entrevista por Leonardo Vinhas
fotos por María Baümler
Tentar cantarolar um som instrumental é uma tarefa praticamente impossível para quem não é músico. Escrever esse canto de forma onomatopéica, então, é pedir para passar ridículo – mais ou menos como tentar “fazer” o som da percussão com as mãos quando você se empolga no meio de um show. O duro é que a música dos argentinos do Morbo y Mambo dá vontade de fazer tudo isso. E se a felicidade é perder o medo do ridículo, é certo que a música da banda pode te trazer felicidade, ou pelo menos, estados alterados de consciência.
A base de seu som está tanto no dub quanto no afrobeat. Metais, percussão e demais instrumentos estão a favor das baixas frequências e da movimentação do corpo, muito mais para o “mambo” (no sentido dançante da palavra) do que para o “morbo” (morbidez, em espanhol). A essa base, são agregadas pequenas matizes de jungle, dancehall e rock, que não maculam a vibrante fonte de inspiração da banda.
Maxi Russo (trombone), Fermín Echeveste (trumpete), Mateo González Aguilar (bateria), Manuel González Aguilar (baixo), Carla Flores (guitarra e, raramente, voz), Fer Barrey (percussão) e Mauro Alberelli (sintetizador e KP3) estão radicados no charmoso bairro portenho de San Telmo desde 2009, e já tocam juntos (com pequenas mudanças de formação) desde 2007. Têm dois EPs e um LP lançado. A estreia, “Das Papier”, é de 2009, e em 2011 vieram “Handleness” e o álbum que leva o nome da banda. Todos estão disponíveis para venda online, em formato digital, no site Bandcamp.com (http://morboymambo.bandcamp.com/), um canal utilizado com cada vez mais constância pelo underground argentino.
A banda passou pelo Brasil em 2011 e voltou daqui com uma forte impressão do circuito independente nacional. Foi sobre isso – e sobre a música, evidentemente – que o Scream&Yell conversou com o baixista Manuel Aguilar em uma longa troca de e-mails e telefonemas, que você vê em síntese a seguir.
Quando apresento a música de Morbo y Mambo para as pessoas, digo que é “música para estados alterados da consciência”. Porém me parece que para a banda o dançante é mais importante que o psicodélico, não?
Nosso som também funciona em estados ordinários de consciência! A mãe de uma amiga escuta nosso disco enquanto cozinha, no repeat! (risos) Na verdade, o que nos acontece fundamentalmente é que a música primeiro tem que nos convencer por si só. Os gêneros ou as características do que tocamos vêm depois, são mais uma consequência que um ponto de partida.
Sei que se apresentam como uma banda de afro beat, mas as influências são ainda mais variadas. A primeira impressão musical remete ao dub ou ao jazz, dependendo da canção que se escuta.
É um pouco o que comentávamos antes. Escutamos música em geral. Os estilos são acessórios, pelo menos em nossas canções nós os vemos como algo anedótico. O que tem que dar certo é o momento musical. Obviamente adoramos King Tubby, e nosso som mudou muito desde que conhecemos Fela Kuti. Mas procuramos não nos “encaixotar”. Tocamos o que nosso apetite vai pedindo.
A voz de Carla soa como um instrumento a mais. É como se as letras não fossem importantes, e sim que a voz deve agregar ao som.
Até agora essa é a intenção, completamente. Sempre pensamos em aportar a voz como uma textura somada às demais, não necessariamente tendo a vocalista como a figura que canta diante de uma backing band. “Das Papier”, como muitas de nossas canções, surgiu de uma improvisação. De fato a versão do EP é a gravação da primeira vez que a tocamos. Quando tocamos outras coisas ao vivo e Carla canta, ela arma as letras no momento, geralmente em inglês, e se baseia em situações que vê na frente dela.
Por ser música predominantemente instrumental, pode se dizer que vocês não têm pretensões comerciais. Mas se não há idioma e tendo a música como única linguagem, é mais fácil chegar a mais pessoas, não?
Pode ser. Na verdade nós não temos preconceitos, nem especulamos com os resultados do que fazemos, então nos movemos com uma estratégia centrada em brindar com uma boa proposta, sem pensar nos benefícios comerciais que isso pode atrair ou repelir. O que buscamos é a mensagem ou o significado [da canção] possa ser colocado por cada indivíduo que nos escuta. Tomando emprestadas as palavras dos MARDER, “é o que você quiser que seja”.
Há outras bandas na Argentina das quais vocês se sentem próximos em proposta musical?
Convergimos de diferentes maneiras com vários artistas daqui. Com o Mompox é sempre um prazer dividir shows. Talvez quanto a estilo não tenhamos tanto a ver, mas a química que existe entre as bandas sempre gera um clima de celebração selvagem do qual todos gostamos muito. Com eles armamos um projeto paralelo, Chorro y Narco, que aparece cada vez que pode, em festas ou mostras de arte. Adoramos o que Dietrich faz, estamos esperando ansiosos por seu disco. Com Prietto Viaja al Cosmos con Mariano [N.: é, esse é o nome da banda], nos sentimos como se fossemos amigos da rua: tudo fica muito familiar quando estamos com eles. Nós valorizamos muito o lado humano, e é com pessoas como eles ou os Tulús que nos sentimos identificados.
Por quais países já excursionaram, além do Brasil?
Até agora tocamos no Brasil e no Uruguai. O Brasil nos deixou maravilhados. Não nos cansamos de dizer que vocês têm muito mais caminho percorrido que o pessoal da cultura independente do nosso país. Sempre nos sentimos muito bem cuidados e trabalhamos entre profissionais [no Brasil]. Conhecemos diferentes formas de trabalho, desde a dos lugares centrais, que podem abrigar a grandes artistas da Europa ou EUA – caso do Studio SP ou do Teatro Odisséia, do Rio – até a missão de integração que o circuito Fora do Eixo tem em todo o país.
O que é a rede RECI? Como começou e como está hoje?
RECI foi o primeiro resultado do desembarque do Fora do Eixo na Argentina. Em março aconteceu o Primeiro Congresso Latino desta Rede, e as pessoas ali reunidas continuaram em contato, com a ideia de formar uma grande coletivo que se iniciaria em Buenos Aires, mas se projetaria a todo o país. Com o tempo, os integrantes do que se chamou RECI foram se informando e compreendendo as metodologias de trabalho, e foram organizados vários shows nos espaços culturais que fazem parte da Rede. De certa maneira, RECI é a semente do modo de trabalho que o Fora do Eixo expôs na Argentina, e que por sua vez desembocou em outros coletivos que são independentes da RECI, como o Colectivo Hiperactivo e o Intangible F.L.A.M.E.
Seus álbums e EPS estão disponíveis para venda digital, mas na Argentina (e no Brasil) as pessoas não costumam comprar música online. Vocês acham que isso pode mudar?
Está a ponto de mudar; em nosso país as lojas de discos estão cada vez mais desatualizadas, não refletem o que as pessoas estão escutando. Se houve um culto à loja de discos, agora ele está cada vez mais desnutrido. Fetichistas como nós sobrevivemos e há lojas que nos alimentam. O disco como objeto é algo belo, como os livros. Acreditamos que a venda online vai se inserir como hábito, mas leva tempo. O Bandcamp está tomando força há menos de um ano na Argentina, e agora o iTunes está por desembarcar em nosso país, ainda que os preços sejam em dólares!
Vão voltar ao Brasil logo?
Esperamos que sim! Temos muitos planos diferentes para organizar, neste momento vamos delimitar o cominho do futuro mais próximo. Também estamos gestando a produção de um tour pela Europa até a metade do ano, razão pela qual não sabemos o quão rápido voltaremos ao Brasil.
Para 2012, o que Morbo y Mambo estará fazendo?
Vamos continuar apresentando nosso LP em alguns palcos de Buenos Aires, temos a ideia de mostrá-lo também no interior de nosso país. Visitamos Brasil e Uruguai mas ainda não tocamos em Córdoba ou Rosário! Além disso, atualmente estamos planejando a gravação de um split com Prietto Viaja al Cosmos con Mariano.
http://www.morboymambo.bandcamp.com
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http://www.morboymambo.tumblr.com
– Leonardo Vinhas assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell e já escreveu sobre O Rock Argentino Depois De Cromañon (aqui) e entrevistou a banda Onda Vaga (aqui)