por Jorge Wagner
Dia de Natal no Rio de Janeiro e a cidade recebia algo que veio a ser chamado de “presente” por seus idealizadores: um show do mítico Stevie Wonder, de graça, na Praia de Copacabana, e com abertura de Gilberto Gil. Mas mais que a tática dos responsáveis pelo turismo na capital fluminense de gerar alguma movimentação no setor por conta daqueles que poderiam, por acaso, vir mais cedo para a cidade – ao invés de apenas mais próximo à entrada de 2013 –, há questões que não podem ser desconsideradas: o alto custo do evento, a desimportância da música e a busca pelo aval de uma suposta elite midiática.
Na passagem de 2011 para 2012, Stevie se apresentou em um cassino em Las Vegas por um valor aproximado de R$ 2 milhões. Pois a realização das apresentações do músico nos dias 23 (no Imperator, em um evento beneficente cujo valor da venda dos ingressos, a R$ 800, foram revertidos para a sociedade Viva Cazuza) e dia 25, em Copacabana, custaram à Riotur um total de R$ 7 milhões, definido como “um absurdo” pelo vereador Eliomar Coelho, do PSOL, que também questionou, na época, a falta de transparência nos valores do evento. A contratação do músico, por exemplo, é um “pequeno detalhe” omitido no Diário Oficial, que registrou no processo 18/100.951/2012 apenas um contrato de patrocínio entre a Riotur e a Plan Produções no já citado valor de R$ 7 milhões – deixando de fora, estranhamente, os nomes de Stevie Wonder e Gilberto Gil.
São apenas números, alguém pode dizer. Então falemos da música. Afinal, como diz o slogan daquela emissora, é isso que importa. Mas… importa?! Qualquer um com o mínimo senso de observação sobre eventos musicais no Rio sabe que, se é de graça e há alguma possibilidade de encher, o carioca vai. Se for em um feriado ou fim de semana, ainda mais certo que sim. E pouco importa que a temperatura esteja na casa dos 666°. Ou que a atração seja Elba Ramalho, Stones, Donavon Frankenreiter, Bebel Gilberto, Naldo, Sargento Pimenta, Latino, Claudia Leitte, Gilberto Gil ou Stevie Wonder.
Pode ser no carnaval – e em tudo o que o antecede ou sucede de imediato –, numa comemoração pela conquista do direito de sediar algum evento internacional, num protesto contra a divisão de mal utilizados royalties do petróleo, em festas pelo natal ou réveillon. Dá no mesmo. O que importa é a festa, o ópio em si. ‘Panem et circenses’. Distraia o povo e o veja sossegar em sua insatisfação. Sempre funciona. Eduardo Paes sabe disso. Aprendeu com seus antecessores – prefeitos e governadores. Tudo o que o carioca precisa é de uma boa e gratuita festa para deixar de se importar com bobagens como o quanto se paga num mês de aluguel ou numa passagem de ônibus.
Alheio a isso, Gilberto Gil fez um grande show. Ele enfileira clássicos após clássicos, privilegiando canções mais conhecidas e dançantes. O show é aberto com “Realce”, segue com “A Novidade” e passa por versões para canções de Bob Marley (com “Não Chore Mais” e “Is This Love”). Gil relembra “Domingo no Parque”, “Aquele Abraço” e “Andar com Fé” até fechar com “Toda Menina”. É preciso no tempo, no balanço, no carisma. E, se por um lado, a participação de Preta Gil e sua “Meu Corpo Quer Você” destoe completamente da qualidade das canções do pai, cumpre seu papel festivo sua função de vamos-agradar-a-todos.
Com um atraso mínimo de menos de 15 minutos, é a vez da atração principal. Stevie Wonder, tal como no show do dia 23, na casa Imperator, sobe ao palco amparado por sua filha Aisha Morris, bem como pelos filhos Kailand e Carl (11 e 7 anos). Simpático, apresenta seus filhos, deseja feliz natal e inicia sua apresentação com “What A Wonderful World This Would Be”, de Sam Cooke. Na sua tentativa de mensurar o público, passa, desde então, a insistir em uma constante interação de canto/resposta que, vez ou outra, chegava a quase funcionar.
De início, em cima do palco, a apresentação é perfeita. Mas a verdade é que apenas números como “Higher Ground” e “The Way You Make Me Feel” (Michael Jackson) conseguem salvar a primeira parte do show (que contou, ainda, dentre outra, com a lindíssima “The Secret Life of Plants”, dentre outras) da total apatia e desconhecimento do público, que só parece se situar, realmente, quando ouve uma versão de “Garota de Ipanema” com Stevie assumindo a gaita. Mas é na segunda parte, logo após execução de “Sir Duke”, que as coisas desandam. Em especial, após a entrada de Gilberto Gil no palco.
Se em sua apresentação solo, o ex-Ministro da Cultura havia sido preciso e intenso, em sua participação no show de Stevie ele apenas atrapalha, derruba o ritmo, insiste em uhs e ahs, em uh-uh-uhs e ah-ah-aaaaahs. Stevie Wonder e seus músicos forçam a simpatia, mas não funciona. O calor, as onomatopeias, o ritmo arrastado resulta, de imediato, na retirada de boa parte do público – provavelmente já satisfeita por ter ouvido “I Just Called To Say I Love You”, a favorita e, possivelmente, única conhecida, de uma fatia considerável dos presentes. “Superstition” ainda apareceu, mas já era tarde demais.
Ao custo questionável do evento e desconhecimento e apatia por parte dos presentes, há ainda outro ponto notável: o “efeito Revista Caras”. Uma baia em frente ao palco servia como curral para celebridades. Luana Piovani, Marcelo Novaes, David Brazil são apenas alguns entre os tantos que se esforçam em sorrisos e acenos para as câmeras que transmitiam, ao vivo, a apresentação do músico norte-americano. Sérgio Mallandro, com seus gluglus e ié-iés mimificados, expõe o ridículo da insistência em mostrar tais rostos nos telões, deixando transparecer a busca por um aval, como se o evento não pudesse existir ‘per se’, só encontrando justificativa na presença de famosos ou na transmissão de um canal que não consegue, nem mesmo, acertar os créditos das músicas apresentadas no palco.
Os artistas tiveram suas caras expostas, suas taças de champanhe e seus sorrisos fotografados para aquelas colunas sociais. Gilberto Gil teve seu grande show e fez até o favor de deixar sua filha participar. Stevie Wonder teve seu cachê. O carioca teve sua festa, e provavelmente pouco se importou com o que aconteceu no palco. Mas… por que se importaria? Foi de graça. Estava cheio. Basta?
– Jorge Wagner (siga @jotablio) é jornalista e colabora com o Scream & Yell desde 2006
Beleza, JW.
É por isso que está cada vez mais difícil ir em show: não dá para ignorar o “entorno”
Foi de graça? Bem… é nisso que deve acreditar boa parte dos que lá estavam, mas que não foi, não foi…
Você perfeito em seu texto.
Belo texto JW, belo texto.
Jorge Wagner, meu chapa.
Tá tudo muito bom, tá tudo muito bem. Mas, realmente!
Em um show de Stevie Wonder e Gil nada além da música tem importância, cara!
Gaste sua perspicácia e senso crítico em um show de, por exemplo, Veveta Sangalo.
Há momentos em que a alma não pode ser pequena.
uma vez Zé Henrique, sempre Zé Henrique.
Rsrsrsrrsrs
Valeu o elogio, JW.
Abraço