por Pedro Salgado, de Lisboa
Quando nos encontramos no Café Royale, em Lisboa, o vocalista e guitarrista Tomás Wallenstein começou a descrever o processo de composição do disco conceitual “Pesar O Sol”, composto em Paredes de Coura, no norte de Portugal, como “tranquilizante, intenso e suscetível de ter influenciado positivamente as canções”. Na realidade, o sucessor de “Gazela”, de 2011, aposta numa vertente mais contemplativa, viajante e psicodélica, em que cada faixa influencia a estrutura dos temas seguintes.
A música do Capitão Fausto continua também a espelhar a sonoridade retro do Tame Impala e do rock progressivo (particularmente nos timbres das teclas). “Escutamos muito Gentle Giant e gostamos de gravar com um equipamento semelhante ao deles, mas é apenas um fetiche”, afirma Tomás. Embora menos frenético do que o trabalho anterior e apoiado no conceito de procura individual do caminho certo, o pop de “Litoral” e o rock viciante de “Célebre Batalha De Formariz” conferem ao álbum um caráter mais heterogêneo.
Contando ainda com Salvador Seabra (baterista), Domingos Coimbra (baixista), Manuel Palha (guitarrista) e Francisco Ferreira (tecladista), o Capitão Fausto já despertou a atenção dos internautas brasileiros por via dos clipes realizados e da dedicação com que trabalham a sua música. “Temos fãs que nos pedem, através do Facebook, para tocar no Brasil”, diz Tomás Wallenstein. “Como são de cidades diferentes não sabemos bem por onde começar (risos)”, conclui o vocalista.
Seguindo o lema de que “partir de repente é melhor que se arrastar”, a banda lisboeta prossegue a sua caminhada de afirmação pessoal. De Lisboa para o Brasil, Tomás Wallenstein conversou com o Scream & Yell sobre o novo trabalho do Capitão Fausto. Confira:
Um aspecto relevante de “Pesar o Sol” é a forma como a banda criou boas cadências dancantes. Será que o Capitão Fausto tem a razão no psicodelismo e o coração na pop?
É uma pergunta interessante. Julgo que existe a vontade de fazermos música com uma certa energia e daí que o formato seja mais dançante. No entanto, em “Pesar O Sol”, fizemos outras escolhas e esse componente só se evidencia em alguns momentos, quando no “Gazela” a pegada pop era mais evidente. Acho que é o resultado daquilo que produzimos e, por isso, aparece nos dois discos. Temos a consciência clara de que fazemos música pop, ou seja, que não é erudita nem tradicional. Não é um gesto premeditado para facilitar o acesso, mas também não fazemos força para dificultar uma aproximação. Estamos receptivos a várias correntes musicais.
Qual é a história associada ao compacto “Maneiras Más”?
A canção fala sobre reflexões soltas e compiladas. São pensamentos muito pessoais e não traduzem nenhuma narrativa concreta. O clipe conta uma história que nós decidimos que se enquadra um pouco no ambiente da faixa, porque está ligada à orientação pessoal e à procura de um caminho. E percebemos que os trajetos que seguimos não nos permitem encontrar um destino imediato. É um pouco a aceitação consciente de que continuamos procurando um lugar. Isso é evidente em “Maneiras Más” como no disco todo – e daí o seu título. A multiplicidade de escolhas, a tentativa e erro, tal como a correção de falhas no percurso pessoal, de uma forma geral, também se aplica ao nosso trabalho musical.
“Quando o país rebentar, eu vou cá estar para ver o país rebentar”. Porque escolheram esta estrofe para encerrar o trabalho?
É uma manifestação sobre o tempo atual de crise econômica, mas é também uma forma de reagir ao que se escuta ultimamente, particularmente o queixume. Acaba por ser um manifesto sobre o fato de nos sentirmos bem em casa (com os nossos pais, cultura, gastronomia e temperatura) e que fazemos questão de morrer em Portugal.
No Brasil, atualmente, bandas como os Boogarins e Plástico Lunar fazem uma sonoridade semelhante ao Capitão Fausto. Qual é o seu conhecimento sobre estes grupos?
Conheço muito bem os Boogarins e gosto de algumas canções do disco “As Plantas Que Curam”. A forma como eles reinterpretam o rock psicodélico d´Os Mutantes agrada-me bastante. Eles são interessantes, porque têm um frescor muito forte e são intensos. Plástico Lunar não conheço, mas fiquei entusiasmado e com vontade de os descobrir. Gostaríamos de fazer uma parceria com os Boogarins, eventualmente fazendo shows com eles no Brasil e em Portugal. É uma ideia que nos agradaria pôr em prática.
O engenheiro de masterização Greg Calbi trabalhou em “Pesar O Sol”. Podemos concluir daí que ambicionam a internacionalização?
O que ambicionamos mesmo foi descobrir de que se trata a masterização e, infelizmente, procurar uma solução que não é oferecida em Portugal. Como o nosso mercado é limitado (não existem estúdios especializados em masterização), pensamos na Inglaterra, nos Estados Unidos e em outros países, porque existe um conhecimento diferente sobre esse processo. Nós recrutamos o trabalho do Greg com base na pesquisa de catálogo e através da música que gostamos de escutar. A masterização não muda o som dos instrumentos, nem muda o equilíbrio de volume sonoro dos mesmos, apenas transforma aquilo tudo numa massa mais nítida. Greg Albi masterizou “Graceland”, de Paul Simon e bandas como Tame Impala ou Flaming Lips, que gostamos bastante, e o trabalho dele com o Capitão Fausto resultou também da nossa procura de novas formas de gravação.
Como gostaria que as pessoas recordassem a atual fase do seu grupo?
Idealmente, gostaríamos que as pessoas nos recordassem sempre. Uma das coisas satisfatórias de fazer arte é sentir que as obras têm a sua vida própria. Estou a gostar muito desta fase da banda e todos sentimos que demos um passo em frente. “Pesar O Sol” teve um grande peso nas nossas vidas durante um ano e meio, porque fizemos regravações e estivemos empenhados nas misturas, gravações de vozes, negociações com editoras e diversos planeamentos. Foi um processo muito pesado e a atual fase é gratificante e libertadora.
– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista, reside em Lisboa e colabora com o Scream & Yell contando novidades da música de Portugal. Veja outras entrevistas de Pedro Salgado aqui
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3 thoughts on “Nova cena portuguesa: Capitão Fausto fala sobre o disco “Pesar o Sol””