A Tatiana Vargas está concluindo a graduação em Estudos de Mídia, pela UFF, e defende nesta semana seu TCC cujo tema é Crítica Musical e Web 2.0. Alguns meses atrás ela me mandou essa batelada de perguntas, que respondi na época e publico agora (desejando boa sorte pra ela na banca)…
Alguns críticos, jornalistas e pesquisadores do assunto afirmam que a crítica cultural vive um momento difícil, devido a limitação do espaço destinado às análises mais acuradas na mídia, enquanto é cada vez mais comum, por exemplo, notícias no melhor estilo notas sobre celebridades. Vc acredita que a crítica está em um contexto de crise?
Está, mas não por falta de espaço. A internet está ai com o espaço para quem quiser fazer um trabalho bem feito. Basta querer. A crise, na verdade, demanda de algo mais complexo: a popularização da indústria. Nos anos 60 e começo dos 70, uma crítica negativa poderia causar o fracasso de um filme/disco/peça. Muito porque o principal veículo de informação era o jornal. Assim que a coisa toda se tornou mega, a crítica ficou de lado. A indústria – através do marketing e da publicidade – passou a falar direto com o comprador. Houve ainda um certo respiro nos anos 80/90 no Brasil, mas precisamos entender que vinhámos de um contexto de ditadura, em que a opinião era vigiada. Com a chegada da internet (e a internacionalização do mercado com Amazon e lojas online além dos downloads ilegais), o público passou a ter um acesso mais fácil a coisas que antes ele conhecia por um formador de opinião. Isso tudo tirou a força da crítica, mas é um retrato de época. Não dá para ser nostálgico e ficar chorando sobre a coca-cola derramada. A crítica ainda tem um valor imenso que é entender o contexto cultural. Um crítico é quase um filósofo moderno… (risos).
Em sua opinião, existe um jornalismo musical próprio da internet e outro sob a lógica da mídia impressa? O suporte pode conferir diferentes características em termos de qualidade à cobertura do universo musical?
São duas mídias completamente diferentes. Jornal é diário (revistas são semanais, quinzenais, mensais), internet é segundo a segundo. No entanto, o formato como se empacota a notícia pode ser diferente, mas a notícia é a mesma. A vantagem da internet é que ela possibilita agregar outras mídias. É possível falar de um disco e, no mesmo texto, incluir as músicas para o leitor ler e ouvir – algo impossível no impresso. No entanto, o impresso (assim como a televisão) ainda tem uma força imensa balizada no costume das pessoas. Se está no jornal, se está na TV, é verdade (algo, claro, bastante duvidoso, mas real). A internet, até pela quantidade de hoax, ainda não é tão levada à sério pelo usuário quanto deveria. No entanto, ela ainda permite cobertura em tempo real, criticas rápidas e agilidade na informação, material que se for conduzido por alguém de talento pode render muito mais do que o publicado em impresso (até pela limitação de espaço).
A urgência do jornalismo, especialmente em tempos de internet, que acaba exigindo que se acompanhe os fatos praticamente em tempo real, influencia o exercício da crítica? A qualidade de uma resenha pode ser afetada por essa necessidade de se cobrir os fatos?
Não acredito. Claro que quanto mais se ouve um disco, mais se conhece ele, porém, o estranhamento do novo e a adequação das repetidas audições também pode pender contra o objeto de estudo. Ainda assim, quantas vezes um crítico de cinema, teatro ou literatura consume seu objeto de estudo antes de escrever uma crítica? Pegue uma critica de 1800 sobre uma sinfonia erudita: o cara não ouviu aquela peça dez vezes para escrever. Você tem um contato com o objeto de arte e ele age de alguma forma em você. E é isso que você precisa entender, refletir e embazar. Porém, crítica é uma coisa. Acompanhar fatos é outra. A crítica se alimenta do hard news, mas ela tem seu próprio tempo.
Pode-se dizer que há uma ambiguidade na atuação do crítico profissional em um veículo de grande repercussão/mídia tradicional, ao mesmo tempo em que este pode manter um espaço próprio para produzir conteúdo sobre música – considerando que há a possibilidade de sair na frente da imprensa ao noticiar um novo álbum e até mesmo fazer a crítica do mesmo?
Mas noticiar não é crítica. A diferença começa por ai. Fazer a crítica antecipadamente é algo que existe desde a Idade Média. Alguém tinha acesso ao material antes e escrevia. Não entendi a ambiguidade – a não ser que você esteja falando de um jornalista que reporta notícias e também é crítico. Se for isso é preciso definir o que é crítica como conceito. Escrever um parágrafo sobre um disco não é a mesma coisa que tentar entender sua posição no tempo / espaço – que deveria ser a intenção da crítica. O que isso disco diz sobre a sociedade? É bom não confundir comentário com crítica.
Alguns veículos de grande repercussão já se adaptam à lógica da web (um exemplo interessante vem da ocasião em que o álbum “Angles”, do Strokes, vazou e alguns sites e impressos o resenharam, mesmo considerando a natureza “ilegal” do download). Vc acredita que a crítica pode ser comprometida, considerando os problemas característicos da dinâmica da web, como a qualidade inferior dos arquivos dos álbuns que vazam, ausência de ficha técnica trazendo informações que poderiam ajudar na análise e até mesmo, faixas que ainda não estão finalizadas?
Um disco é uma obra de arte fechada. Pensando assim, capa e encarte fazem parte do pacote. Como alguém poderia pensar em resenhar “Sargeant Peppers” sem aquela capa? Ainda assim, estamos falando de música, certo. A ficha técnica é algo extremamente importante para saber quem fez o que dentro daquele produto de arte – e como isso influencia o resultado final. Mas, na música pop principalmente, é tudo tão resumido no contexto de produção que muitas vezes mesmo a ficha técnica é dispensável. Lógico que a chance de alguém cometer um equivoco é enorme. Mas isso diz mais sobre quem lê do que quem escreve.
O que você pensa acerca da disseminação de blogs e sites amadores que se propõem a escrever sobre o meio musical?
Acho sensacional, mas isso não é critica. Obviamente, existem aqueles que se destacam, e que muitas vezes conseguem realizar um trabalho melhor do que o que está feito na grande mídia. Mas é raro, muito raro. No entanto, ajuda a disseminar a informação, a ideia de argumentação, e uma sociedade necessita de pessoas que saibam argumentar. Ainda assim é preciso verificar que um fã escrevendo na maioria das vezes não é argumentação, e sim puxação de saco.
Em sua opinião, o que leva uma pessoa a dedicar seu tempo livre a um projeto na web, – como um site sobre música – mesmo sem receber nenhum retorno material pelo trabalho realizado?
Existem milhões de formas de passar o tempo. Essa é uma delas. Tem gente que se realiza colecionando tampinhas, por exemplo. Vai muito de cada um, como um hobby.
Qual é a importância da crítica hoje?
Sinceramente, não sei. Vivemos em um mundo cada vez mais capitalista em que o lema “não pense, consuma” é levado ao extremo. A crítica propõe uma reflexão sobre isso – ou deveria. Acho o pensamento crítico essencial, mas pensar cansa. E o público do novo século parece ter nascido cansado. Uma pena. Ainda assim, os filósofos modernos persistem. Espero que, um dia, não sejam expostos em jaulas como um ser em extinção. Mas dai para o fim do mundo seria um pulinho.