Viagens do Vlad #3
Tempo bom nas areias de Ponta de Pedras
Texto e fotos por Vladimir Cunha
Teoricamente, a praia de Ponta de Pedras fica a menos de uma hora da cidade de Santarém, oeste do Pará. Isso teoricamente. Para chegar até lá é preciso enfrentar uma estrada de terra acidentada, cheia de buracos, bifurcações, subidas e descidas. E sem sinalização nenhuma. Mesmo com uma moradora de Santarém ao volante, conseguimos nos perder três vezes até achar o caminho correto para a praia.
A recompensa veio com a paisagem intocada, o belo visual do Rio Tapajós, o peixe fresco e a cerveja gelada. Ponta de Pedras ainda é um lugar rústico. A mata é fechada e são apenas poucas cabanas e bares à beira da praia.
Charutinho é um dos peixes mais populares da região. Também conhecido como Cachorrinho de Padre, ele é uma espécie de sardinha de água doce, muito comum nessa região do Brasil. Por aqui é servido frito. Geralmente como entrada ou tira-gosto. É tão pequeno que dá para comer inteiro.
O cardápio proposto pelo dono do restaurante não podia ser melhor: charutinho, cerveja gelada e um tambaqui assado com farofa. De todos os peixes amazônicos, o tambaqui é o meu preferido. Mais do que pirarucu ou filhote. O segredo está na simplicidade: sal, limão e cheiro verde. O resto fica por conta do sabor da sua carne, um pouco diferenciado dos outros peixes da região por conter uma quantidade maior de gordura, e da habilidade do cozinheiro em assar o bicho corretamente.
O dono do bar chega com as cervejas e uma bacia de charutinhos fritos. Ele avisa que o tambaqui ainda vai demorar uma hora. Sem problema nenhum. Até porque a comida demorou, mas era excelente. Bobagem é querer que tudo no mundo aconteça com velocidade de McDonald’s da Avenida Paulista na hora do almoço. Nem sempre dá para ser assim. Até porque Ponta de Pedras é um daqueles lugares especiais que te induz a não ter pressa. Não faz sentido vir até aqui para ficar que nem um neurótico reclamando do serviço “lento” ou sofrer porque o sinal do celular não pega. E daí que você não pode entrar no Facebook, checar o WhatsApp ou postar uma foto no Instagram? O barato é aproveitar o tempo bom do verão amazônico (que rola entre os meses de maio e agosto) e tudo o que vem com ele.
Depois do almoço ainda deu tempo de ficar de bobeira pela praia, meio bêbado, pensando nas coisas boas da vida. Aquela hora repleta de calmaria e abstração em que você, homem urbano e boêmio, começa a ter idéias do tipo “vou largar o emprego e vir pra cá montar uma pousada” ou “felizes são esses ribeirinhos, que não tem que agüentar engarrafamento nem poluição”. Tudo cascata, óbvio. Você nunca vai deixar para trás a TV a cabo, a internet, o ar-condicionado e o bar da esquina para brincar de Irmãos Villas Boas e viver do que a natureza resolver lhe dar. Mas, acredite, em lugares como esse, nem que seja por alguns minutos, todas essas fantasias fazem o maior sentido.
Lá pelo meio da tarde resolvemos sair fora para conhecer Alter do Chão, quase uma parada obrigatória para quem vai à Santarém. Uma decepção: malacos ouvindo forró e tecnobrega nas alturas, playboys de jet ski tirando fino dos banhistas e hippies enchendo o saco pedindo dinheiro, maconha, cerveja e comida. Isso quando eles não resolvem sentar do teu lado para tocar “uma do Bob” em troca de gorjeta. E quando entro na água e vejo passar lá longe o infame banana-boat, o meio de transporte preferido do babaca em férias, fico pensando onde é que eu fui meter.
Mas nada é tão ruim que não possa piorar. Alguns minutos depois, uma nuvem de fumaça negra começa a subir de uma das margens do rio. Ela vai se intensificando até cobrir boa parte do céu. A maior pinta de incêndio. Hora de ir embora. Mais tarde, descobrimos que era um dos sets do filme “Tainá” pegando fogo.
Alter do Chão foi uma decepção. Mas não deu nem para ficar realmente puto. Depois do charutinho, do tambaqui, da cerveja e das belas praias, o consenso era que a só a estada em Ponta de Pedras já valeu o dia.
– Vladimir Cunha é jornalista e assina o blog Tudo Jóia, um compêndio de cultura pop, gastronomia e vagabundagem disfarçada de cool hunting. Vlad também é um dos diretores do documentário “Brega S/A” e escreverá sobre viagens e comida no Scream & Yell.
Leia também:
– Viagens do Vlad #1: O Sabor do Peixe, em Tânger, Marrocos (aqui)
– Viagens do Vlad #2: Un Saludo para El Comandante, em Valparaiso, Chile (aqui)
À quem não é do Pará, tomem cuidado para não confundir com o município de Ponta de Pedras, na ilha do Marajó. Eu mesmo, fiquei confuso ao ler o texto , pois não sabia que havia uma praia de mesmo nome nas proximidades do município de Santarém.
Vou incluir esta praia no meu próximo roteiro.