por Marcelo Costa
Formada na década 90 em Alcobaça, uma cidade de pouco mais de 50 mil habitantes que fica a 92 quilômetros de Lisboa, a Gift tornou-se um dos principais e mais longevos nomes do cenário independente português. A primeira demo, “Digital Atmosphere”, foi lançada em 1997, e o álbum de estreia, “Vinyl”, no ano seguinte, mas o grupo conseguiu chamar a atenção realmente com “AM-FM”, terceiro disco lançado em 2004.
Foi nessa época que Sónia Tavares (voz), Nuno Gonçalves (teclados), John Gonçalves (teclados e baixo) e Miguel Ribeiro (guitarra e baixo) passaram pela primeira vez no Brasil, com um show surpreendente e incendiário no Studio SP da Vila Madalena. Começou então um namoro com o Brasil que rendeu novos shows, o lançamento do álbum “Explode” via Coqueiro Verde e presença no Rock in Rio (Lisboa e Brasil) com direito a cover de “Indios”, da Legião Urbana.
“Somos uma banda de um novo Portugal, com mais cor, com mais vida, com influencias de todo o mundo”, avisa Nuno em conversa por e-mail na semana que a Gift retorna ao Brasil para um show no Studio SP Baixo Augusta. Com um novo álbum na mala (“Primavera”, que segundo Nuno é “um disco simples, calmo onde só existem duas cores: o preto e o branco”), a Gift se apresenta nesta quinta-feira, 18/10, em São Paulo, e no dia 20/10 no Festival MADA, em Natal.
Premiados pela MTV Europe (como Best Portuguese Act) e pelo Globo de Ouro português (como Melhor Grupo, pelo álbum ao vivo “Fácil de Entender”, 2006), o quarteto segue na batalha por apresentar a nova música portuguesa ao mundo, e, em especial, ao Brasil. Nuno lamenta que a nova cena brasileira não alcance o lado dele do Atlântico (“Só chega axé”), e cobra também o contrário: “Podem falar de Fado, mas o resto é deserto”, lamenta.
Ainda assim, com um cenário independente tão prolifico e variado quanto o brasileiro, talvez seja mesmo a hora de um intercambio musical. “Há muitas bandas novas, estilos diferentes, com muito boas ideias e publico fiel (em Portugal)”, avisa Nuno, um cenário do qual a Gift é uma das principais formações, uma banda às vésperas de completar 20 anos de estrada, e que aprendeu a se renovar olhando o futuro. Com vocês, The Gift:
Corrijam-me, mas esta deve ser a terceira ou quarta passagem do The Gift pelo Brasil, certo? O que vocês guardam das turnês anteriores pelo país?
Guardamos boas memórias. Um tipo de conquista de show para show, de turnês para turnês. Acreditamos ainda que a melhor ferramenta para chegar ao publico é tocar mais e mais e, sobretudo, nunca deixar de tentar promover cada vez melhor o próximo show. Somos independentes, não temos promotora e (continuamos) este trabalho de formiguinha, abrindo portas, abrindo público, criando alicerces de carreira.
Para muita gente, a The Gift ainda é uma novidade no Brasil. Como você apresentaria a banda para uma pessoa desconhecida?
Convidaria para um show…. mas podia sempre dizer que Gift é uma banda que nasceu em 94 numa pequena cidade portuguesa. Formamos a banda porque ouvíamos Smiths, Joy division, Cure e queríamos ser uma nova geração de músicos que não se identificava apenas e só com as raízes tradicionais da musica portuguesa. Somos uma banda de um novo Portugal, com mais cor, com mais vida, com influencias de todo o mundo. Cantamos maioritariamente em inglês e misturamos todo o tipo de instrumentos com todo o tipo de eletrônica e tudo isto é unificado com uma voz única, forte, espiritual e, sobretudo, iluminada da nossa vocalista Sónia Tavares. Ao vivo somos um combo de guitarras, efeitos, bateria, programações, vozes e um apelo único a tornar cada show um momento inesquecível para quem nos vê ao vivo.
Tenho aqui o “AM-FM” (2004) e o “Fácil de Entender” (2006). “Explode” (2011) ganhou edição brasileira pela Coqueiro Verde e agora vocês estão lançando “Primavera” (2012). O que une estes trabalhos todos?
Há alguma união entre o “Am-Fm” e o “Fácil de Entender” porque o conceito era muito semelhante. Entre 2004 e 2008 a banda tocou muito, estávamos muito unidos por programações mais mínimas, feitas com micro sons. Eram composições muito perfeccionistas, mas houve um grande golpe entre o “Explode” e os outros discos mais antigos. Desde o nosso inicio, sempre usamos muitas cordas, instrumentos de orquestra e eram esses elementos que davam o tom épico, grandioso. Com o “Explode” esse tom épico passou a ser feito pelas guitarras. Cortamos cordas, cortamos metais, cortamos as programações tão mínimas e focamos nas canções, nas vozes, no som da bateria e tudo ficou mais orgânico e com um conceito multicolor que nos agrada muito. “Explode” é um disco fundamental, abriu-nos muitas portas nos Estados Unidos. Foi produzido por Ken Nelson, que tem muita experiência, com prêmios internacionais, e que deu-nos muita confiança. O último disco, “Primavera”, é uma ilha em todo o oceano de carreira da banda. “Primavera” é um disco simples, calmo onde apenas e só existem duas cores: o preto e o branco. Um disco feito em apenas 10 dias tocado e composto por 14 mãos apenas. Uma experiência completamente diferente do que fizemos até hoje.
O Scream & Yell tem acompanhado de perto a renovação da cena portuguesa. Como vocês veem esse momento atual do cenário português?
Há muitas bandas novas, estilos diferentes, com muito boas ideias e publico fiel. Música de cidade, música que poderá funcionar com públicos mais atentos. Mas para uma banda se afirmar em Portugal há alguns anos atrás era preciso alcançar o púbico, tinha que criar o público, tinha que tocar por todo o país. Hoje a coisa esta um pouco mais fácil. As bandas podem tocar num ou outro festival, ter um ou outro blog falando sobre elas e a coisa mais ou menos fica criada. Ainda acredito que para uma banda ser boa tem de ter carreira. Hoje em dia podemos perceber que há um bom inicio, ou seja, Portugal tem bandas novas muito boas, mas a corrida é longa e não se pode falar numa cena se não tens mais do que dois ou três discos lançados. Precisamos de mais sumo em vez de tanto hype…
O cenário independente brasileiro também vive um momento bastante prolifico, embora ainda não tão presente em rádios e paradas de sucesso. O que vocês têm acompanhado da nova música brasileira?
Infelizmente não nos chega tanta nova música a Portugal como devia. Queríamos muito que existissem mais pontes entre um país e outro, mas parece que a coisa esta difícil. O que chega para nós é o axe e coisas desse tipo, mas a boa nova música (brasileira) não é promovida como devia. O mesmo se passa no Brasil: podem falar de Fado, mas o resto é deserto…..
De onde surgiu o som da The Gift e, após todos esses anos, para onde vai? O que mudou?
O som surge das nossas influências, da música que ouvimos todos os dias. Felizmente nunca deixamos que o fundamentalismo se apoderasse do estilo da banda e creio que temos mudado muito acompanhando a idade, as vivencias. Uma banda com quase 20 anos te de se ir alimentando a sim mesma. Ter a mesma motivação 20 anos depois do primeiro ensaio só se consegue se nos formos reformulando, reconstruindo, reinterpretando, reciclando. Acaba por ser essa a essência do som da Gift, a procura do novo, a procura do futuro e, apesar de termos orgulho do nosso passado, saber que fazer mais do mesmo é algo que não nos motivará muito.
Você acha que o Brasil é um bom mercado para bandas portuguesas? E o contrário também é possível?
Sinceramente não sei. Para a Gift creio que pode ser se continuarmos a investir tempo e energia, mas acho mesmo que há muitas coisas para mudar na impressão geral e na opinião (dos brasileiros) sobre Portugal. Portugal é Europa, é multivivências, é cosmopolita, é moderno, é inventor, é muito mais que Fado. Se o Brasil não descobrir isso rapidamente, as portas fechar-se-ão rapidamente. Os meios de imprensa e os formadores de opinião brasileiros tem que dar uma mão e escutar este novo Portugal. A Gift está sozinha hoje nesta corrida, não há muitas bandas do nosso estilo tentando derrubar as barreiras antigas. O que se ouve de Portugal é quase sempre Fado ou variações do mesmo e se não se der a mão ao alternativo, ao mais atual, rapidamente podemos perceber que o Brasil não é de todo um mercado para apostar. O mesmo se passa ao contrário. Se só nos chega axe a Portugal dificilmente poderão outros novos artistas brasileiros conquistar nosso país.
Pra não pensar muito: fado ou samba? : )
Escolho sempre grandes compositores…. e em ambos os estilos isso existe.
Vocês retornam a São Paulo agora com um novo show. O que vocês esperam encontrar desta vez?
Um grande show, com casa cheia, com pessoas que conhecem as músicas, com pessoas que vão pela primeira vez, com uma entrega única da nossa parte e com uma alegria enorme por podermos estar tocando num pais que fala a mesma língua que nos. Gift é hoje uma banda do mundo e são estas noites que nos fazem acreditar que não há barreiras na música. Se nos dão oportunidade de ouvir a nossa voz rapidamente ela se escutara bem alto. Esperamos que seja uma noite histórica.
– Marcelo Costa é editor do Scream & Yell e assina o blog Calmantes com Champagne.
Leia também:
– B Fachada fala sobre o novo disco e o Brasil, por Pedro Salgado (aqui)
– Especial: como anda a nova cena musical portuguesa, por Pedro Salgado (aqui)
Vi o show no Studio SP e achei a banda duca! A vocalista Sônia tem uma presença de palco notável e os outros membros da banda são muito bons! =)