por Leonardo Vinhas
Os Superhéroes não são geniais. Talvez não sejam nem bons, mas existe alguma coisa que torna o som da banda mais que tolerável. Verdade seja dita, mesmo não sabendo o porquê de gostar da banda, você acaba acordando com vontade ouvir as músicas deles – sensação que só aumenta conforme as audições se repetem.
Exequiel Chavarria (baixo e voz), Ezequiel Belziti (bateria), Federico Tejera (teclados), Fernando Sosa (guitarra) e Sebastián Serpino (guitarra) estão juntos desde o ano 2000, mas a banda já existia como trio – com Chavarria, Sosa e mais um amigo, Lisandro Blas – desde 1993. A base de seu som sempre foi o punk rock, principalmente o de seu país natal (Argentina), embora nunca tivessem faixas com temática ou mesmo estrutura punk.
Sabe aquele clichê do “peguei a primeira roupa que vi pela frente e vesti”? É como se a atitude deles fosse o equivalente musical: pegaram os instrumentos e tocaram a primeira coisa que saiu. Só que o som não é lo-fi nem as composições são tão descuidadas. São simples, a maioria montada com riffs rápidos e refrões grudentos sobre uma cozinha correta e apliques de teclados que vão do discreto ao cafona sem muita cerimônia.
Na verdade, uma comparação justa, ainda que cheia de licença poética, seria com o Ultraje a Rigor de “Sexo!” e “Crescendo”: músicas simples e bem-humoradas, mas que não são necessariamente piadas musicais que não sobreviveriam à segunda audição. Pelo contrário: quando você vê, já transformou coisas como “Estoy Out” e “Chomba Rosa Legacy” em hits pessoais.
“Ubaldisney” (2003) foi a estreia discográfica da banda, e ainda é seu melhor trabalho. Na sequência, veio “El Disco que No Tiene Nombre” (2007), uma bobagenzinha de indie rock que não fede e quase não cheira. Porém, no período entre estes dois CDs se falou muito da banda, graças à sua imaginativa comunicação visual. Em pleno festival Pepsi Music, um dos maiores da Argentina, a banda pregava cartazes dizendo “Tudo bem. Não queríamos que nos convidassem – Outro festival que vamos desfrutar ao seu lado”, seguido pelo endereço eletrônico da banda. Ou então anunciavam shows com pôsteres onde se lia apenas “Venham, bichas!” e a data e local do evento (veja alguns cartazes aqui).
Os cartazes, e-mails e camisetas dos Superhéroes sempre eram citados na imprensa de seu país e até na estrangeira, mas da música nada se falava. Até por isso reduziram a frequência desses artifícios e partiram, em 2011, para uma ousadia musical: lançar dois discos de uma vez. “Carlos Salvador Bilardo” (2011) e “Cesar Luis Menotti” (2011) foram batizados com o nome de dois jogadores de futebol que acabaram se tornando técnicos da seleção argentina. Enquanto Bilardo insistia no “futebol de resultados” à la Parreira, Menotti se preocupava em dar espetáculo. Essas posturas refletem o espírito de cada disco, e a verdade é que o powerpop do primeiro é tão divertido quanto o indie rock do segundo.
Na entrevista que fizemos com o guitarrista Sebastián Serpino, deu para saber mais sobre esses dois discos (que podem ser baixados gratuitamente no Bandcamp da banda – aqui), sobre a aparente displicência da banda e sobre o fato dos Superhéroes respeitarem mais nosso futebol que nossa música.
Lançar dois discos – “Carlos Salvador Bilardo” e “César Luis Menotti” – de uma vez foi a intenção desde o princípio?
Sim, inclusive surgiu primeiro a ideia dos nomes dos discos e o conceito dos mesmos, então já sabíamos que teríamos que fazer pelo menos 20 canções e ir adaptando-as a cada disco.
Você acha mesmo que esses dois discos são assim tão diferentes? Não me parece que as canções de Menotti sejam tão estranhas…
Não são tão estranhas dependendo de quem as escute. Se a Björk chegasse a ouvi-las, não diria que são estranhas.
Claro que não (risos). Mas também não é como se estivessem dando uma de King Crimson. Qual é a diferença que acreditam ser a maior entre os dois discos? E aproveito para perguntar: você diria que, dos dois, “Bilardo” é o que chega mais perto do que a banda fez antes?
A diferença está nas estruturas das canções, nas harmonias – os acordes que usamos, para os que não são músicos. Algumas canções de “Menotti” não têm refrão, outras tem tempos mais incomuns e as letras têm temáticas menos habituais. Mas a ideia não era que fossem muito diferentes. “…Bilardo” está na linha de “Ubaldisney”: estrofe, refrão, melodias mais simples.
Pensando nos dois personagens que dão título aos discos, Bilardo e Menotti: qual deles vai curtir mais a música dos Superhéroes?
É uma pergunta difícil de responder. Acho que a nenhum dos dois. Menotti escuta tango e Bilardo talvez prefira os Wawancó [N.: grupo que foi bastante popular na Argentina, tocando cumbia, merengue, bolero e outros ritmos folclóricos].
As músicas antigas aparecem nos shows menottistas? Vocês mudam os arranjos?
Sim, fazer novas versões de músicas velhas é algo que costumamos fazer porque gostamos. Nos shows menottistas, nós as adaptamos a esse formato.
A internet tem sido uma das principais ferramentas da banda desde o começo…
A internet é uma ferramenta muito boa porque é a mais “socialista” de todas. Hoje em dia ela é muito importante para nós porque qualquer um que quiser pode baixar nossos discos e ficar a par de nossos shows.
Creio que essa atitude mostra que ganhar dinheiro com a banda não é a prioridade imediata. Porque dá para ver que vocês investem muito tempo e grana na banda, e a pequena difusão que vocês obtém ainda não dá lucros.
Nossa ideia nunca foi tornar isso um negócio, e continua assim. Fazemos porque gostamos muito (de perder dinheiro).
Ainda sobre a internet: todas suas canções têm um vídeo, por mais simples que seja. A música tem que ser visual também?
Esses são vídeos que fizemos para uns shows aos quais havíamos denominado “audiovisuais”. Neles, cada canção tinha um vídeo ou imagens que íamos musicando ao vivo. Em relação a pergunta, não necessariamente a música tem que ter uma imagem associada, isso é muito pessoal. Os videoclipes hoje funcionam mais como uma publicidade da banda que como uma questão estética.
Quem é o público dos Superhéroes?
São majoritariamente amigos. Aqueles que não conheço eu não sei bem se nos conheceram pela internet, ou nos viram em alguma turnê pelo litoral, ou simplesmente foram ao show porque um amigo nos recomendou.
Dá para ver que vocês são fanáticos por futebol, então eu tenho que perguntar: o Brasil é um rival melhor da Argentina na música ou nos campos?
No futebol, definitivamente. No Brasil existem boas bandas, por acaso estive de férias em São Paulo e no Rio de Janeiro há pouco e conheci duas bandas muito interessantes, Beach Combers e Apanhador Só, além de uma movimentação artística muito grande, especialmente em São Paulo. Mas não sei se o idioma faz com que não nos interessemos muito no que rola por aí, à exceção do futebol e das praias.
Em “Ubaldisney”, as letras eram, em sua maioria, sobre personagens: o “garoto fatal”, o fã, o sogro, o vendedor… Mas depois as letras passaram a ser mais sobre situações: conversas com namoradas, a vida em um escritório, etc. Acabaram os personagens?
As letras passaram a ser sobre situações porque nos demos conta de que havíamos feito muitas sobre personagens. Agora que temos muitas sobre situações talvez devêssemos voltar aos personagens. Ou tratar de escrever de outra maneira, o que é bastante difícil para nós.
Buenos Aires continua sendo o palco principal da banda?
Sim, porque é muito mais fácil para nós, por um monte de razões. Já tocamos em muitos lugares, gostaríamos de tocar em muitíssimos mais, porém é bastante complicado para uma banda como a nossa.
Tenho a sensação de que quase tudo que se escreveu sobre vocês na imprensa é sobre os cartazes e as formas que a banda usa para se comunicar – e quase nada sobre a música. Por que isso acontece?
Tenho duas teorias. Uma é que talvez sejamos muito bons nesse aspecto e musicalmente não somos interessantes. A outra é que quase nenhum meio mainstream fala de música, e sim sobre o negócio que gera a música, e os meios independentes seguem essa mesma dinâmica. Deve ser meio que uma mistura das duas coisas.
Quem foi a inspiração musical de vocês?
Quando éramos adolescentes, escutávamos principalmente punk rock. Era o começo dos anos 90 e íamos assistir a 2 Minutos, Mal Momento, Superuva, Bien Desocupados, Harinos de Maiz, Cadena Perpetua, para citar algumas [N. todas bandas do under punk argentino]. Estas bandas e algumas outras nos motivaram a querer fazer a nossa. Depois fomos crescendo e escutando outras, nunca deixamos de lado nosso papel de público e continuamos escutando banda novas o tempo todo, e elas nos influenciam.
O humor é parte dos Superhéroes: os cartazes, os títulos das músicas, as letras, o site, tudo tem um senso de humor evidente. Não temem que isso os transforme em uma “banda de piadas” perante o público?
Isso está bem claro para nós. Com o passar do tempo fomos tirando as piadas, deixamos de fazer os cartazes e o humor só aparece nas letras. Também porque o humor, além de não ser levado a sério, tem uma estética que tem que envolver a tudo ao seu redor, indiscriminadamente. Além disso, melhoramos muito musicalmente, isso se nota nos discos e nos shows.
– Leonardo Vinhas assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell e já escreveu sobre O Rock Argentino Depois De Cromañon (aqui) e entrevistou a banda Onda Vaga (aqui)
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