por Leonardo Vinhas
Poucas palavras, breves como uma legenda de foto no Facebook ou um tuíte, e melodias que chegam comodamente aos ouvidos. Ao ler essa descrição, você pensa estar diante de uma banda fugaz, sem paixão, feita para funcionar para um público jovem e mais preocupado com conceitos prontos do que reflexão, mais interessado em ter uma trilha sonora simpática em seus headphones do que em propriamente apreciar música. Mas embora as primeiras palavras caracterizem parte da identidade do El Mató a Un Policía Motorizado, elas não fazem jus à banda. Há um caminho sutil e pessoal que suas canções percorrem até chegarem entre as favoritas tanto do roqueiro empedernido como do mais afetado hipster.
Essa subjetividade é parte do mistério que ajuda a garantir o encantamento que o El Mató exerce sobre um público que não para de crescer, inclusive muito além de sua Argentina natal. Na verdade, as letras – curtas como frases de uma rede social, sem rebuscamento, mas plenas de possibilidades – se relacionam muito bem com as melodias simples, arranjadas de modo a favorecer um sentimento épico à canção como um todo. E assim como a sonoridade começou inspirada em bandas como Weezer e Jesus and Mary Chain e foi ganhando identidade própria, as letras inicialmente eram historinhas cotidianas simpáticas que se mutaram em pequenos poemas – alguns de apenas duas ou três frases – que encontram ressonância emocional imediata no ouvinte, aderindo de maneira irreversível à sua memória afetiva.
O Scream & Yell entrou em contato com Santi Motorizado. Entre esquecimentos de anexos eletrônicos, desencontros internéticos e muito bom humor, foi possível compilar uma conversa que investiga um pouco mais o mistério de “La Dinastía Scorpio”, álbum mais recente do quinteto de La Plata, e ainda permite espaço para outros assuntos.
Este show que vocês estão trazendo a Florianópolis (12/04/2014) será diferente daquele que vocês fizeram em 2013 no teatro do Sesc Belenzinho, em São Paulo? Afinal, aquela apresentação já era parte da turnê do disco “La Dinastia Scorpio”?
Bom, continuamos apresentando nosso último disco, repassando todas as nossas canções, mas o contexto é diferente: aquele foi um show mais intimo e pessoal, enquanto que nos festivais você é parte de todo um evento. É a primeira vez que vamos a Florianópolis e isso motiva muito. Estamos muito gratos aos caras do Floripa Noise por nos convidarem.
Peter Gabriel disse que só começou a entender as letras do disco “The Lamb Lies Down on Braodway” após cantá-las noite após noite em turnê. No site do El Mató, vocês dizem que vão mostrar “novos vídeos e peças que irão revelando lentamente o mistério da Dinastia Scorpio”. Devo supor, então, que o disco tem coisas que mesmo você ainda não entende bem? Ou já estava tudo pensado desde o princípio?
De um lado estão as letras e do outro o conceito pontual de “La Dinastía Scorpio”, que desde o começo tiveram uma relação vaga, mas ainda assim uma relação no final. No princípio não foi nada mais do que querer gerar um mistério, essa aura de uma coisa alegre como em uma premiação [nota: daí a capa do disco], mas em uma zona escura, turva, não confiável. Esse contraste dava o tom ao disco todo e às letras, que ao contrário dos discos anteriores, são mais introspectivas e pessoais. Nossa ideia atual é desenvolver esse conceito de “La Dinastía Scorpio”, mas indo além das letras – talvez não completamente, mas o plano é ampliar o universo: gostamos de vídeos, de cinema, histórias em quadrinhos, ver quais coisas nos inspiram. E bem, “La Dinastía Scorpio” é, sim, um mistério que vai seguir se revelando…
Me parece que o disco tem uma relação muito forte com a morte e a doença, e também com o desejo por saúde e a vontade viver, particularmente em “Mujeres Bellas y Fuertes”, “La Cobra” e “El Fuego que Hemos Construido”.
Sim. Não é literal, mas a morte, o medo e o fim são temas recorrentes. O que se pode fazer com isso ou que imagens saem disso, gostamos de tentar descobrir essa atmosfera.
Você disse que as letras de “La Dinastía Scorpio” são mais pessoais, mas sinto que algumas têm podem soar geracionais, como se estivesse falando por você e por outros – “Más o Menos Bien” tem muito disso. Isso foi intencional, ou mera consequência de você ser parte de uma geração que tem esse sentimento coletivo [entre a apatia e o desejo por mudança]?
Não penso muito nas letras, as coisas saem a partir de uma ideia pontual: eu a rodeio e a descrevo buscando não ser muito óbvio. Muitos se sentiram identificados com “Más o Menos Bien” e isso é ótimo, ela tem esse espírito de brincar entre o otimismo e os maus pensamentos. Ainda assim, acredito que no final das contas é uma canção otimista.
Cantando letras com uma carga tão forte, não é difícil lidar com tantas emoções – as suas, e também das pessoas que estão na plateia – durante os shows?
Na verdade é algo que eu curto. Não analiso tanto [as letras]. Quando cantam nossas canções, nossas letras, e dançamos nossos ritmos é a melhor coisa do mundo, essa conexão é o que nos comunica com o grande espírito, nos alinha com o universo. Em dado momento as letras deixam de ser minhas e passam a ser de todos aqueles que se apropriam delas, que as reinterpretam e as cantam a seu modo.
Outra diferença em “Dinastía Scorpio” é o som como um todo: já não está mais tão punk, tão noise. Há um senso pop mais grandioso, arranjos menos sujos. Isso tem alguma relação com vocês estarem tocando em espaços cada vez maiores?
Talvez ao somar Agustín como tecladista fixo, e por gravar em um estúdio como o Ion, com mais tempo e produção, e com as estruturas das canções, tenhamos atingido uma sonoridade mais prolixa, mais compacta, mais pop. Mas não pensamos em adaptar nosso som ao que exigem certos espaços. Os espaços que se adaptem a nós se quiserem, e se não quiserem, tudo bem.
El Mató é uma das bandas que mais cresceu a partir do underground – continua independente, mas atinge um público cada vez maior. Qual é a “próxima fronteira”, territorial ou criativa, para vocês?
A ideia é continuar explorando sons e músicas dos quais gostamos muito e que ainda não abordamos plenamente. Depois, viajar é algo que amamos desde o começo [da banda]. Na verdade, fomos a lugares aos quais nunca pensamos em ir, muito distantes de nossas casas. Mas… bem, agora sonhamos com mais. Adoraríamos conhecer o Japão, o Leste Europeu, a América Central, os Estados Unidos inteiro. Mas desfrutamos a experiência em qualquer lugar que nos convidem: todos têm sua beleza e sua magia própria e irrepetível.
Sendo assim, tenho que te perguntar o que representa este próximo show em Florianópolis, além de uma ótima oportunidade de ir à praia, claro.
Amamos a praia, temos uma boa coleção de praias de todas as partes, porém nos faltava Florianópolis. Mas o mais importante é voltar ao Brasil, um país que amamos e que sempre nos recebe bem, do qual desfrutamos muito e sempre nos surpreende. Desde 2007, voltamos ao Brasil todos os anos, só em 2012 não pudemos ir e foi um ano muito difícil. Achamos demais que existam festivais como esse (Floripa Noise), dedicados à cultura alternativa e independente, que é algo que ainda é escasso na Argentina, ainda que apareçam tímidamente novas propostas a cada ano.
Para terminar, uma pergunta que não tem a ver a banda… Sei que você foi a um dos cruzeiros do Weezer (nota: não é só o Robertão que faz shows em alto-mar…). Sendo você um grande fã da banda, como foi a experiência?
Acho que foram os cinco melhores dias da minha vida. Tudo saiu perfeito, com amigos, Weezer, Dinosaur Jr, Wavves… Foi incrível, um pouco bizarro e muito intenso, mas adoraria voltar a viver essa experiência algum dia.
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yel
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Alguma data em São Paulo?
Só para agosto, Luciano. Mas ainda não me deram as informações precisas.