por Adriano Costa
Enlouquecer. Estourar. Explodir. Dar um tremendo de um chute na própria vida quando ela saiu completamente do eixo. Tem momentos que pensamos seriamente em fazer isso. Ou fazemos mesmo, vá saber. A verdade é que é praticamente impossível passar imune a um momento desses enquanto andamos cheios de preocupações bestas pelo mundo. É o que acontece, por exemplo, com Maxwell Sim, o comportado e normal personagem do mais recente livro do inglês Jonathan Coe a ser publicado por aqui.
“A Terrível Intimidade de Maxwell Sim” foi originalmente lançado em 2010 no Reino Unido, mas só chegou ao Brasil no final de 2012. Tem 416 páginas e conta com tradução de Christian Schwartz. Nele, um dos escritores mais interessantes da atualidade faz um retorno à boa forma de livros anteriores como “O Legado da Família Winshaw” e a dobradinha “Bem-vindo Ao Clube/Círculo Fechado”, mantendo alguns temas já utilizados antes, mas também adicionando novas visões a habitual narrativa crítica e ácida.
O protagonista que dá nome ao livro é um sujeito comum, de inteligência mediana, sem maiores planos para a vida que não seja as coisas do dia a dia. Trabalha em uma loja de departamentos no setor de atendimento ao cliente e vive sem maiores surpresas. No entanto, quando a esposa e a filha adolescente resolvem ir embora para uma vida nova, esse pequeno mundo que ele construiu desmorona completamente, o que causa uma depressão aguda seguida da saída do emprego e uma viagem para reencontrar o pai na Austrália.
Maxwell Sim está com 48 anos, sua mãe já morreu e lhe sobrou apenas o pai, com quem sempre teve uma relação repleta de ausência e medo. Essa viagem para reencontrá-lo é onde o livro realmente tem partida, pois ele vê em um restaurante uma desconhecida jantando com a filha e exibindo uma assustadora intimidade, coisa que na verdade ele nunca teve. Isso provoca um sentimento de se conectar novamente com as pessoas, de começar a conversar, de ser mais social, de sair das sombras que o mundo moderno lhe reservou.
Para tanto, depois de alguns fatos inusitados pelo caminho, ele aceita uma proposta de trabalho do único amigo que tem (apesar de no Facebook esses amigos serem 74). Uma proposta que consiste em fazer uma viagem para um dos pontos mais distantes do Reino Unido, na Escócia, que servirá como estratégia de marketing para o lançamento de uma revolucionária escova de dente com conotações ambientais. Nessa viagem (que renderia um ótimo road-movie), Maxwell tenta reatar alguns laços, mas acaba por sucumbir a própria história.
Com descobertas sobre seu passado e da sua família cada vez mais avassaladoras, Maxwell Sim se envolve em um casulo solitário, onde os melhores momentos são quando conversa com o GPS do carro. Nesse ponto, Jonathan Coe amarra a história real de Donald Crowhurst junto com a do seu personagem. Crowhurst foi um navegador solitário que no final dos anos 60 se aventurou a dar a volta ao mundo e no fim ajoelhou perante a loucura. Essa junção funciona muito bem e provoca passagens interessantes no livro.
“A Terrível Intimidade de Maxwell Sim” explora temas caros ao autor, como uma família constituída a base de segredos, mentiras e silêncios, assim como a solidão em sua forma mais dolorosa. O personagem principal tem uma inadequação extraordinária para a vida, e isso é que o transforma em algo mais e dá a possibilidade para que seja forjado um retrato bastante curioso sobre a vida nos dias atuais, onde quando mais parece que estamos perto de tudo e de todos, mas distantes nos colocamos uns dos outros e das relações pessoais.
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– Adriano Mello Costa (siga @coisapop no Twitter) e assina o blog de cultura Coisa Pop
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– Três HQs: Sweet Tooth, O Inescrito e “A Máquina de Goldberg”, por Adriano Costa (aqui)
– Três Livros: “Sexo na Lua”, “O Torreão” e “A Mesa do Mestre Cervejeiro”, por Mac (aqui)
Jonathan Coe é muito fera. “O Legado da Família Winshaw” é uma viagem, triste e engraçadíssimo na mesma medida.
um dos mais interessantes que li nos últimos tempos (mesmo tendo comprado como um tiro no escuro, só pelo texto da orelha). tá aí um livro que daria um ótimo filme – ou não, se levarmos em conta o que fizeram com O Lado Bom da Vida.