Para o Rafael em junho de 2011…
Quando o assunto é cultura, fala-se muito sobre como o consumo de música, cinema ou literatura mudou. Você acha que a reflexão sobre esses produtos mudou em alguma coisa, com a maior velocidade e acessibilidade que a popularização da internet trouxe¿ Você acha que a velocidade no consumo influenciou, de alguma maneira, na “velocidade” sobre o que se pensa sobre música, atualmente?
Totalmente. A relação das pessoas com os objetos de arte é totalmente diferente hoje em dia. Porém, se é certo ou errado, pior ou melhor, é uma outra reflexão. Temos também que tomar cuidado para não posarmos de nostálgicos e não cairmos na armadilha do “Ah, no meu tempo a relação com a música era diferente” por pura memória afetiva e falta de encaixe no modus operandi atual da indústria cultural. Porém, mudou e muito. E lógico que acaba influenciando a maneira como uma pessoa digere um disco. Antes ela tinha um disco que iria ouvir durante um tempo x. Agora ela tem todos os discos que quiser para ouvir nesse mesmo tempo x.
E o surgimento de novos espaços de discussão, como fóruns eletrônicos e blogs (que dispensam editores e limites de caracteres), em que eles mudaram o modo de discutir música no Brasil e no Mundo?
A coisa toda ficou mais direta, sem mediação. Isso possibilitou o surgimento de muitas coisas legais, mas também nivelou a discussão por baixo em outros casos. No entanto acredito que o saldo final é positivo. As pessoas acabaram descobrindo pares, pessoas que pensam e gostam das mesmas coisas que ela. E isso é um primeiro passo interessante.
Esse aspecto direto pode fazer com que a crítica seja menos “especializada”, no sentido de se aproximar mais do fã de música?
Depende do que entendermos como crítica especializada, pois se existe alguém especialista sobre um artista, este alguém é o fã. Se ele não for cego – como a maioria dos fãs são – a chance de ele fazer uma grande crítica muito melhor do que qualquer outra pessoa. Um médico que tenho um bom texto naturalmente pode escrever um texto melhor que um jornalista que cobre medicina, por exemplo. Acredito muito nisso.
Numa entrevista com o “blogdobracin”, você disse que, no início do Scream & Yell já havia “uma necessidade de escrever devido aos veículos que eu acompanhava (Ilustrada, Bizz) não estarem trazendo nada de novo. Então foi algo: ‘Se eles não falam das bandas que deveriam ser faladas, a gente fala’” A internet, no que diz respeito à crítica, também desempenha um espaço “alternativo” ao tipo de crítica associado a veículos tradicionais? Por que?
O espaço alternativo, via de regra, não precisa se preocupar com o anunciante, a gravadora ou uma produtora, e muitas vezes um grande veículo tem que lidar com isso, pois eles são anunciantes, e a coisa toda só funciona porque dá lucro, ou seja, ninguém vai fazer jornal para ter prejuízo. Assim, a relação entre patrocinador e veículo muitas vezes pode contaminar a crítica. Não é algo comum nem frequente, mas acontece. Em um veículo independente a liberdade é total (e o dinheiro quase sempre não existe).
Além da ausência dessa contaminação, em que um espaço mais “livre” influencia na crítica? É possível que essa crítica seja mais descompromissada? Se sim (ou não), como isso transparece nos textos?
A liberdade é uma faca de dois gumes. Então é possível sim que a crítica seja mais descompromissada porque a pessoa está escrevendo aquilo por vontade própria – ou outra coisa que o mova – e não para tapar um buraco dentro de um caderno de jornal. O modo de identificar isso é percebendo quanto tempo a argumentação (pró ou contra) se sustenta. Em um bom texto, a argumentação está presente em todas as linhas do começo ao fim (mesmo quando a frase está ambientando uma ideia).
O Scream & Yell começou num momento em que as possibilidades de “qualquer um escrever sobre música” ainda eram muito novas. O que você acha que mudou, nesse período¿
Começou a pintar muita gente legal escrevendo sobre música, e isso só pode melhorar o cenário todo. Se antes era tudo muito novo, agora qualquer pessoa domina a ferramenta de um blog, consegue ouvir um disco com facilidade e só precisa gastar neurônio para tentar decodificar aquela obra. Ou seja, felizmente aumentou a concorrência.
Você diz que o surgimento de mais gente escrevendo sobre música pode melhora o cenário todo. Em que sentido?
Quanto mais pessoas escrevendo, mais pessoas vão ler. Porque naturalmente todo mundo tem um círculo de amizades que acaba sendo envolvido por este projeto, que acaba se cruzando com os outros e… nasce uma cena ou algo bem legal. Quanto comecei eu tinha lá outros sites amigos que nem existem mais (Quadradinho, Pastilhas Coloridas – o Urbanaque continua firme e forte), mas de repente surgiram sites novos como o Move That Jukebox! e o Rock’n Beats (para citar dois) que estão fazendo muitas coisas legais. Isso só tem a acrescentar.
E com um número maior de opiniões e análises, a crítica ainda é capaz de estabelecer algum tipo parâmetro ou cânone?
O Metacritic está ai para exemplificar que isso é possível.
A seção de comentários, no Scream & Yell, desempenha um papel muito importante. A existência de comunidades como a da Bizz, no Orkut, também desempenha um papel importante no que se discute sobre música no país. Em que essas discussões, possibilitadas por redes sociais, fóruns de discussão e seções de comentários influenciam no trabalho de um crítico?
Elas não deveriam influenciar em nada. O crítico que escreve pensando na resposta do leitor (ou seja, na polêmica) está usando um artifício batido, que até funciona ainda hoje, mas me soa baixo. Tudo bem que você não pode deixar o leitor passível. O crítico tem que conquista-lo. No mais, uma boa discussão sempre aponta novos caminhos para as ideias.
Como você vê o papel do crítico de música, num contexto em que ouvir o disco antes mesmo que qualquer coisa seja escrita sobre ele é um fato corriqueiro¿ Por que essa reflexão (e essa opinião) ainda se faz necessária?
Porque a crítica ainda tem a obsessão de entender o mundo. A pessoa que compra o disco ou baixa está seguindo um impulso cultural, de entretenimento, de passatempo. O crítico deve ir um pouco além. Ele precisa entender o que aquele objeto de arte que foi consumido pela pessoa representa em nosso cotidiano histórico, econômico e político. Toda arte está inserida no momento histórico em que ela é criada. Assim é possível observar os movimentos sociais do mundo observando como as pessoas consomem cultura. Crítica é muito mais uma análise sociológica do que cultural. Por isso ainda é necessária, pois a humanidade vive entrando em vielas escuras.
Essa é pessoal, mas diz um pouco do que leva alguém a escrever uma crítica. O que te faz escrever sobre música?O que te leva a escrever (para o bem ou para o mal) sobre um disco? Quais são os nortes que te guiam, quando é hora de escrever o texto? A que o texto (e você, como autor da resenha ou da crítica ou do que quer que se chame um texto que realize uma reflexão de um disco, como o que você fez sobre o The Suburbs) se propõe?
Tentar entender o mundo. Um disco é um quadro que um artista desenhou, e de certa forma este quadro está recheado de detalhes, de signos, de códigos que permitem ao crítico visualizar as mudanças culturais pela qual o mundo está passando. No caso da resenha que você citou, minha busca ali é entender o motivo que fez o autor e o grupo comporem aquelas canções, e o respaldo que ele recebeu da sociedade. Buscar esse entendimento é fundamental.
Por fim, o que seria uma resenha “perfeita” pra você?
A resenha perfeita é aquela que faz o leitor perceber algo que ele não tinha entendido, faz ele refletir o disco que ouve. Pensar é nosso maior dom.