Surgida em 2007 na California, a Netflix conseguiu espaço no mercado como locadora online: a pessoa pedia um filme (geralmente pela internet) e recebia o DVD em casa, e podia ficar o tempo que quiser com o filme, mas só poderia pedir outros filmes quando devolvesse o anterior. O pulo do gato da companhia, no entanto, foi disponibilizar parte de seu acervo de forma online, para que seus clientes os assistissem em seu próprio computador. A opção se mostrou acertada: são 27 milhões de assinantes nos Estados Unidos e quase 30 milhões em todo o mundo (dados de 2013).
A Netflix chegou ao Brasil em setembro de 2011, e vem ganhando assinantes gradualmente. Segundo informação do final de 2012, a companhia já somava 1 milhão de usuários na América Latina, o que facilitou a assinatura de distribuição em tempo semelhante ao das locadoras de lançamentos como “Jogos Vorazes” e “O Artista”, mas os lançamentos ainda são em menor quantidade do que na matriz norte-americana. Nos Estados Unidos são mais de 17 mil títulos disponibilizados online enquanto no Brasil a lista é bem menor, mas ainda assim atrativa.
Por R$ 15 mensais, o assinante tem acesso a um bom número de séries de TV – como “Mad Men”, “Breaking Bad” e uma das grandes sensações dos últimos meses, “House of Cards” (série produzida pela própria Netflix e disponibilizada na integra no portal: 13 episódios a disposição do cliente para ele ver e rever quando quiser e como quiser, um teste interessante sobre comportamento televiso que pode revolucionar o modo de assistir televisão – e também filmes. A pedido do Scream & Yell, a jornalista Juliana Torres indica 10 filmes que merecem serem vistos na Netflix.
por Juliana Torres
“Férias Frustradas” (National Lampoon’s Vacation, 1983)
Todos amam John Hughes. Ele escreveu e dirigiu alguns dos filmes que definiram os anos 80: “Gatinhas e Gatões” (1984), “Clube dos Cinco” (1985) e “Curtindo a Vida Adoidado” (1986). Mas para falar de Hughes é necessário voltar a 1970, no lançamento da revista National Lampoon. Criada por três estudantes de Harvard, a publicação teve participação do diretor a partir de 1975. Foi quando contribuiu com Vacation ’58, uma história ficcional de sua viagem familiar fracassada para a Disney. Daí saiu o filme “Férias Frustradas”, dirigido por Harold Ramis. Com Chevy Chase, John Candy e Anthony Michael Hall no elenco, “Férias Frustradas” conta a história de uma família que decide cruzar os Estados Unidos de carro para visitar um parque de diversões. Saindo de Chicago até chegar a Los Angeles, os Griswold compram o carro errado, pedem informações na periferia de St. Louis – talvez não seja uma boa ideia –, ficam presos com uma tia pentelha de Kansas a Pheonix e se perdem no Grand Canyon. Até chegarem ao “Walley World”, o relacionamento entre eles se transforma em meio ao caos. Misturando risada e aquela pitada de agonia o tempo inteiro, “Férias Frustradas” é o segundo trabalho de Hughes como roteirista e seu passe para o mundo dos gênios da comédia.
“O Âncora” (The Anchorman: The Legend of Jon Burgundy, 2004)
Judd Apatow é o nome por trás de grandes besteiróis que amamos (ou amamos odiar). Do cult “Freaks and Geeks” (1999-2000) passando pelo quase tosco “O Virgem de 40 Anos” (2005) e chegando ao indie “Girls” (2012), o produtor e diretor passou pelo engraçadíssimo “O Âncora”. Escrito por Will Ferrell e Adam McKay, o filme acaba de ganhar uma sequência que deve chegar aos cinemas em dezembro deste ano. Neste longa dirigido por McKay, que conta com Paul Rudd – eterno namorado da Phoebe, em “Friends” –, Christina Applegate e Steve Carrell, Ferrell encarna o jornalista machista e caipira Jon Burgundy que vê sua carreira ser ameaçada quando o canal contrata a linda e competente repórter Verônica Corningstone (Applegate). Após altas e baixas, a vida de Burgundy se torna lendária quando uma mamãe panda resolve dar à luz ao bebê mais esperado do ano. Quem cobrirá esta história e se tornará o jornalista mais prestigiado de San Diego? O filme vale pelas ótimas atuações de Ferrell e Rudd, que encantam com seus estilos conquistadores de araque, e pela direção de arte que nos leva de volta a 1975 com o combo Kansas-bigode-blazer-vinho. E tem Steve Carrell, incorporando o puxa-saco-psicopata perfeito. Amadureceu e virou o Michael Scott no “The Office”.
“Mundo Cão” (Ghost World, 2001)
“Nothing but the devil changes my baby’s mind”, é um verso da música “Devil’s Got My Woman”, de Skip James, parte da fantástica trilha sonora de “Mundo Cão”. E como uma metáfora sobre o filme dirigido por Terry Zwigoff e estrelado por Scarlett Johansson e Tora Birch, temos duas adolescentes que acabaram de sair do colegial, descobrindo o mundo, as pessoas e seus próprios gostos que mudam com a velocidade de seus pensamentos, embora elas tenham dificuldade em perceber isso. O filme é adaptado da HQ de mesmo nome, escrita por Daniel Clowes – autor de “Art School Confidential” que virou filme e contou com John Malkovic no elenco. “Mundo Cão” mostra a metamorfose na personalidade das duas amigas que passam a perceber que talvez não sejam tão parecidas assim. Acontece quando elas resolvem fazer uma brincadeira e marcam um encontro às escuras com um homem mais velho, interpretado por Steve Buscemi. Enid (Tora) passa a se interessar pelo homem e vê sua vida mudar de rumo. As ótimas atuações de Buscemi e Birch – que mais uma vez interpreta uma “esquisitona” – como em “Beleza Americana” –, garantem as cinco estrelas do filme que é recheado de blues, jazz e boas referências. Rola até Fellini. “É 8 e 1/2 e não 9 1/2, amigo”.
“Flores Partidas” (Broken Flowers, 2005)
“I’m gonna go for broke. I am madly in love with you”. É Bill Murray em “Os Caça-Fantasmas”, 1984 fazendo de tudo para conquistar Dana. 21 anos depois, em “Broken Flowers”, Murray vive Don Johnston, outro conquistador, rico e eterno solteirão. Passa os dias com suas músicas pretensiosas e sempre orgulhoso por ser livre para começar a terminar um relacionamento quando bem entender. A vida de Don muda quando ele recebe uma carta que o avisa sobre um filho de 19 anos, e o faz sair em uma turnê pelos Estados Unidos atrás de seu primogênito, procurando cinco mulheres com quem já namorou e que seriam as prováveis autoras da carta. No entanto, um encontro é pior que o outro e Don é obrigado a reviver histórias que já tinha esquecido. Entre suas antigas namoradas estão Penny (Tilda Swinton) e Laura (Sharon Stone), ambas com questões inacabadas que precisam ser resolvidas. Dirigido e escrito por Jim Jarmush – mente brilhante por trás de “Night on Earth” e “Coffee and Cigaretts” – o filme demorou para ganhar meu click. Mas o dramático Murray é tão interessante quanto o cômico Murray e neste filme cheio de carga emocional, Jarmush o guia por outra vertente da tragicomédia, diferente de seu papel em “Encontros e Desencontros”.
“Cortando Custos” (The Big One, 1997)
Em meio a tanta discussão sobre a morte de Hugo Chávez e uma nova forma de governo ou sistema econômico, é importante lembrar-se de quem vem tocando nesta ferida há muito tempo. E fazendo barulho com isso. Michael Moore, jornalista da cidadezinha de Flint, Michigan, e figurão dos documentários norte-americanos, esteve em seu auge muito antes do aclamado e premiado “Tiros em Columbine” (2002) e “Fahrenheit 9/11” (2004). Durante a turnê de lançamento do seu livro “Downsize This”, Moore se espantou – mas talvez nem tanto – com as dificuldades e desabafos que ouvia de trabalhadores de supermercados e livrarias por onde passava para tardes de autógrafos. O making-of da turnê se tornou o filme “Cortando Custos”. Em meio ao medo do desemprego e de outra quebra na economia, cidadãos comuns dos – outros – Estados Unidos que existem entre Nova Iorque e Califórnia imploravam pela ajuda do documentarista. Em sua busca por soluções, Moore chega ao CEO da Nike e o questiona sobre geração de emprego dentro do país e critica duramente Bill Clinton e os presidenciáveis de 96 – Bob Dole e Ross Perot. É mais lenha para a ideia que o capitalismo está ruindo há anos e se faz urgente uma nova filosofia econômica funcional. É o único filme do diretor no site. Corre.
“Natimorto”, 2009
“Breaking Bad” impressiona quando Vince Gillian, criador da série, escreve um episódio que se passa inteiro dentro de um laboratório de metanfetamina. A riqueza do enredo e as técnicas de enquadramento impressionam porque causam claustrofobia e à constante impressão que uma hora não haveria mais assunto para preencher o episódio. Mas tinha. O assunto era uma mosca. Em “Natimorto”, longa adaptado do livro homônimo de Lourenço Mutarelli e dirigido por Paulo Machline, o assunto é, assim como na série norte-americana, a entrega de um homem ao seu monstro interior. Estrelado pelo próprio autor, o filme – que também pode ser chamado de pesadelo terapêutico – conta com Simone Spoladore no papel de uma cantora de ópera encontrada por um caça-talentos (Mutarelli). A promessa é levá-la ao maestro, mas com o passar do tempo o homem sugere que pretende viver para sempre com aquela cantora, dentro de um quarto de hotel. Entre orgulho e vaidade, ambos passam os dias esperando o destino que imagens atrás de maços de cigarro revelam. Veem o Enforcado e o Diabo, mas aguardam pelo Natimorto, e uma esperança de vida dentro de um cenário de entrega à sorte. Esteticamente perfeito, o filme imprime o existencialismo da obra de Murarelli.
“Shame” (Shame, 2011)
Assumo que só conheci Michael Fassbander em “Bastardos Inglorios” (2009). Não havia visto nenhum filme dele até então e depois só fui ao cinema para “X-Men: Primeira Classe” em 2011. Já tinha todos os motivos para achá-lo brilhante, mas era café com leite. O primeiro é de um dos meus diretores favoritos e o segundo da minha HQ do coração. Estava fácil. Em “Shame”, Michael conquista o espectador porque causa repúdio. Encanta porque toca na ferida da ninfomania real, a doença e não a brincadeirinha do Charlie Harper. Não é fácil de gostar. Dirigido por Steve McQueen, o longa acompanha a vida de Brandon (Fassbander) que luta contra seu secreto vício em sexo enquanto recebe sua irmã Sissy (Carey Muligan, de “Drive”) em seu apartamento. Entre seus flertes no metrô e sua enorme carga de material pornô, Brandon tem seu computador da empresa infectado por um vírus que pode colocar toda sua perturbadora realidade à mostra. Enquanto perambula pelas ruas de Nova Iorque como um bem sucedido publicitário, Brandon lida com casos extraconjugais e homossexuais, brigas de rua e sua irmã depressiva. É um filme corajoso e realista que, mesmo não precisando, conta com o incentivo de diversas aparições de Fassbender como veio ao mundo. Meninas, preparem-se.
“Namorados para Sempre” (Blue Valentine, 2010)
Poucas coisas são melhores que um filme com Ryan Gosling e Michelle Williams. Talvez um filme com dois de cada. É mais ou menos esse o caso de “Namorados para Sempre”. O longa dirigido por Derek Ciafrance – que também dirigiu “The Place Beyong the Pines” e também com Ryan Gosling – é um recorte de dois momentos da vida do casal Dean e Cindy. Começa no presente, com o casal morando em uma casa simples, uma filha e um cachorro que foge. A metáfora é perfeita porque assim que eles percebem que a cadela da família foi atropelada e morreu, se dão conta que seu casamento também não tem mais vida. E assim voltamos ao passado, à história de cada um antes de se conhecerem. Os sonhos, os planos, as músicas e a paixão recém-nascida com o frescor da juventude e a vida toda pela frente. A vida útil de uma paixão narrada em 112 minutos, com uma linda fotografia e trilha escrita especialmente pela banda Grizzly Bear. Por que clicar nele em meio a tantos romances do site? É um filme lição. Pode ser o soco no estômago que você está precisando para dar um jeito na vida que, até onde sabemos, só acontece uma vez. E uma grande história de amor, pode acontecer de novo? E tem o Ryan Gosling careca, vejam vocês.
“Os Pássaros” (The Birds, 1963)
É fato conhecido que Alfred Hitchcock não era um homem comum. Tampouco normal. Em 1962 descobriu Tippi Hedren, uma modelo norte-americana de origem sueca que tinha exatamente o nível de sofisticação que Hitchcock procurava para seu próximo filme, “Os Pássaros”. Fez portanto um contrato de exclusividade e se responsabilizou por formá-la com uma atriz e prepará-la para o mundo do cinema. O que parecia uma promessa tentadora tornou-se um pesadelo na vida de Tippi. O diretor ficou obcecado pela moça e quando não recebeu o afeto de volta, passou a dificultar sua vida. Hitch a obrigou a gravar a última cena de ataque do filme utilizando corvos de verdade, e não computação gráfica. “Os Pássaros” é, portanto, um registro da mentalidade genial porém perigosa de um diretor rejeitado. Conta a história de uma socialite (Tippi) que se encanta por um advogado e o visita em Bodega Bay, Califórnia. Porém, ao chegar à cidade, os pássaros passam a ter um comportamento agressivo e formam ataques fatais às pessoas da baía. Além da fotografia, os efeitos especiais são a cereja do bolo. É a penúltima grande obra de Hitchcock, que depois gravou “Marnie”, também com Tippi, e alguns outros filmes nada geniais, até sua morte em 1980.
“Passenger Side” (Passenger Side, 2009)
Quem não precisa de uma razão para viver? Às vezes pode ser uma cerveja na sexta-feira, ou o filho recém-nascido. Às vezes ela muda de ano para ano. Mas fato incontestável é que todos precisamos de um motivo para sair da cama de manhã. E é a busca por este motivo que leva os irmãos Michael (Adam Scott) e Tobey (Joel Bissonnette) a um dia viajando pela Califórnia. Quando Tobey recebe o telefonema de seu irmão mais novo que está com o carro quebrado no meio da estrada, relutantemente entra nesse túnel de histórias e situações que vão do sentido da existência humana até qual rua vende a droga mais barata. Cada história os torna mais unidos. Escrito e dirigido por Bissonnette, “Passenger Side” é uma mistura de “On The Road” com “Into The Wild”. Mas o que faz o filme receber o clique é a trilha sonora surreal que conta com Young Marble Giants, Dinosaur Jr, Leonard Cohen, Guided by Voices, D.O.A e Wilco e com a aparição do vocalista do Afghan Whigs e Twilight Singers, Greg Dulli, como um diretor de filmes pornô. Não só pela trilha, não só pelo roteiro, não só pela ótima direção e atuação de Bissonnette, o filme vale o clique porque te leva pela mão – me com um pouco de comédia – pelo processo de descobrimento humano.
– Juliana Torres (@jukiddo) é jornalista e assina o http://jukiddo.tumblr.com/
Leia também:
– “Namorados Para Sempre”: um filme perfeito para o dia dos namorados, por Mac (aqui)
– John Hughes: seu legado para o cinema é imenso, por André Azenha (aqui)
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