Explosions In The Sky em SP e no Rio

Explosions In The Sky – Comedoria do SESC Belenzinho – 22/05/2013
Por Leonardo Vinhas

Fotos I Hate Flash

Quando eu era professor (vai tempo aí), assisti a uma aula especial do filósofo Mario Sergio Cortella na PUC. Era 2003, e ele já falava do senso de inadequação que temos com o ritmo das mudanças no mundo atual. “Ora”, ele dizia, “as pessoas ficam falando que o mundo está mudando. Mas ele sempre mudou! O que é diferente hoje é a velocidade desta mudança”.

Essa lembrança me veio à cabeça quando o trem da Linha 3 – Vermelha do Metrô cortava velozmente as vias feias daquele confuso entroncamento da Zona Leste paulistana, logo após presenciar o Explosions In The Sky tocar no SESC Belenzinho. Especificamente porque, num primeiro momento, a fórmula da banda de explorar silêncios e longas pausas melódicas (ou melodias pontuadas por acordes esparsos) para depois explodir em catarse instrumental me parecera não funcionar tão bem ao vivo – como se os silêncios não fossem cômodos, como se fosse difícil manter a concentração naqueles momentos em que nada se faz escutar, mas algo se diz.

Havia sido um dia intenso: comunicar uma notícia dolorosa a pessoas queridas, ler inadvertidamente o trecho mais violento do “Desonra” (J. M. Coetzee), redigir cartas que deveriam anunciar o fim de um ciclo de uma vida – e receber o carinho das pessoas que foram destinatárias de tal notícia. Muitos estímulos, e poderiam ter passado batido, conformando um dia como todos os outros, não fosse o Explosions In The Sky lembrar aos 600 presentes que lotaram a Comedoria do SESC Belenzinho que precisamos de tempo. Tempo para ouvir, para ver, e, sobretudo, para sentir.

Quando o guitarrista Munaf Ravani começou o show, anunciou, em bom português, que era um sonho estar tocando no Brasil, e nos convidou a fechar os olhos e sonhar junto com a banda. Seguiu-se “The Only Moment We Were Alone” e o transe poderia ser fácil – salvo raras exceções, o público estava muito mais respeitoso do que aquilo que estamos tristemente acostumados a ver. O som vai se desenrolando, praticamente sem intervalo entre uma faixa e outra, e observa-se muito nitidamente a influência do Mogwai na banda. E observa-se, principalmente, o incômodo do silêncio. Como parece ser difícil, em meio a tanto para-e-explode, manter a concentração nos momentos tranquilos. É como se a catarse nos acostumasse mal, e nem bem uma termina, já queremos a próxima.

Será esse nosso problema? Somos vorazes em nossa velocidade, queremos prazer imediato e nem saber o que foi tal prazer. Poste-se no Facebook, conte-se numa situação onde se possa fazer inveja, e siga para o próximo “momento marcante”. E não tenha intervalos, o silêncio é igual à morte. Assim o mundo parece ter ficado.

“Postcard from 1952”, do disco mais recente, “Take Care, Take Care,Take Care”, vem para matar qualquer possibilidade de reflexão com sua capacidade de arrebatamento. A entrega é difícil, mas a música é forte, e a banda, esta sim, se abandona, dá tudo de si, física e emocionalmente no palco. O baterista Chris Hrasky perde umas batidas apenas nesse momento, mas tem menos a ver com desatenção do que com empolgação.

Intenso, sim. E voltam os silêncios. Você sai para uma cerveja, observa a nuca de uma garota bonita, lembra de relance de uma das muitas pauladas acusadas no dia. À espera de uma nova explosão, começa a achar o show meio lento demais e não se dá conta de que é preciso parar.

O medo de perder o show de Brendan Benson no Cine Jóia força minha saída prematura. Tendo começado com meia hora de atraso, imagino que perco, portanto, a meia hora final do show do EITS – na verdade, descobriria depois que perdi uma única música, “The Moon Is Over”. Penso que já ouvi todos os golpeios pesados de distorção, todos os timbres delicados, que já vi Munaf e Mark Smith ajoelhados, mexendo freneticamente nas pedaleiras ou mesmo desempenhando golpes em seus instrumentos, que já vi o headbanging do baixista Carlos Torres. Penso que já vi e ouvi o que tinha que ver e ouvir, e sigo para a próxima coisa.

Mas…

…no caminho para o Cine Joia, o que perdura não são os “refrões” emocionais, não são as saraivadas guitarreiras, não é a postura de palco vigorosa da banda. Tudo isso foi belo e marcante, mas perdura, de fato, a vontade de se deter um pouco, sentir esse privilégio que foi dado, que é apreciar essa música de rara beleza. Perdura a certeza de que os últimos dias foram intensos demais, e não faria mal ouvir o silêncio para que lições sejam aprendidas e sentimentos sejam liberados. Perdura, por fim, a sensação de que parar é preciso, e que ficar quieto é essencial para que haja música.

O Explosions In The Sky transformou essa necessidade por silêncio em arte. E ao vivo, a experiência é quase espiritual. O mundo está rápido. Mas o céu explode devagar.

Explosions In The Sky – Circo Voador – 26/05/2013
Por Jorge Wagner

Fotos I Hate Flash

Em outubro do ano passado, a banda fluminense Amplexos lançou o disco “A Música da Alma”. Sob forte influência do contato com o guitarrista Oghene Kologbo, a premissa do álbum era, como o próprio nome indicava, explorar a espiritualidade através do som, sem que houvesse, contudo, a necessidade de letras diretamente associadas ao âmbito religioso – embora sempre amarradas a algum viés filosófico. Apesar de tratar-se de bandas sonoramente tão díspares, foi essa expressão, “A Música da Alma”, a que mais me voltava à memória durante a apresentação do Explosions in the Sky no Circo Voador no último domingo de maio.

A entrada do grupo texano no palco com apenas 15 minutos de atraso surpreendeu o público que, acostumado com a pouca pontualidade da casa de show carioca, chegava ainda timidamente, saudado por um Munaf Ravani de voz baixa e português ensaiado: “Feche os olhos e vamos sonhar juntos. (…) Nós somos Explosões no Céu.”

Usados por fãs no dia a dia como trilha sonora para atividades rotineiras (que vão de lavar a louça e aparar a grama até fazer amor, como contou o grupo em uma recente entrevista à Rolling Stone Brasil), os números instrumentais da banda – que se distingue de Mogwai, Sigur Rós e outros nomes do post-rock justamente pela ausência absoluta de passagens vocais – ganham outra dimensão no palco, exigindo dos presentes que mergulhem na ideia de uma música feita para a imaginação. Não importa o quão sóbrio você esteja: é preciso viajar. Semelhante a qualquer experiência que flerte com espiritual – seja acompanhar uma missa em latim, vibrar com tambores africanos ou compartilhar um chá – é preciso desprender as amarras da racionalidade e se permitir ao mergulho em si e ao transe coletivo. E é isso o que se vê ao longo da apresentação, muito mais próxima de um culto do que de um show em si.

A sincronia de movimento de cabeças e corpos que seguiam, como que regidos por um maestro invisível, as belas melodias de guitarras sobrepostas pelas explosões sonoras da fórmula – sempre muito identificável, muito previsível e, ainda assim, bem sucedida – de músicas como “The Only Moment We Were Alone”, “Postcard From 1952”, “The Birth and Death of the Day” e “Your Hand In Mine” desenhava o caráter catártico da apresentação. E se certas cerimônias só fazem sentido para aqueles que comungam da mesma fé, as expressões faciais recorrentes, os olhares quase que hipnotizados e o silêncio respeitoso e incomum que imperava – interrompido, poucas vezes, por palmas e aplausos ocasionais – não deixavam dúvidas sobre o quanto o Circo Voador, durante quase uma hora e meia, esteve parecido com um templo.

Há alguns meses, na abertura de um trabalho acadêmico, citei uma frase de Adélia Prado sobre todo artista ser, querendo ou não, religioso em sua obra, “porque a obra que ele faz remete ao Absoluto, a algo maior”. Apesar de usada para embasar outro contexto (que levava em conta uma série de fatores), essa, tanto quanto “A Música da Alma”, foi outra ideia que me voltou à pauta. Afinal, se as religiões prezam pela elevação do espírito, Explosions in the Sky é religiosa até onde uma banda puramente instrumental consegue ser.

Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.
– Jorge Wagner (siga
@jotablio) é jornalista e colabora com o Scream & Yell desde 2006

Leia também: Três perguntas para o Explosions In The Sky, por Leonardo Vinhas (aqui)

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