Duas cervejas caseiras: Zap e Charlipa

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por Marcelo Costa

Cerveja artesanal ou caseira é a cerveja feita em casa, no conforto do lar, geralmente em quantidades que vão de 6 litros até 50 litros (às vezes mais, raramente menos). Muitas vezes são experimentos para amigos felizardos – e para o próprio mestre-cervejeiro. Na maioria das vezes, porém, é um mergulho em um universo apaixonante que permite uma centena de milhares de resultados. Os alemães, em 1516, criaram a Reinheitsgebot, a conhecida Lei da Pureza, que permitia apenas água, cevada e lúpulo no processo (estava faltando trigo para o pão de cada dia, e a levedura, ainda desconhecida, só foi inclusa na receita no século 19), os belgas pouco se lixaram e colocaram condimentos, frutas e casca de laranja no mosto enquanto os norte-americanos, séculos depois (mais propriamente a partir dos anos 80), chutaram o balde em suas versões personais e exageradas. Tudo isso abre um leque de possibilidades para cada um fazer sua própria cerveja em casa. Abaixo, dois exemplos:

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De Joinville, em Santa Catarina, surge a Zap Firebird Lovers, de Willian Fernando Petla, uma Golden Strong Ale de belo rótulo e muita responsa – entre as belgas mais populares do estilo estão “apenas” a Delirium Tremens e a Duvel. “Quando fiz essa cerveja, queria algo forte no álcool, mas que 1) fosse fresca e 2) fosse fácil para harmonizar”, explicou Willian, que me deu duas garrafas (com a orientação de “uma pra logo, outra pra daqui seis meses” – estou abrindo a primeira hoje!) quando nos encontramos no 5ª Festival Brasileiro de Cervejas, em Blumenau. “Moro em Joinville, que é muito quente. Eu e a patroa gostamos muito de cozinhar. E acho que o adocicado dela é bom para acompanhar comida. Ele quebra o sal sem ser enjoativa. Mas confesso que queria algo mais carbonatado do que ficou”, completa. Sou suspeito, afinal, além de ser fã de belgas adocicadas e alcoólicas, as portas do mundo cervejeiro se abriram para mim após conhecer a Duvel, na Bélgica, anos atrás.

Na taça, a cor da Zap Firebird Lovers fica naquela fase em que o amarelo está se transformando em âmbar trazendo, ainda carregando uma leve turbidez. O creme teve boa formação e permanência. No ótimo aroma, sensação de notas frutadas (abacaxi e banana, com a segunda em destaque), adocicadas e, ao fundo, condimentadas. Há, ainda, percepção de floral e cítrico (conforme ela esquenta, o álcool surge mais presente). No paladar, entre os gostos básicos, o primeiro ataque é de acidez e doçura, quase que ao mesmo tempo, com um residual salgado e falsa sensação de amargor, provocada pelos muito bem inseridos 8% de álcool (que esquentam a garganta). Há reforço de notas frutadas (banana, pêssego em calda) e algo que, para mim, remeteu a chiclete, que fazem a doçura se sobressair no conjunto. Um dos destaques é o levíssimo amargor que surge exatamente logo após o fim do gole, como que cortando a doçura, que, vitoriosa, irá retorna marcante no retrogosto. Muito boa!

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De Joinville para o Guaíba, no Rio Grande do Sul. É de lá que vem a linha Voadeira, ainda em seu primeiro lançamento, uma India Pale Ale com o belíssimo rótulo Charlipa, edição especial em homenagem à Charlinho, mascote do site Birrinhas, um complô dos irmãos Bruno, Cirilo e Leonardo Dias, mais eu, Daniel Calasans e Aline Soterroni (só gente confiável). O mestre cervejeiro é velho conhecido desse espaço: Ândrio Maier Barbosa, ex-Superguidis, atual Medialunas (e outros vários projetos), é o responsável pela Voadeira, carinhosamente chamada de Cerveja Marginal. Ândrio fala dessa versão India Pale Ale que inaugura o cardápio da casa: “Eu queria uma IPA tipo as norte-americanas, com lúpulo bastante pronunciado, cítrico e sem medo de exageros. Nessa última leva (apresentada no IPA Day, em Porto Alegre), acertei com o uso do lúpulo Sterling (parente do quase raro Cascade, que eu andava atrás originalmente) para o aroma e dry-hopping”, explica.

Na taça, a Voadeira Charlipa India Pale Ale exibe uma cor âmbar, com feixes alaranjados e uma turbidez intensa. O creme teve boa formação e estabilidade. O aroma capricha naquilo que o mestre cervejeiro propõe: muito lúpulo norte-americano (Nugget e Challenger), embora o resultado esteja mais próximo de uma English India Pale Ale (cuja graduação alcoólica de 5% se encaixa no estilo – os norte-americanos, extremistas, jogam o álcool acima de 6%), apesar de sua natureza cítrica. No aroma, que fará palpitar os lúpulo-maníacos, muito cítrico (com sensação de abacaxi e maracujá), herbal (grama) e presença discreta (mas perceptível) de melaço de malte. No paladar, a alta carga de lúpulo distribui amargor e notas cítricas para lá e para cá enquanto uma leve acidez toca o céu da boca e o malte, mero personagem de luxo, se esconde assustado. O final é seco, mas o retrogosto amargo permanece e é nessa hora que os 5% de álcool colaboram aumentando o drinkability e pedindo por mais uma. Bora?

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A foto que abre o post é da fervura da Voadeira, por Andrio

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