo festival durante os seus quatro dias. Outra coisa a dizer é que toda a equipe de produção é super competente e muito receptível. Desde o check in até o momento do show, não tivemos problema algum. O que sentimos de Warexham é que por lá encontramos pessoas do bem.

Foi possível conhecer alguns artistas locais com os quais fizemos amizades. Uma excelente pianista chamada Jess Hall foi uma das grandes surpresas. Jess se apresentou ao lado de Noel Doak com uma performance impactante, além de uma voz linda e forte. Noel é um multi instrumentista que “loopa” quase tudo que está no palco em tempo real. Incrível a dinâmica do duo ao vivo.

Chegado o dia do show, tocamos em uma galeria que parece estar desativada. Um mega espaço aberto, super legal para concertos. Palco no chão. Pessoas ao chão. Um clima gostoso. Fizemos o concerto na festa de encerramento do festival em que reuniram todos os artistas, produtores e público que ainda estavam por lá. Dividimos a noite com mais duas bandas locais: The Echo & The Always, um rock super bem feito com direito a guitarras, synths e trompetes; e o We Are Animal, banda local de destaque na cena. Excelente rock, forte, com percussões muito bem elaboradas e super bem tocado.

Nosso concerto nesse dia foi um daqueles que nos faz lembrar o porquê de ainda continuar caminhando com este projeto, uma troca forte de energia no palco! Por um momento o salão esteve tomado por nossas sonoridades, e o que víamos do “palco” era só sorrisos e ouvidos atentos. Como tínhamos um set relativamente curto, fizemos uma escolha TÁ TUM TUM PISHHHHH!!!! Risos!!!! Após o show, muitas pessoas se aproximaram querendo comprar discos e conversar sobre nossa música. Foi uma experiência renovadora!!

O legal de Wrexham é que lá você não precisa de carro para ir e voltar aos lugares. Fizemos uma volta bem gostosa para o hotel, carregando todos os equipamentos e com um bom sorriso no rosto. Um sorriso daqueles que, como diria nosso grande amigo e irmão Victor de Almeida: “a música independente só existe porque existe amor de quem faz por ela!”. Algo mais ou menos por aí. Ali pudemos sentir o quanto isso faz sentido.

No dia seguinte, voltamos para Paris, nosso ponto de apoio da tour. Chegando ao Eurotunnel, tivemos um atraso de 2 horas para embarcar, resultando em um pequeno problema para devolver o carro. Decidimos correr para pegar a locadora ainda aberta, e por conta disso, não reabastecemos o carro. Tivemos que pagar uma multa relativamente alta por um atraso de 15 minutos. Fazer o que né!? Quase que uma cena de filme, chegando à garagem e a luz se apagando. Coloca na conta do Constantina! – como costumamos falar em relação aos gastos com a banda. Risos! Fica para o aprendizado coletivo.

Já em Paris, acho que será a cidade que mais aproveitaremos da tour. Pudemos visitar muita coisa. Visitei o Grand Palais, com uma exposição do artista Bill Viola, um performer e videoartista que possui uma trajetória incrível com belos trabalhos! Passei 7 horas para conseguir ver toda a exposição. Visitei também o Palais de Tokyo, onde assisti a um concerto de música eletroacústica, com guitarras e eletrônica. O concerto integra a programação do 14º Festival de Criation Musicale. Pudemos visitar também o Pompidou, com a belíssima exposição do Henri Cartier-Bresson, um mestre da fotografia! Alguns, mais entusiasmados por discos, saíram com algumas belas obras em mãos. “Pink Moon”, de Nick Drake, por enquanto é TOP 1! Risos!

Em breve seguimos viagem para Bruxelas e novas histórias a contar.

Dymuniadau gorau (os melhores desejos em Galês)

DIARIO DE VIAGEM #3: OS SHOWS EM BRUSSELS E BERN

Hola amigos. Como estão?

Escrevo de algum lugar da Espanha que desconheço. Estamos dentro do trem que nos leva para Portugal, nosso último destino antes da volta para casa. Pois bem, vamos dar continuidade aos relatos, que algumas boas surpresas nos foram reservadas na viagem. ; )

No dia 06 partimos para Bélgica, mas, antes de Bruxelas, decidimos conhecer a segunda cidade mais antiga do país, Antuérpia. Uma pequena e pacata cidade famosa por ter um museu dedicado à Moda. Antuérpia me pareceu uma cidade com certa melancolia, acho que pela sua arquitetura e ruelas pouco ocupadas por pessoas. Na tarde seguinte, em Bruxelas, tivemos a honra e prazer de conhecer pessoalmente Valentin, o agente que “bookou” nosso concerto por lá. Valentin é um ótimo anfitrião, e talvez André, baixista da banda, possa falar mais sobre ele, já que ambos são BONS “apreciadores” dos EXCELENTES sucos de cevada. Juntos, puderam degustar alguns dos mais de 2.000 sabores oferecidos pelo Delirium Pub, um tipo de “parque de diversões” para os amantes de cerveja. André, sentado aqui ao meu lado, pediu para deixar uma dica para todos: Mort Subite – Gueuze Tripel! Confia que é bom! ; )

À noite, logo após a passagem de som no Bonnefooi, fomos surpreendidos por escutar algumas palavras em português que entravam pelo café: era Juliana, uma amiga que conhecemos em Florianópolis durante nossa tour com o disco “Colorir”, em 2007. Ao saber de nossa passagem pela vizinhança, ela se deslocou (com alguns amigos da cidade onde estava) para ir ao show. Acho que quando nos deparamos com esse tipo de atitude, assim como várias outras que posso perder de vista em citar, nos diz muito sobre continuar acreditando nos sonhos, mesmo em momentos difíceis.

E por falar em ‘difícil’, vamos começar a pequena lista da noite. Hehehe! Logo na primeira música eu furei a pele da bateria por tocar numa intensidade acima do permitido. Bem no meio do clímax! Sabe aquele gesto musical que vai com “tudo” e chega no “nada”? Poizé, foi assim… cacete de agulha sô! Definitivamente a ilustração do momento. Risos! Fiquei a pensar depois no ocorrido. Deve ter sido uma “traição” para o ouvido de quem estava lá assistindo o show, pois o gesto dizia muito do que as pessoas “poderiam” ouvir. Mas, imaginem…”vejam”…“ouçam”… hahaha!

O show para, procura-se outra pele e… nada. O jeito então foi desmontar o bumbo e girar a pele para uma parte que o batedor não tocasse no furo. Consegui com isso continuar o show numa boa, até a última nota, do último compasso, da última música, quando a pele se rompeu por completo! Mas aí isso já não era mais o foco. O foco passou então para uma nova sonoridade que entrara no contexto (risos!): um pequeno delay que apareceu sem avisar da guitarra do Bruno. Não sabemos ainda o porque, mas o famoso pedal “verde” ficou doidão e, sem estar acionado, começou a processar o som que saía da guitarra em forma de delay infinito, com uma modulação muito louca e esquisita. Mas até que foi massa, porque utilizamos como sonoridade no meio de “Benjamin Guimarães”. ; )

O pós concerto foi massa para vendas de discos e nos rendeu boas conversas sobre a música e a cena européia. Valentin nos disse sobre a dificuldade em agendar um concerto nas casas locais. Explicou rapidamente como funciona o contexto, que acredito ser realidade em vários outros lugares da Europa. Cada club possui uma gama de figuras determinadas chamadas de “bookers”. Estes bookers são uma espécie de “curadores” locais que mantêm os contatos diretamente com as casas de shows, sendo apenas através deles a possibilidade de tocar nestas casas. É muito difícil uma banda conseguir bookar um concerto sem que passe por estes agentes, já que as casas não possuem uma produção e/ou curadoria local para gestão da programação. Resumindo em poucas palavras: a circulação pela Europa se torna muito difícil se você não possui um bom booker, pois conseguir casas e espaços que abram portas diretamente a artistas parece não ser a política muito adotada por aqui.

Dois dias depois seguimos viagem rumo a Bern, Suíça. Depois de sete horas dentro do carro, começamos a ver os primeiros traços de praças, casas, parques e bicicletas pelas ruas. Em Bern há uma quantidade enorme de pais e filhos que andam de bicicleta pela cidade. Muito gostoso de ver as cenas! Chegamos direto ao Musigbistrot para o soundcheck (passagem de som). Fomos recebidos pela produtora, Dragana, de forma incrível. Uma linda casa que possui na sala, um pequeno palco para apresentações musicais. Não é uma casa especializada em um gênero musical, tendo uma programação que passeia entre o rock, jazz e folk. Um lugar para concertos mais intimistas. Conseguimos o contato do Musigbistrot através da esposa de um grande amigo nosso. A forma como a ponte foi realizada nos deu uma abertura legal para negociarmos o show. Mas após nossa passagem por lá, percebemos que esta é a política adotada pelo Musigbistrot, e não uma exceção. O que é lindo!

A gestão e produção possuem um cuidado com os artistas, algo raro de viver por aí. Um respeito bem legal pelo ofício do músico. E nessa energia, o show não poderia ser de outra forma. Fluido. Leve. Gostoso. Foi bem legal fechar os olhos e abrir, vendo os rostos que estavam do lado de fora tomando seus vinhos e conversando distraidamente, acomodados ali dentro, em pé, sentados e atentos ao que ouviam. Para essa noite, o set teve uma atmosfera mais leve, com mais improvisos eletrônicos e alguns pequenos instantes de música livre. Tivemos boas conversas no pós concerto, com músicos locais e pessoas que estavam lá simplesmente pela curiosidade ao desconhecido. Estas surpresas acabaram por alimentar a caminhada dos próximos 900 km que tivemos de percorrer para estar aqui no trem! : )

Vamo que vamo que o próximo capítulo é sobre Portugal!

Saravá!
Constantinos.

DIARIO DE VIAGEM #4: LISBOA, VILA REAL, BRAGANÇA, PORTO

Após 15 horas dentro de um trem, ensaios e muita batata frita para os vegetarianos, aportamos em Lisboa. E em pouco tempo alugamos o carro que nos levaria para todas as cidades de Portugal. De Lisboa, colocamos o pé na estrada rumo a Vila Real, cidade onde fizemos nosso primeiro concerto em terras portuguesas.

Após mais quatro horas na estrada pudemos chegar às ruas de pedra de Vila Real – uma cidade pequenina ao norte de Portugal com uma arquitetura que nos fez lembrar Ouro Preto. Ali já chegamos direto para a passagem de som, onde tocamos em um casarão de 500 anos de idade. O Club Vila Real é uma casa que funciona como um centro cultural para a cidade. Na programação encontramos shows, exposições, exibição de filmes e etc.. Mário, o diretor do clube, nos recebeu juntamente com Nuno, o produtor dos shows de Vila Real e Bragança. Mário é de uma leveza impecável, não perde as boas energias mesmo em casos extremos! Nos sentimos em casa. Nuno é um desses guerreiros que acredita e faz toda sua produção no formato do it yourself.

No dia seguinte partimos para Bragança, cidade próxima a Vila Real, na região chamada Trás dos Montes. Bragança é uma cidade menor que Vila Real e bem bonita. Nuno nos contou sobre as ações que realiza através da produtora Dedos Biônicos. Pudemos jantar juntos e conversar sobre alguns problemas das produções independentes de concertos de música. Cheguei à conclusão que os problemas em Portugal são basicamente os mesmos que vivenciamos no Brasil. Nas pequenas cidades os recursos destinados para cultura não chegam, gerando uma grande dificuldade de mobilizar um público em torno da arte atual independente. Nuno chegou a ser bem pontual em sua colocação, sobre como apenas os grandes centros possuem acesso “facilitado” a estes recursos, e como ações independentes possuem obstáculos de inserção nas mídias locais, resultando em um problema de comunicação. Aliás, este para mim foi um dos grandes problemas que enxerguei em toda nossa trajetória – apesar de termos passado, relativamente, pouco tempo para grandes conclusões.

Para mim, está aí um dos grandes problemas da cena cultural de lá. Não sou um pesquisador e muito menos especialista no assunto, mas me parece que tanto bandas quanto produtoras/produtores não criam laços com suas mídias locais. O processo neste sentido me pareceu ser um pouco fragmentado, não se estabelecendo conexões em redes e/ou laços dentro dessa cadeia produtiva. Percebi também, em alguns concertos, que muitos músicos não criam intercâmbios entre as bandas, realizando o concerto, e logo em seguida, deixando o espaço sem conversas ou trocas. Sinto que no contexto europeu ainda existe a fórmula do showcase como algo que possa dar visibilidade a estas bandas. Para mim, este formato já está mais do que desgastado, pois se pensa em business e não em arte. Muitos artistas se encaixam em um padrão para atender as demandas de “olheiros” e esquecem da espontaneidade. O showcase, para mim, é um sinônimo de cartão de visita para uma gravadora e/ou produtor/booker que possivelmente irá “comprar” esta banda para seu casting. E no meio disso tudo, por muitas vezes, esquecemos do significado da arte, da música. Não estou aqui a criticar as escolhas, respeito todas elas. Meus escritos seguem na direção de tentar traduzir um pouco das experiências e conversas que tivemos.

Em Bragança tocamos no Museu do Abade de Baçal, um prédio com arquitetura linda! Um show mais intimista, com poucas pessoas na plateia, mas com uma interação bem diferente de todas as outras experiências. Perguntas e conversas entre músicas marcaram este concerto. Percebo que ações como essa, desenvolvidas pelo Nuno através da Dedos Biônicos, estão em um plano de ações formativas de público, sendo um pouco diferente de quando estamos tocando num contexto de pub ou Club, como foi descrito em Londres. Mesmo tendo um rendimento financeiro pequeno, acredito muito mais na potência deste tipo de ação, pois ali a proposta proporciona um ambiente de fomento da arte. Uma das coisas que mais escutei pós concerto foi: “Voltem mais vezes!”

No dia seguinte partimos para Lisboa, rumo ao Lounge Club. O Lounge me lembrou muito uma casa que temos em BH chamada ‘A Obra’. Um clube pequenino com uma infra para discotecagem. Não possuem backline para bandas, mas acabou por ficar famoso em oferecer muitos concertos em Lisboa. A casa já possui 15 anos de idade, com programação intensa durante toda a semana. Para esse dia, escolhemos um set mais rítmico e rock, que nos rendeu boas trocas, já que ali não existia palco. Primeiro show que me lembro de pedidos calorosos de “mais uma!”. Como tínhamos estourado o tempo de concerto, o bis com certeza ficou para a próxima!

No dia seguinte… estão percebendo né? Em Portugal tivemos concertos todos os dias, então foi assim: chegar, armar passagem de som, dar uma caminhada pela cidade, voltar e fazer o concerto. Chegamos em Porto. O que dizer de Porto? Acho que guardarei os elogios, desejo a todos que um dia possam conhecê-la! 🙂

Lá realizamos o concerto através da série “Bodyspace Apresenta”. Tocamos no Maus Hábitos, um incrível espaço dedicado a arte contemporânea. Lá acontecem shows, exposições, instalações e afins. Possui também um excelente restaurante dedicado a culinária vegetariana (raro de encontrar por lá). O Maus Hábitos foi um dos melhores lugares onde tivemos suporte técnico para realização do show. O som ficou impecável! Pena que nesta noite o salão esteve com bem menos pessoas que esperávamos. Tem dias que acontece dessa forma. Mas ainda sim, penso que as iniciativas desenvolvidas por André Gomes através do Bodyspace e a série “Bodyspace Apresenta” tem uma potência. Aos poucos este projeto está alcançando os ouvidos atentos, sensibilizando e criando um diálogo interessante com a cena local.

Já em Braga passamos por uma experiência, digamos, “diferente”. Tocamos em um evento chamado “Noite Cool”. Evento que celebrou uma noite sem álcool, inserida no programa “Braga Capital Jovem da Segurança Rodoviária”, alertando a população para os perigos da condução sob o efeito do álcool. TOCA é uma ONG gerida por várias associações culturais que ocupa um cinema desativado dentro de um shopping no centro da cidade. Na programação encontra-se de tudo um pouco: oficinas, shows, palestras, exposições e afins. Um espaço que busca em suas ações solidificar e fomentar a arte contemporânea com a população local. Iniciativa que percebi ainda estar em seu estágio inicial, mas que, se bem estruturada, renderá frutos positivos a cidade.

De volta a Lisboa, dois dias antes de nossa volta para o Brasil, realizamos um concerto “secreto” organizado pelo Sofar Sounds Lisboa. Já em sua segunda edição, o Sofar Lisboa apresenta uma produção impecável! Fomos super bem recebidos pela equipe e com uma estrutura bem legal, fizemos um concerto em formato “Constantina na sua sala” no belíssimo terraço do Sunset Destination Hostel no fim de tarde de frente para o rio Tejo. A tarde teve início com o trio Birds Are Indie, passando pelas belas vozes do duo Golden Slumbers, e fechando com a gente distribuindo percussões para o público. Até cesto de lixo nesta tarde virou instrumento musical em nossas mãos. 🙂

De lá para o dia seguinte, pudemos conhecer um pouco mais das vielas de Lisboa. Uma cidade que possui belos lugares para se conhecer.

Cá de volta, hoje ao terminar o nosso diário, algumas perguntas emergem. Questões que ainda precisam ser (re)pensadas, (re)discutidas para os próximos planos, para as possíveis próximas tours. Há sempre um processo pós-vivências para avaliação do investimento de energia, de tempo e o investimento financeiro. Porque sim, foi um investimento, e a aprovação no Música Minas e as ações para arrecadar fundos foram essenciais para que se concretizasse. Com certeza valeu a pena. Pensando de um modo geral, se era o que esperávamos, iremos dizer que não, e que isso não seja interpretado como ruim, mas com certeza precisaremos de mais um tempo para absorver tudo que pudemos capturar das experiências e trocas depois de um mês na estrada.

Levamos nossa música para lugares que ainda não tínhamos passado, para pessoas que não nos conheciam, apesar de todas as facilidades que sites, streamings e downloads podem proporcionar ao universo da música independente. É uma decisão e investimento importantes para uma banda, claro que respeitando a vontade e as condições de cada uma. É preciso circular, e se relacionar com o público. Já disse aqui e volto ressaltar, a campanha “Constantina na sua sala” pode nos fazer (re)lembrar o porque de ainda continuarmos aqui. O que podemos desde já colocar em palavras é que, de todo processo coletivo vivenciado nesta intensidade, o fica são as pessoas!! Constantina de alguma forma nasceu para cruzar pessoas… pessoas que nos fazem, mesmo em pequenos instantes, sentir a potência de estarmos vivos!

Saravá!

Abraços e obrigado por ter acompanhado nossa trajetória por aqui
Constantinos.

Leia também:
– Constantina: “A música Instrumental esteve por muito tempo marginalizada” (aqui)

One thought on “Diário: Constantina na Europa

  1. Avante, amigos! 😀 Demais este relato!
    O que acho de mais sensacional nestes registros é a divulgação da experimentação, do acerto, do erro e principalmente do resultado… Sábios os que usarão esta importante informação e inspiração.

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