De São Leopoldo, Siléste

por Cristiano Bastos

Em um momento da música rock em que – praticamente – todas as bandas sonham soar ridiculamente como se fossem filhotes de Los Hermanos (criando um tal “Truste dos Fofinhos”), a banda Siléste, radicada em São Leopoldo, região metropolitana de Porto Alegre, nos restituiu uma perdida fração da selvageria rock.

O rock anda meio que virado num ursinho de pelúcia, bem diferente do bagaceiro “Ted”, aquele do filme. E rock sem bagacêrice tem outro nome: chatice. Especialmente na região Sul do Brasil, Porto Alegre, onde, tirando o popular nativismo, o rock é o ritmo juvenil por excelência.

Uma história calcada e desbravada em guitarras eletrificadas que o Rio Grande do Sul vem empunhando há mais de 60 anos e que, atualmente, tem sido suplantada por bandos de brandos violões, letras chorosas (“Ai, meu amor, você é o sol que não brilha mais no meu quintal. Eu sou a estrela que vai iluminar a sua alma”: essas cantilenas) e corações irremediavelmente melancólicos.

Ninguém mais fala de putaria. Logo a putaria, sem a qual a humanidade não existiria, literalmente. Certo ou errado? Se todos esses “elementos” – que também, oras, integram o repertório daquilo que conhecemos por “rock” – fossem devidamente revestidos por camadas e camadas e camadas de guitarras e mais guitarras, o papo, então, seria outro.

Mas não é o caso, salvo exceções.

Mas é o que a Siléste consegue realizar em seu primeiro e recém-lançado álbum, gravado de forma independente e produzido com a excelência de Andrio Maquenzi, “herói” da finada Superguidis e atual frontman da Medialunas. A frontwoman é a sua esposa, Liege Milk. Os dois bastam-se muito bem, aliás.

Nascida das cinzas da poética-terroristicamente barulhenta Viana Moog, a Siléste sai-se agora com seu primeiro filho. Trata-se de um disco de oito músicas que levam a verve lírica-suja-embriagada de conhaque vagabundo regurgitada pelo vocalista e poeta Everton Cidade, o Cidade.

As influências vão de Oswald de Andrade, cut-up dadaísta, William Burroughs até, claro, no autor capilé Viana Moog, que dava nome à banda, responsável pelo famoso ensaio literário de nome mais do que apropriado: “Heróis da Decadência” (1939). À guisa de explicação, quem nasce em São Leopoldo, informalmente, é chamado “capilé”. Isso por causa de um refrigerante barato que ali era fabricado nos anos 1940, o qual, por sua vez, fazia menção à tribo indígena que naquelas terras habitaram por milênios.

Hoje, há por ali somente arianos-protestantes [quase puros], mas, sim, verdadeiramente trabalhadores. São Leopoldo é um dos grandes pólos-calçadistas brasileiro – ao lado de Novo Hamburgo, município vizinho, apelidada pelos loucos dali de “Nóia”.

Enfim, tudo louco.

Retornando à Siléste, as músicas desse álbum, diz Cidade, foram todas compostas regadas a muito conhaque, seu combustível predileto. Hoje, ele diz que as referências e alusões aumentaram: cinema marginal e poesia concreta, ele acrescenta.

“Simplificando tudo, eu andava num ‘lance Walter Franco’, ouvindo os discos ‘Araçá Azul’ e ‘Joia’, do Caetano. Eu queria chegar em um ponto em que a palavra fosse mínima, como respirar sem esforço. Todavia, todo palavreado requer esforço”, teoriza o compositor, que também junta ao combo lírico o poeta português Mello de Castro – que, conforme Cidade, “o ligou”.

Cidade, aliás, é autor do livro “Santo Pó/P” (MAKBO), também recém saído da prensa. Procure nas melhores bancas, que não é nada-convencional.

A bateria minimalista que se ouve, a la Moe Tucker, fica a cargo de Mádger Barte. As guitarras, que apitam, destilam, corroem, tonitroam acordes distorcidos, são dedilhadas por Cristiano Spaniol e Leonardo Serafini.

“Esse disco surgiu após a minha entrada na Viana Moog. A banda [a Viana] travou. Não conseguíamos mais compor e, então, optamos por fazer essa nova banda. O Cidade já andava desiludido com a música. Tava largando tudo de mão. A vida, tudo, enfim. Quando começamos a tocar juntos – eu, ele e o Cris [o outro guitarrista que era da Viana Moog, com pinta de índio Apache] –, tanto a Siléste como as novas músicas fluíram de cara”.

No começo, a Siléste tentou soar como The Fall. Não havia baixo, diz Serafine, então ficaram só as guitarras: “É música de guitarra”, define. O nome “Siléste”, ele explica, saiu de uma canção da banda noise-psicodélica britânica The Telescopes, chamada “Celeste”.

E como é ter (e sobreviver de) uma banda em São Leopoldo, Cidade?

“Ter uma banda em São Léo, ou ‘São Hell’, como chamamos ardilosamente, é como golpear o próprio ventre e disso fazer um ‘ofício-objetivo’: expandir, transcender farreando, colocar no chão os pés rachados de colonos que somos – em todo chão que possa ser pisado”, filosofa o marginal poeta.
Joy Division, Jesus and Mary Chain, The Fall, Cocteau Twins, Stooges, Echo and the Bunyman, Guided by Voices, Nick Cave, Ride, Slowdive, Sonic Youth, manchesterismo em geral, Wry, Raveonettes, New York Dolls, Johnny Thunders, Dead Boys e até certas “bichices legais” – aceitáveis –, como Morrisey, infundem-se na, por vezes, mui caótica sonoridade da Siléste.

Há grandes momentos de estouro noise no disco – alguns ensurdecedores, que soam como um “estouro de boiada”. Ou melhor, de guitarras. Os nomes da músicas também instigam – o que sempre é importante para uma banda [o que existe de banda cujo os nomes das músicas dão um dó não tá no gibi… É triste]. E o que isso denota? Falta de leitura. Banda que não lê pode até fazer sucesso, como muitas por aí, mas duvido que arrebate corações inteligentes.

Saca alguns nomes da canções: “Deus do Dia”, “Trêntula”, “Jesus Genet”, “Tristerela”, “Agulhas de Carnaval”. Como próprio Cidade diz “A grandiosidade é amiga da mediocridade”. E uma deliciosa mediocridade. A faixa “Anzóis” resume esse palavreado todo. E o disco você pode baixar aqui.

– Cristiano Bastos (@cRISTIANObASTOS) é jornalista e autor do livro “Gauleses Irredutíveis”. Escreve no blog Nova Carne, n’O Esquema: http://oesquema.com.br/novacarne/

3 thoughts on “De São Leopoldo, Siléste

  1. Quem lê o texto do maluco acha que é uma super banda, sonzeira radical no talo. Quem escuta logo percebe que é só mais uma banda meia boca do RS.

  2. “Paulo Diógenes”, meu velho stalker de guerra…Não largou essa vidinha de fracassado comentarista de site, não? Que deprê.

  3. “super banda,sonzeira radical no talo”,,,faz me rir,,,com todo o respeito ,vai escutar Fú fighters,,,hahaha,,Siléste e bom demais,,presta atenção

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