Cinema: Margin Call, O Dia Antes do Fim

por Itamar Montalvão

Os norte-americanos têm uma predileção especial pelo cinema como forma de exorcizar seus demônios. Eventos traumáticos da história dos EUA como a guerra do Vietnã, o assassinato de John F. Kennedy, os atentados de 11 de Setembro e os conflitos no Iraque e no Afeganistão, apenas para ficarmos no passado recente, foram todos parar no grande consultório de análise coletiva da nação. Com o chamado colapso dos subprimes, o pior desastre econômico desde a quebra da bolsa de Nova York de 1929, não seria diferente.

Três anos após o fatídico mês de setembro de 2008, quando bancos do porte dos vetustos Bear Stearns e Lehman Brothers ruíram como quitandas mal administradas, a crise que pôs à prova os fundamentos do capitalismo moderno chega aos cinemas naquele que David Denby, crítico da revista The New Yorker, chamou de “o melhor filme sobre Wall Street já produzido”. O assunto já havia rendido um documentário obrigatório, “Trabalho Interno”, vencedor do Oscar na categoria em 2010.

“Margin Call – O Dia Antes do Fim” (“Margin Call”, EUA, 2010) marca a estreia do diretor e roteirista J.C. Chandor nos longa-metragens. Oriundo da publicidade e dos documentários, Chandor narra as últimas 24h de um banco de investimentos (claramente inspirado no Lehman Brothers) antes do estouro da crise, um thriller que irá provocar no espectador muito da tensão típica dos clássicos de David Mamet e Sidney Lumet. Um feito e tanto para um jovem cineasta.

O longa, que teve sua primeira exibição na mostra não competitiva do Sundance Film Festival de 2011, conta com um elenco estelar capitaneado por Kevin Spacey, Jeremy Irons, Simon Baker, Stanley Tucci e Demi Moore.

Logo após ser demitido do banco, o gerente de riscos Eric Dale (Stanley Tucci, em atuação brilhante) entrega para um analista de sua equipe, o jovem Peter Sullivan (vivido pelo neo-Dr.Spock Zachary Quinto), um pen drive contendo o último trabalho ao qual vinha se dedicando, um estudo estarrecedor que demonstra que altas taxas de alavancagem combinadas com a queda dos títulos subprime estão prestes a fazer o patrimônio do banco centenário valer tanto quanto uma nota de três dólares. Não é preciso dominar o “economês” para entender que, naquele momento, o mundo como todos conheciam estava prestes a acabar.

Ciente do potencial explosivo do que tem nas mãos, Sullivan, um engenheiro espacial do M.I.T. que vai parar em Wall Street atraído pelo dinheiro, confirma os estudos do ex-chefe e dá início a uma reação em cadeia que irá tirar da cama toda a estrutura de comando do banco no meio da madrugada.

Kevin Spacey faz o papel de Sam Rogers, o terceiro na linha de poder, um sujeito decente que se vê diante do maior dilema moral em sua carreira de quase 35 anos no brutal mundo do mercado financeiro. É nele que se concentra a grande tensão narrativa do filme. Seus chefes imediatos, o diretor de operações Jared Cohen (Simon Baker) e o CEO John Tuld (Jeremy Irons), ao contrário, não demonstram o mais rudimentar drama de consciência enquanto passam a noite bolando o plano salvador capaz de tirá-los do buraco iminente.

Esqueça tudo (ou quase tudo) que você já viu sobre Wall Street em filmes do diretor Oliver Stone. Depois de Margin Call – O Dia Antes do Fim, Gordon Gekko vai parecer uma caricatura. Com seu estilo quase documental, J. C. Chandor não só aprofunda a discussão sobre a desintegração moral dos homens que definem os rumos das finanças mundiais, como também estende o debate ao modo de vida do americano médio, totalmente dependente de uma forma de riqueza tão ficcional quanto a arte que lhe é tão cara – o cinema.

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– Itamar Montalvão (siga @imont) é estudante de jornalismo e assina o blog Pop Bacana

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-“Trabalho Interno”, cinema político da melhor qualidade, por Marcelo Costa (aqui)

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