por Kaluan Bernardo
Entre os anos 1979 e 1986, São Paulo foi tomada por um movimento cultural único, conhecido como Vanguarda Paulista. E a cena tinha casa e endereço: o Lira Paulistana, um teatro de aproximadamente 400 m² alojado literalmente em um buraco na Rua Teodoro Sampaio, próximo à Praça Benedito Calixto, no bairro de Pinheiros, em São Paulo.
Enquanto o rock brasileiro se popularizava como nunca e se baseava cada vez mais em fórmulas de sucesso comercial, um grupo de artistas experimentava, testava e provocava no Lira Paulistana. O teatro em forma de arena e com capacidade para aproximadamente 2 mil pessoas era um verdadeiro celeiro de ideias. Por lá nasceram e cresceram artistas como Tetê Espíndola, Grupo Rumo, Língua de Trapo, Premeditando o Breque e muitos outros — entre eles, talvez o mais notório: Itamar Assumpção.
Apesar de muitos chamarem a Vanguarda Paulista de cena, não havia uma aproximação estética ali. Cada artista tinha uma proposta e um som diferente. “Qualquer coisa que cheirasse a ideologia, que tivesse uma cor organizada dava um pouco de náusea. Nada disso representava o que vivíamos em sociedade. O maior discurso era o não discurso, para que a criatividade pudesse erguer algo”, relembra Wilson Souto Jr., um dos proprietários do Lira, em entrevista concedida ao jornalista Ricardo Alexandre, e presente no livro “Dias de Luta: O Rock e o Brasil dos Anos 80?.
Essa história toda de contestação, experimentos, música, cinema e teatro foi guardada, e, três décadas depois, ganha espaço em “Lira Paulistana e a Vanguarda Paulista”, documentário de Riba de Castro, que também era sócio do teatro. Naturalmente, Castro tem ao seu dispor um enorme acervo de imagens e histórias do local. Mas, mais do que isso, ele conta com a nostalgia e o carinho de todos que participaram daqueles momentos. Por isso, o documentário começa apresentando sua extensa série de entrevistados, que vão de Arrigo Barnabé a Marcelo Tas, cada um deles lembrando, com brilho nos olhos, a história do Lira Paulistana.
Ao longo do registro fica fácil perceber a importância e o legado daquele cenário. Ele sobrevive em cada loja de instrumentos da Rua Teodoro Sampaio, em São Paulo, na feirinha de discos da Praça Benedito Calixto e, principalmente, no DNA da atual MPB e do Rock nacional. No site do projeto (http://www.vanguardapaulista.com.br/) é possível encontrar um rico acervo com fotos, vídeos e notícias relacionadas ao documentário e seu tema, e, para falar um pouco sobre o filme e relembrar a época, conversamos com o diretor Riba de Castro:
Como e quando veio a ideia de gravar o documentário? Como ela se desenvolveu até de fato começar o projeto?
Com a morte do Itamar, que foi uma grande perda. Comecei a pensar que pessoas como ele e outras, que estavam vivas, mereciam um registro. A primeira ideia foi escrever um livro, que será lançado no segundo semestre de 2014. Depois pensei que todo aquele material daria um documentário.
Você acredita a Vanguarda Paulista estava sendo esquecida ou que ela foi subestimada ao longo do tempo?
Em geral, é preciso que passe um tempo, nunca sabemos quanto, para que as coisas sejam valorizadas. Só mesmo com a perspectiva do passado é que vamos saber o seu verdadeiro valor.
Na sua interpretação, qual é o principal legado que a Vanguarda Paulista deixou?
Eliete Negreiros e Itamar Assumpção
Logo no começo do documentário, vemos que há muitas fontes. Você não deixou nenhuma entrevista de fora? Como foi o desafio de editar o filme juntando tantos relatos?
Tentei envolver o maior número de pessoas no documentário, mas infelizmente não foi possível colocar a todos na montagem final. Alguns aparecem nas sequencias extras, que estão no DVD. Editar foi trabalhoso, mas não difícil. Por ter vivido a história e conhecer todos os personagens, tinha claro o que queria contar e como.
Quais das entrevistas mais te surpreenderam? Há alguma curiosidade a comentar sobre elas?
Todas para mim foram agradáveis surpresas, pois fazia muitos anos, quase 30, que não via a todos os entrevistados. Uma das curiosidades foi ver o Luiz Chagas (guitarrista da Isca de polícia) dando uma canja durante a entrevista acompanhado dos filhos, Tulipa e Gustavo Ruiz.
O filme teve uma estreia em formato interessante, disponível para compra de DVD e aluguel online, ao mesmo tempo em que estava no cinema. Como você chegou a esse conceito? Acredita que disponibilizar o filme pela web prejudicou a relação com os cinemas?
Para chegar a esse conceito basta entender o que está surgindo de possibilidades ao nosso redor. Os tempos são outros, surgiram novas linguagens e plataformas. Não utilizá-las é uma atitude pouco inteligente. Quem gosta de cinema, vai ao cinema e quem não quer ou não pode, tem a possibilidade de ver online ou comprar um DVD por internet. Uma coisa não elimina a outra, apenas cria mais possibilidades.
Você vê hoje algum movimento semelhante à Vanguarda Paulista? Acredita que um novo Lira Paulistana seria possível nas condições de hoje?
Vejo uma nova geração de artistas que tem uma forte relação com tudo aquilo. Costumo chamá-los de “os filhos do Lira” porque a grande maioria são filhos de músicos que passaram por lá. Por exemplo: Anelis Assumpção, filha de Itamar; Luz Marina, filha de Alzira Espíndola; Mariana Aidar, filha de Mario Manga; Tulipa Ruiz, que já citei antes; Camilo Frade e Lia Marques, filhos de componentes do grupo Paranga; André Mourão, filho de Pedro Mourão, do grupo Rumo; Deni Domenico, filho de Guga, do Língua de Trapo; Danilo Moraes, filho de Wandi, do Premê, e outros mais.
– Kaluan Bernardo (@Kaluan_) é jornalista
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