por Juliana Torres
Existem duas formas de enxergar o “In Utero”, último disco de estúdio do Nirvana. Ele pode ser visto como uma obra de arte e uma grande conquista para a banda de Seattle, ou um registro – caro e polêmico – de épocas sombrias para Kurt, Krist e Dave. O isolamento cada vez mais intenso de Cobain e seu vício em heroína causando mudanças cada vez mais profundas em sua personalidade fizeram de “In Utero”, disco que comemora 20 anos de lançamento em 2013, um recorte perturbador da instabilidade da banda, que chegaria ao fim sete meses depois, com o suicídio do vocalista. A natureza genuína, o distanciamento da realidade e a ansiedade de Kurt Cobain talvez sejam os principais ingredientes que tornam esse álbum uma autobiografia da banda.
O Nirvana, que era a maior banda do mundo em 1993, ainda passa por questionamentos que envolvem questões como sua liberdade criativa – já que em “Nevermind” e “In Utero” a banda teve que abrir mãos de algumas mixagens, letras e masterizações originais para alegrar os ouvidos da gravadora –, o temperamento de Kurt Cobain e a adaptação de singles para tornar os discos mais comerciais. Há quem não leve o Nirvana a sério. A grande verdade é que a partir do ano que vem eles podem – e provavelmente irão – entrar no Rock’n Roll Hall of Fame, já que lançaram seu primeiro single, “Love Buzz”, em 1988, completando 25 anos em 2014. Outra verdade é que 20 anos depois, mesmo sendo um retalho do que realmente foi gravado naquele estúdio em Cannon Falls, Minnesota, “In Utero” segue como o mais sincero registro da banda que mudou o punk e a música alternativa para sempre.
E para honrar a obra de arte criada por Kurt, Krist, Dave e Steve Albini durante aquele inverno de 1993, a “In Utero Deluxe Edition” é um tesouro com 3 discos e 60 músicas incluindo versões nunca lançadas reunindo ensaios, B-sides, demos, performances ao vivo e, talvez a mais aguardada entre todas as jóias do tesouro, uma música inédita instrumental chamada “Forgotten Tune”. No primeiro disco estará a versão original mixada por Albini no Pachyderm Studio. Isso não é novidade. Os dois primeiros singles do disco “Heart-Shaped Box” e “All Apologies” foram as faixas mais alteradas na nova mixagem encomendada a Scott Litt (que na época era “o quinto R.E.M.”, responsável pela produção de discos como “Automatic for the People”, “Green”, “Out of Time”) pela Geffen Records, insatisfeita com o trabalho de Steve Albini. Kurt, obviamente, nunca gostou da perfeição da nova mixagem, embora na época ele mesmo tivesse dúvidas sobre a real força do álbum. Além disso, estão neste disco b-sides e músicas não lançadas pela banda como “Moist Vagina”, “I Hate Myself and I Want to Die” e “Marigold”, primeira participação de Dave Grohl no vocal da banda.
No segundo disco, “In Utero” ganha uma nova mixagem, feita este ano inteiramente no estúdio Abbey Road, em Londres, novamente por Steve Albini. Em faixas como “Heart-Shaped Box” ouvimos dois Kurts e o trabalho fica entre a mixagem original de 93 e o trabalho de Litt com a versão final da música. “All Apologies”, outro single completamente alterados das duas versões anteriores, ganha um tom folk com a linha de guitarra mais calma e o baixo em segundo plano. Havia uma expectativa sobre o que Albini a partir daquilo que foi gravado em 93, algumas pessoas esperavam uma versão mais pesada e seca do disco, se aproximando do trabalho realizado inicialmente. Ao contrário disso, Steve criou algo que, muito provavelmente, teria sido aprovado pela Geffen, se fosse mostrada à gravadora aquela época.
Neste mesmo disco também está “Forgotten Tune”, a música instrumental de 2:05 encontrada por Krist e Dave em arquivos pessoais. A faixa volta à afinação suja de “Bleach”, justamente porque foi criada cinco anos antes do início das gravações do “In Utero” . Logo em seguida ouvimos a faixa intitulada “Jam”, uma Jam session gravada em 25 de outubro de 1992, no World of Mouth Productions, em Seattle. As sessões gravadas neste estúdio servirão como o embrião para faixas como “Tourette’s”, “Radio Friendly Unit Shiffer” e “Pennyroyal Tea”. Essas demos gravadas em 92 também estarão disponíveis no segundo disco da box.
No terceiro disco, finalmente teremos uma versão remasterizada do concerto no Seattle’s Pier 48, que se tornou o concerto Live and Loud, lançado em DVD pela MTV. A apresentação é inédita e será vendida a parte do relançamento do disco, podendo ser adquirida avulsa. Na remasterização transformada em DVD, além do show na íntegra com versões de “Drain You”, a canção de amor do Nirvana, o cover “The Man Who Sold the World”, a vanguardista “School” e a que mais remete ao início da vida adulta de Kurt, “About a Girl”, o disco ainda conta com extras como os ensaios de “Very Ape”, “Rape Me”, “Radio Friendly Unit Shifter” e “Pennyroyal Tea”, o clipe original de “Heart-Shaped Box”, com os cortes do diretor, e “Radio Friendly Unit Shifter” ao vivo em Munique, no último show da banda.
A comemoração de aniversário do último suspiro da banda – que começou a ser gravado no Brasil em 1992 tendo Dalmo Belotti como engenheiro de som – será lançada em diversos formatos. Além dos três CDs mais o DVD do “Live and Loud”, o disco terá uma versão com 3 LPs e outra versão digital. Uma carta emocionante de quatro páginas que Steve Albini escreveu para a banda antes de iniciar os trabalhos e as letras das canções escritas à mão por Kurt Cobain selam esse que é um dos maiores relançamentos de discos do rock alternativo.
Na íntegra, a versão de aniversário do In Utero está assim:
CD 1 – Mixagem original do Steve Albini mais B-Sides
1. “Serve The Servants” (Albini mix/original release) – 3:39
2. “Scentless Apprentice” (Albini mix/original release) – 3:47
3. “Heart-Shaped Box” (Litt mix/original release) – 4:41
4. “Rape Me” (Albini mix/original release) – 2:51
5. “Frances Farmer Will Have Her Revenge On Seattle” (Albini mix/original release) – 4:09
6. “Dumb” (Albini mix/original release) – 2:32
7. “Very Ape” (Albini mix/original release) – 1:55
8. “Milk It” (Albini mix/original release) – 3:54
9. “Pennyroyal Tea” (Albini mix/original release) – 3:37
10. “Radio Friendly Unit Shifter” (Albini mix/original release) – 4:51
11. “tourette’s” (Albini mix/original release) – 1:35
12. “All Apologies” (Litt mix/original release) – 3:55
13. “Gallons Of Rubbing Alcohol Flow Through The Strip” (ex-U.S. bonus track) – 7:35
14. “Marigold” (B-side; “Heart Shaped Box) – 2:34
15. “Moist Vagina” (B-side; “All Apologies”) – 3:33
16. “Sappy” – 3:28
17. “I Hate Myself And Want To Die” – 2:59
18. “Pennyroyal Tea” (Litt mix) – 3:36
19. “Heart-Shaped Box” (Albini mix/unreleased) – 4:42
20. “All Apologies” (Albini mix/unreleased) – 3:58
CD 2 – Nova Mixagem de Albini e faixas inéditas
1. “Serve The Servants” (2013 mix) – 3:36
2. “Scentless Apprentice” (2013 mix) – 3:49
3. “Heart-Shaped Box” (2013 mix) – 4:41
4. “Rape Me” (2013 mix) – 2:49
5. “Frances Farmer Will Have Her Revenge On Seattle” (2013 mix) – 4:12
6. “Dumb” (2013 mix) – 2:32
7. “Very Ape” (2013 mix) – 1:57
8. “Milk It” (2013 mix) – 3:56
9. “Pennyroyal Tea” (2013 mix) – 3:32
10. “Radio Friendly Unit Shifter” (2013 mix) – 4:51
11. “tourette’s” (2013 mix) – 1:35
12. “All Apologies (2013 mix) – 3:55
13. “Scentless Apprentice” (Rio demo) – 3:54
14. “Frances Farmer Will Have Her Revenge On Seattle” (Laundry Room demo) – 4:33
15. “Dumb” (Word Of Mouth demo) – 2:39
16. “Very Ape” (Rio demo) — 2:21
17. “Pennyroyal Tea” (Word Of Mouth demo) – 3:31
18. “Radio Friendly Unit Shifter” (Word Of Mouth demo) – 2:40
19. “tourette’s” (Word Of Mouth demo) – 2:14
20. “Marigold” (Upland Studios demo) – 3:25
21. “All Apologies” (Music Source demo) – 4:25
22. “Forgotten Tune” (Rehearsal) – 2:04
23. “Jam” (Word Of Mouth demo) – 5:44
CD 3 – Live & Loud: Live at Pier 48, Seattle, WA – 12/13/93
1. “Radio Friendly Unit Shifter”
2. “Drain You”
3. “Breed”
4. “Serve The Servants”
5. “Rape Me”
6. “Sliver”
7. “Pennyroyal Tea”
8. “Scentless Apprentice”
9. “All Apologies”
10. “Heart-Shaped Box”
11. “Blew”
12. “The Man Who Sold The World”
13. “School”
14. “Come As You Are”
15. “Lithium”
16. “About a Girl”
17. “Endless, Nameless”
DVD – Live & Loud: Live at Pier 48, Seattle, WA – 12/13/93
1. “Radio Friendly Unit Shifter”
2. “Drain You”
3. “Breed”
4. “Serve The Servants”
5. “Rape Me”
6. “Sliver”
7. “Pennyroyal Tea”
8. “Scentless Apprentice”
9. “All Apologies”
10. “Heart-Shaped Box”
11. “Blew”
12. “The Man Who Sold The World”
13. “School”
14. “Come As You Are”
15. “Lithium”
16. “About a Girl”
17. “Endless, Nameless”
EXTRAS:
18. “Very Ape” (Live & Loud Rehearsal)
19. “Radio Friendly Unit Shifter” (Live & Loud Rehearsal)
20. “Rape Me” (Live & Loud Rehearsal) ASSISTA ABAIXO
21. “Pennyroyal Tea” (Live & Loud Rehearsal)
22. “Heart-Shaped Box” (Original Music Video + Director’s Cut)
23. “Rape Me” (Live on “Nulle Part Ailleurs” – Paris, France)
24. “Pennyroyal Tea” (Live on “Nulle Part Ailleurs” – Paris, France) ASSISTA ABAIXO
25. “Drain You” (Live on “Nulle Part Ailleurs” – Paris, France) ASSISTA ABAIXO
26. “Serve The Servants” (Live on “Tunnel” – Rome, Italy) ASSISTA ABAIXO
27. “Radio Friendly Unit Shifter” (Live in Munich, Germany) ASSISTA ABAIXO
28. “My Best Friend’s Girl” (Live in Munich, Germany) ASSISTA ABAIXO
29. “Drain You” (Live in Munich, Germany)
– Juliana Torres (@jukiddo) é jornalista e assina o http://jukiddo.tumblr.com/
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Por mais importante que tenha sido, por tudo que representou, eu não consigo mais ouvir o Nevermind. Soa datado demais, juvenil demais, ao contrário do In Utero, q pra mim continua sendo o grande disco deles. É o que explora melhor batidas, lacunas, trás o timbre de guitarra mais agressivo, mais consoante com a voz de Cobain, e mescla bem o pop com a piração. Numa época em q o indie rock parece convergir pra uma coisa meio eletrônica, meio todo mundo na mesma, um disco como In Utero faz muita falta.
Eu gostei da nova mixagem do Albini. “Serve the Servants” ganhou um novo solo mais distorcido, “Heart-Shaped Box” e “All Apologies” ficaram mais cruas (e não estou certo de que a Geffen aprovaria estas versões como singles, afinal a bateria e a guitarra sobrepõem os vocais de uma forma que soa pouco comercial/radio-friendly) e “Pennyroyal Tea” ganhou aquela guitarra no final (que nem na versão do Scott Litt) sem perder seu peso. Outra que melhorou ligeiramente, com os pratos com volume maior, foi “Frances Farmer Will Have Her Revenge on Seattle” – aliás, minha música favorita do Nirvana.
Dentre as sobras de estúdio, destaque para “Marigold” e “I Hate Myself and Want to Die”.
Kaio, eu sempre quis ouvir Marigold numa versão assim, oficial… se me perguntarem, acho que é “a melhor música do Foo Fighters” hahahaha
Hahahaha, também acho. Se o Dave Grohl tivesse feito mais músicas como “Marigold”, talvez Foo Fighters fosse uma banda melhor.