Break up Book #01, por André Takeda
“All I Have To Do Is Dream”, Tashaki Myaki
Nós não dançamos o suficiente, sabe, simplesmente não dançamos, não estou falando de sair para dançar ou qualquer coisa parecida, quero dizer, sei que o problema sempre fui eu, que sou chato para música e bares e boates, mas agora fiquei lembrando de todas as vezes em que quis colocar algo no aparelho de som e convidar você para dançar, ou, sei lá, ligar do trabalho e dizer para você me esperar em casa com um vestido de festa, salto alto, e eu chegaria e colocaria um terno, até gravata se você quisesse, e a gente dançaria todas estas tolas canções que sempre estiveram aqui, aqui na minha vida desde que me conheço por gente, mas que só tiveram sentido depois que conheci você, e agora você está indo embora, em menos de uma hora vamos deixar todos os anos que vivemos para trás, e eu sei que poderia repetir tudo tudo tudo de novo, as mesmas promessas, as mesmas lágrimas, as mesmas perguntas, mas só o que me vem à cabeça é isso, nós não dançamos o suficiente, e sei que é uma estupidez, que mais uma vez estou falando e pensando em bobagens em um momento tão sério, mas, veja bem, a vida não é isso, dançar, saber conduzir e ser conduzido, ter jogo de cintura, acertar o mesmo ritmo, aprender novos passos a cada dia, ok, ok, ok, você não precisa me olhar com essa cara, sei que é uma metáfora ridícula e fora de hora, sei que é um clichê, e sei, acima de tudo, que nada que eu disser agora vai fazer você mudar de ideia, mas quero deixar bem claro que sempre quis dançar com você, só com você, que o ato de ouvir música sempre foi o momento mais egoísta de minha vida, que nunca suportei ouvir música ao lado de outra pessoa, mas sempre que escuto algo que me emociona, imagino a gente dançando, a sua cabeça deitada de leve no meu ombro, algo assim tão sexy somente porque é bonito, e é isso, é isso, e, sabe, eu poderia pedir desculpas por todas as vezes que machuquei você, que desrespeitei você, que fui duro com você, que fiz você sofrer, que fui impaciente com você, mas hoje apenas imagino nós dois dançando uma canção que adoro, I need you so that I could die, pelo menos não sou eu quem estará dizendo, será essa voz que sai das caixas de som e que paralisa o tempo, a dor, a despedida por três minutos e trinta e oito segundos, whenever I want you all I have to do is dream dream dream, vamos, sei que você ainda tem algum tempinho antes do táxi chegar, deixe a mala no chão e, como se dizia no meu passado que não vivi, me permita esta última dança, antes que você se vá, antes que você me deixe aqui com os restos de nós e, sobretudo, antes que eu comece a odiar você.
Você encontra essa linda versão para o clássico “All I Have To Do Is Dream” no EP “Tashk It To Me” da banda Tashaki Myaki.
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André Takeda é autor dos livros “O Clube dos Corações Solitários” (2001), “Cassino Hotel” (2004) e “A Menina do Castelinho de Jóias” (2011). É colaborador de primeira hora do Scream & Yell e assina atualmente o Tumblr Eu Quero Ser Amigo, publica suas fotografias (como a deste post) no http://www.flickr.com/photos/andretakeda/ e assina quinzenalmente no Scream & Yell a coluna Break up Book.
Download: baixe “Ao Vivo”, coletânea de textos de André Takeda em PDF (aqui)
Eu gostei e bateu aquela identificação também. Li os seus livros e quase todos os contos aqui nos primórdios da Scream & Yell (principalmente a série “Um Adolescente nos Anos 80” – que eu gosto deveras, mesmo que tenha vivido a infância, e não a adolescência, nos ’80s). Em suma, muito bacana que tenha voltado a escrever aqui no S&Y. Acompanharei. 🙂