Discos do Ano #07
“Dream River”: Um disco sobre pequenas coisas
por João Vitor Medeiros aka Indie da Deprê
Artista – Bill Callahan
Álbum – “Dream River”
Lançamento – 17/09/2013
Selo – Drag City
Paciência é uma virtude. Não me lembro da primeira vez que tive contato com essa expressão, mas ela me acompanha há um bom tempo, principalmente desde que saí do pacato interior de Minas Gerais pra tentar ganhar a vida na monstruosa e colossal São Paulo. Vivendo aqui, ser paciente tornou-se fundamental. São tantas pessoas, tantos carros, tanto barulho e tantas solidões se locomovendo ao mesmo tempo que os choques diários, de matéria ou de ideias, são inevitáveis. Isso não impede, porém, que eu seja completamente apaixonado pela capital paulista em uma espécie de Síndrome de Estocolmo, na qual mesmo vilipendiado diariamente pelas mazelas da maior metrópole brasileira, meu apreço por ela só aumente.
Paciente é também Bill Callahan. Com mais de 20 anos de carreira, iniciados nos anos 90 sob a alcunha de Smog e com gravações caseiras e lo-fi, o compositor nunca ultrapassou a barreira do underground, mesmo tendo cedido composições para a trilha de filmes como “Alta Fidelidade” (“Cold Old Blooded”) ou discos de outros artistas, como Cat Power (“Bathysphere” e “Red Apples”). O norte-americano trabalhou também com o famoso produtor Jim O’Rourke, um dos nomes mais conhecidos da cena de música experimental de Chicago e com John McEntire, membro do Tortoise.
Desde 2007, contudo, Callahan abdicou do pseudônimo e passou a assinar seus álbuns com o próprio nome. “Dream River”, seu mais recente trabalho, é o quarto lançamento desde a mudança e é um disco curto, com apenas oito faixas e 40 minutos de duração. Nenhuma composição ali é urgente, nenhuma música é explosiva. Todas elas são cuidadosamente trabalhadas e vão crescendo ou se transformando gradativamente. Poderia eu dizer, por mero artifício narrativo, que Bill abusa no número de instrumentos usados nas músicas, mas isso poderia denotar que houve um excesso quando, na verdade, cada linha melódica, cada timbre parece ter sido amplamente pensado e está no lugar certo.
Tudo aqui é preso a sutilezas. “Javelin Unlanding” é trilha perfeita para os adeptos da mais intimistas das danças e começa com a voz grave de Callahan sobre o acordes cadenciados de uma guitarra levemente distorcida, acompanhada por uma percussão despretensiosamente cadenciada junto a atmosfera proporcionada por uma, acreditem, flauta. Quando o ouvinte menos espera, o riff se acelera e a percussão busca novos tons e terrenos num ritmo delicioso.
Outro destaque fica por conta de “Ride My Arrow”, que começa com os versos “I don’t ever want to die…” sobre longos acordes de guitarra e que logo ganham a companhia de outros instrumentos, guiados pelo barítono de Bill. Ele parece querer contar um segredo, algo escondido nas entrelinhas, algo que seja tão pessoal que só possa estar nos mínimos detalhes.
Liricamente o artista segue a tradição que tem grandes expoentes, como Leonard Cohen, ao falar de coisas cotidianas em metáforas ao mesmo tempo simples e brilhantes. A linda balada romântica “Small Planes” é, não só minha preferida do álbum, como digna da tradição do gênio canadense. Nela, Bill sussurra várias vezes “I really am a lucky man” e não há euforia nem desespero. Há apenas a nostalgia dolorida, gostosa e gratificante de dividir o dia a dia com alguém que faça o dia valer a pena, e como isso é percebido nas pequenas coisas.
“Dream River” é, no final, isso: um disco sobre pequenas coisas. Um exercício na eterna busca pela paciência, consumida diariamente, principalmente na sociedade efêmera e imediatista em que vivemos hoje. É um convite para prestarmos atenção no que nos rodeia e como dialogamos diariamente com o mundo em que vivemos. Mesmo em esferas diminutas. É sobre o presente. Sobre agora. Sobre a parte da vida que não é grandiosamente digna de ir às redes sociais. Sobre ser feliz em São Paulo às seis da tarde.
– João Vitor Medeiros é o responsável pelo twitter Indie da Deprê (@indiedadepre) e escreve no coletivo de blogs independentes Catárticos: http://www.catarticos.com.br/
Semanalmente teremos um convidado no Scream & Yell escrevendo sobre o disco do ano
Especial Melhores de 2013:
– Disco do Ano #1: “Fade”, do Yo La Tengo, por Cristiano Castilho (aqui)
– Disco do Ano #2: “Random Access Memories”, do Daft Punk, por Rodrigo Levino (aqui)
– Disco do Ano #3: “…Like Clockwork”, do QOTSA, por Mariana Tramontina (aqui)
– Disco do Ano #4: “Shaking the Habitual”, do The Knife, por Tiago Ferreira (aqui)
– Disco do Ano #5: “The Next Day”, de David Bowie, por Carol Nogueira (aqui)
– Disco do Ano #6: “Nocturama”, de Nick Cave & The Bad Seeds, por Gabriel Innocentini (aqui)
– Disco do Ano #8: “Foi No Mês Que Vem”, de Vitor Ramil, por Thiago Pereira (aqui)
– Disco do Ano #9: “Tooth & Nail”, de Billy Bragg, por Giancarlo Rufatto (aqui)
– Disco do Ano #10: “13?, do Black Sabbath, por Marcos Bragatto (aqui)
– Disco do Ano #11: “Estado de Nuvem”, de Bruno Souto, por José Flávio Júnior (aqui)
Um dos melhores discos do ano, sem dúvidas.
Belo texto, João.