por Igor Lage
“Hoje, os quadrinhos vivem seu melhor momento no Brasil”. A opinião do jornalista e desenhista Gualberto Costa, um dos criadores do Troféu HQMix, é compartilhada pela grande maioria dos especialistas e amantes da arte sequencial. E eles têm bons motivos para isso.
De fato, as bancas nunca tiveram variedade tão grande de títulos – são aproximadamente 115 lançamentos mensais regulares –, e as livrarias abrem cada vez mais suas portas para publicações do gênero. A velha trinca de super-heróis, Disney e Turma da Mônica ainda se mantém, mas agora cede espaço a mangás e quadrinhos europeus. Tudo isso sem contar a fase excepcional da produção nacional, que vem demonstrando qualidade em publicações independentes e de grandes editoras, sendo estas cada vez mais recorrentes.
Mas, acima de tudo, os quadrinhos nunca foram tão populares. Prova disso são as 148 mil pessoas que visitaram, entre 09 e 13 de novembro, a sétima edição do Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ), evento bienal realizado em Belo Horizonte, que promove debates, lançamentos, sessões de autógrafos e oficinas com quadrinistas nacionais e internacionais, além de especialistas na área. Para se ter uma ideia da dimensão desse número, a San Diego Comic-Con, considerada a maior convenção de quadrinhos das Américas, recebeu em 2010 um público de 130 mil pessoas.
Ainda mais impressionante do que a quantidade era a diversidade do público. De garotinhos de cinco anos que mal sabem ler a nerds barbudos metidos a sabichões (por que sempre tem um desses nas palestras?), o FIQ recebeu tanto os fãs ardorosos quanto os que foram passear em família.
Comparando com edições anteriores do evento, um nicho que cresceu notadamente é o de leitores de HQs orientais. Se na década de 90 a meninada estava mais interessada em acompanhar a Saga do Clone nas revistinhas do Homem-Aranha e a Era do Apocalipse na dos X-Men, hoje boa parte deles só quer saber de Naruto, Bleach e Fairy Tail. Essa boa aceitação dos mangás no mercado nacional puxou o bonde também para os quadrinhos coreanos (manwha), que foram destaque na programação com exposição própria e presença das autoras Park Sang-Sun (Tarot Café e Ark Angels, ambas já publicadas aqui – foto acima) e Chon Kye-Young (Unplugged Boy e Girl in Heels). Um detalhe interessante é que as duas são especializadas em quadrinhos voltados para o público feminino, mostrando que aquele velho conceito de que “gibi é coisa de menino” está morto e enterrado há tempos.
Os fãs das gigantes norte-americanas Marvel e DC Comics também não tiveram do que reclamar. Os chefões Eddie Berganza, diretor-executivo da DC, e C. B. Cebulski, editor e caça-talentos da Marvel, avaliaram portfólios dos que se arriscaram a mostrar seu traço. Uma ótima oportunidade para quem sonha trabalhar no lucrativo mercado gringo, que nunca foi tão receptivo. Um bom exemplo disso é que, hoje em dia, nossos artistas nem precisam americanizar o nome para assinarem as publicações de lá, como fizeram Deodato Taumaturgo e Eduardo Barros, mais conhecidos como Mike Deodato e Eddy Barrows.
O reconhecimento lá fora também chegou aos gêmeos paulistas Fábio Moon e Gabriel Bá (foto abaixo), que hoje desfrutam do status de celebridades (acessíveis, é bom ressaltar) nos eventos de quadrinhos. Autores da excelente graphic novel Daytripper, lançada recentemente no país pela Panini, os irmãos conquistaram em 2010 o Eisner Awards, o mais importante da indústria, de “Melhor minissérie” com esse trabalho. Na mesma premiação, Vampiro Americano, desenhada pelo gaúcho Rafael Albuquerque e escrita por Scott Snyder e Stephen King (é, ele mesmo), recebeu o troféu de “Melhor série nova”.
Moon e Bá passaram os cinco dias de evento em seu estande, recebendo fãs e concedendo autógrafos. Nos estandes próximos, quadrinistas não tão conhecidos, mas nem por isso menos talentosos, mostravam seu trabalho e vendiam suas próprias publicações. E é justamente aí que está o principal atrativo do FIQ. Ao unir artistas consagrados e independentes, o evento se transforma num ponto único de troca de ideias, contatos e, claro, quadrinhos. Para quem é do meio, o festival é uma celebração coletiva daquela que é a paixão que une todo mundo que está ali. Já para quem não está envolvido tão a fundo, é uma chance de explorar a atual produção nacional e suas diversas facetas, que vão desde a porralouquice da Prego até a delicada junção entre quadrinhos e música da Achados e Perdidos. E pela movimentação vista nos estandes, dá para perceber que o interesse pelas HQs independentes cresceu.
Ainda assim, é impressionante observar a espantosa popularidade do maior nome dos quadrinhos “mainstream” do Brasil. Soberano absoluto das bancas e dono de um carisma sem igual, Mauricio de Sousa move minimultidões, e é ídolo de todo mundo que estava no FIQ (ou quase isso). Para se ter uma ideia do tamanho de sua influência, as revistas mensais de seus personagens – 14, no total – são responsáveis por 86% das vendas de quadrinhos em banca no país. Fora o tanto de gente (eu, inclusive) que aprendeu a ler com as histórias de Mônica, Cebolinha, Cascão, Chico Bento, Magali e o resto da turma.
Então, imagine qual foi a reação desse público quando o jornalista Sidney Gusman, atual responsável pelo planejamento editorial da Mauricio de Sousa Produções, apresentou os teasers abaixo:
As imagens são do projeto Graphic MSP, que pretende produzir graphic novels das crias de Mauricio assinadas por outros artistas. Para essa primeira leva, foram escolhidos Danilo Beyruth, Gustavo Duarte, Shiko e os irmãos Vitor e Lu Caffagi. Já ouviu falar deles? Pois é. Uma das propostas do Graphic MSP é justamente apresentar esses artistas a um novo público, utilizando a popularidade dos personagens e aproveitando a oportunidade para experimentar com eles, em traços diferentes e novo formato. A ideia complementa a linha MSP 50, que comemorou o cinquentenário da carreira de Mauricio convidando 50 autores nacionais para desenhar histórias inéditas com seus personagens. O resultado recebeu críticas extremamente positivas e rendeu mais dois álbuns: MSP + 50 e MSP Novos 50.
Tudo isso só confirma aquela frase do Gualberto que abriu esta matéria: “Hoje, os quadrinhos vivem seu melhor momento no Brasil”. Tanto na publicação de títulos estrangeiros, quanto na produção nacional, o mercado está repleto de boas opções para os amantes da nona arte. E os mais preguiçosos nem precisam ir até a banca ou livraria mais próxima: a internet também está cheia de HQs gratuitas e geniais.
Durante seus cinco dias de realização, o FIQ fez jus ao título de “maior festival de quadrinhos da América Latina”, com ótima organização e público assombroso. Dos três dias em que eu estive presente, fica a sensação de que o evento é uma verdadeira celebração. Sim, nessas palavras clichês mesmo. Claro que havia as barulhentas excursões de colégios e os pais desorientados, mas a essência do festival era de pessoas realmente apaixonadas por quadrinhos. Artistas, colecionadores, editores, especialistas e leitores que encontravam naquele momento pessoas que compartilhavam do mesmo fascínio pela arte de contar histórias em desenhos cadenciados. Foi como um grande fã-clube que, pelo visto, não deve parar de crescer tão cedo.
Igor Lage (@igorlage) é jornalista, leitor de quadrinhos e assina o blog Nova Discoteca
Foto de abertura do post por Glenio Campregher; as demais fotos são de Nathália Turcheti (Divulgação FIQ-BH)
Leia também:
– 10 Pãezinhos – Scream & Yell Entrevista com Fábio Moon (2003), por Drex (aqui)
– Scream & Yell entrevista Laerte, por Leonardo Vinhas (aqui)
– “Bigodes ao Léu”, Laerte, por Leonardo Vinhas (aqui)
– Um breve ensaio sobre o Pelezinho, por Leonardo Vinhas (aqui)
– Blues, de Robert Crumb, por Marcelo Costa (aqui)
– Bionda, uma ladra que amarra e amordaça suas vítimas, por Leonardo Vinhas (aqui)
– Beatles e Johnny Cash em quadrinhos, por Adriano Costa (aqui)
– “O Pequeno Livro do Rock”, de Hervé Bourhis, por Adriano Costa (aqui)
– Cavaleiro das Trevas 2, por Diego Fernandes (aqui)
– Carl Barks, o gênio que reinventou o pato, por Leonardo Vinhas (aqui)
– Tio Patinhas, 40 anos de revista, muitos anos de vida, por Leonardo Vinhas (aqui)
– “Mulher Maravilha – O Espírito da Verdade”, por Leonardo Vinhas (aqui)
– Comprando vinis com Robert Crumb em São Paulo, por Marcelo Costa (aqui)
– Site oficial do Festival Iinternacional de Quadrinhos 2011: http://fiqbh.com.br/
“a nerds barbudos metidos a sabichões (por que sempre tem um desses nas palestras?)”
hahahaha é verdade lembrei de um sujeito assim na Rio Comicon deste ano.
É engraçado como neste ano as matérias de quadrinhos sempre ressaltam o bom momento e a inserção feminina, eu mesma fiz esses comentários em um texto também. Sempre me leio isso, me lembro do Arnaldo Branco autografando Mundinho Animal pra mim: “primeiro que autografo pra uma mina”.
E sensacionais as capas do projeto da MSP. Tirando o Danilo Beyruth, realmente não tinha ouvido falar de nenhum dos outros! Muito boa matéria 🙂
Muito boa a matéria.