por Adriano Costa
Em 2009, o escritor australiano Max Barry, 40 anos, estava com um indesejado bloqueio criativo. Nada que ele começava a escrever conseguia se desenvolver a contento. Ideias iam para a lixeira, roteiros de filmes não eram lidos e manuscritos entravam em gavetas para nunca mais verem alguma luz. Foi quando resolveu postar pedaços de uma nova história chamada “Homem-máquina” em seu site. A coisa foi fluindo, gerou interesse e recebeu vários pitacos de leitores que foram considerados no decorrer da trama.
A investida interativa deu tão certo que gerou uma versão física de “Homem-máquina” em 2011, lá fora (com várias diferenças em relação à versão online), e ganhou edição brasileira ano passado pela Editora Intrínseca. Com 288 páginas e tradução de Fábio Fernandes, “Homem-máquina” é o terceiro dos quatro livros do escritor a ser lançado em terras brazucas (os outros são “A Companhia” e “Eu S/A” – “Syrup”, sua estreia, permanece inédito). Nele, o autor cria um romance que usa a ficção científica como base em paralelo com um bem-humorado thriller de conspiração.
O personagem principal é o Doutor Charles Neumann, um engenheiro que trabalha em uma conceituada empresa de ciências, a Futuro Melhor. Na verdade, ele não sabe muito bem o que constrói na empresa e nem onde essas invenções são aplicadas. Mas isso não o impede de ter uma posição de destaque dentro do laboratório que mais parece uma prisão. Sem qualquer vestígio de vida social, ou seja, sem nenhum amigo, contato com família ou namorada, Doutor Neumann tem como companheiro um moderno celular.
É esse celular que, em uma passagem inicial divertidíssima, o leva ao acidente de trabalho que lhe custa uma das pernas. Ao invés de olhar para isso como uma tragédia, Dr. Neumann vê uma grande janela de oportunidades a partir do envolvimento da especialista em próteses Lola Shanks. Fascinado por máquinas e pela ideia de aprimoramento contínuo, ele dá partida a uma busca tresloucada e sem limites pela perfeição, pela ideia de um corpo funcionando com partes melhores e menos frágeis.
É meio óbvio que essa busca irá resultar em um tremendo desastre. Como afirmava o filósofo francês Voltaire, “toda perfeição é um defeito” e isso fica bastante claro para o leitor de “Homem-máquina”, mesmo que para o Dr. Neumann isso não seja assim tão visível. Enquanto encaminha seu personagem para um destino praticamente sem retorno, Max Barry faz uma zombaria inteligente sobre o apego à tecnologia exercido nos nossos tempos de internet, iPads e celulares repletos de recursos, o que gera vícios e neuroses e resulta em pensamentos malucos de poder e necessidade.
Na segunda metade da narrativa, “Homem-máquina” amplifica essas neuroses e é conduzido por outros caminhos, como a relação entre o personagem principal e os interesses da empresa com um olhar mais focado na área militar governamental para as invenções que vão surgindo. O escritor ítalo-americano Felice Buscaglia dizia que a “ideia da perfeição o assustava”. Já para Max Barry a caça por essa perfeição gerou um livro interessantíssimo, que consegue ser crítico e divertido ao mesmo tempo.
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– Adriano Mello Costa (siga @coisapop no Twitter) e assina o blog de cultura Coisa Pop