Texto por Leonardo Vinhas
Fotos por Stephan Solon (Via Funchal)
O Bad Religion é praticamente o Iron Maiden do hardcore. Em comum, a formação com três guitarristas – mais pela brodagem que pelo som –, o séquito de fãs incondicionais, os álbuns mais recentes que ficam entre o correto e o insosso, e o fato de serem remanescentes de gerações que, musicalmente, já se extinguiram (a New Wave of British heavy metal, no caso do Iron, e a turma de primeira hora do punk californiano, no caso do sexteto de Los Angeles).
Porém, mais que isso tudo, o que favorece a relação entre as duas bandas é o fato de não se levarem a sério: estão no palco para divertir-se, dar ao seu público o que eles esperam, e depois seguir pra farra no país seguinte.
São 31 anos na estrada, e Greg Graffin pode continuar cantando “I Want to Conquer the World”, mas como ele mesmo reconhece nesta noite quente e chuvosa em São Paulo (13/10) antes de engatar essa canção, “é só nostalgia”. No show de Buenos Aires, ocorrido menos de uma semana antes (8/10), o mesmo Graffin anunciava entre uma canção e outra: “como temos 30 anos, vamos tocar coisas do começo, do período meio-clássico e também algumas modernas de merda”, segundo a reportagem de Federico Fashbender no site da Rolling Stone Argentina. E foi de fato um resumo justo do set list do show brasileiro.
Como o guitarrista (e membro fundador) Brett Gurewitz nem sempre viaja com a banda, o Bad Religion que deu as caras no Via Funchal tinha apenas Brian Baker e Greg Hetson nas seis cordas, enquanto Jay Bentley e Brooks Wackerman cuidavam da cozinha. Como quinteto, soltaram uma “The Resist Stance” (uma das poucas do álbum mais recente, “The Dissent of Men”, a figurar no set list) toda pesadona na abertura, e logo como terceiro tema, “21st Century (Digital Boy)”, hit de identificação imediata até para não-fãs, puxando um coro intenso e um espocar constante de flashes de câmeras digitais (vai longe o tempo em que os fãs brasileiros da banda saíam a pogar).
Neste início de show, já deu para ver que os músicos estavam felizes: tudo mundo bem alimentado, saudável, as aparências enganando as idades – que já beiram, em média, os 50. Bentley segue brincando de rock star, com as poses e gestos de sempre (é uma atração à parte); Graffin brinca com sua estampa mista de professor (o que realmente é: leciona Evolução na Universidade de Cornell, em Nova York) e mestre-de-cerimônias; Wackerman “metaliza” a bateria. Até Hetson, que por muito tempo parecia a forma decrépita do Mumm-Ra, estava inteiraço e empolgado, correndo de um lado para outro no seu canto do palco.
Tudo isso rende uma sincera agitação, e o repertório equilibra canções conhecidas o suficiente para agradar ao público (majoritariamente masculino e na faixa dos 30) sem deixar de lado aquelas que ninguém vai se incomodar muito em perder para buscar uma cerveja ou dar um pulo no banheiro. Graffin sabe disso e aproveita os intervalos entre as canções para exercer seu lado entertainer: tira onda da fidelidade cega do público, anuncia a aposentadoria após o fim da turnê (desmentida minutos depois), elogia o bairro paulistano dos Jardins antes de tocar “Atomic Garden” e cita Tom Jobim para falar de “canções que superam a barreira da língua” ao introduzir “Do What You Want”… Você não leu errado: o decano do punk californiano estava apaixonado pelos Jardins e pela música do falecido Antonio Carlos. É sério! Mesmo o repórter mais imaginativo não conseguiria inventar este tipo de coisa.
Essas são pistas claras de quem – ou melhor, do que – é o Bad Religion de 2011: uma banda que não está propriamente no piloto automático, mas que sabe que os dias de “punk combativo” já ficaram para trás há muito tempo, mas também que querer inovar é arriscado e, do ponto de vista pessoal, desnecessário. Aceitam essa situação numa boa, e levam a vida adiante, como quem já deu o que tinha para dar e agora só quer curtir a vida.
E todo mundo curtiu junto: ter um bis com “American Jesus” e “Infected” nos faz lembrar – pelo menos para quem tinha o Bad como banda de cabeceira nos 17 anos – que a banda que pôs o punk rock nas rádios e na MTV era a banda que, musicalmente, tinha muito mais que punk para dar. “American Jesus”, aquela grande canção rock’n’roll que nós, bobinhos, desdenhávamos como “comercial”, é recebida com a justeza que merece – e podemos finalmente lavar nossos ouvidos de tanta versão ruim executada por bandinhas idem em bares por aí. E “Infected”, a melhor canção do Bad Religion, a única que ligava o espírito agressivo e inconformista da banda em sua primeira década com o apuro musical que se insinuou – e nunca se desenvolveu tanto quanto se supunha – nos álbuns “Recipe for Hate” e “Stranger than Fiction”. Ainda que ao vivo ele não tenha o abandono da versão de estúdio, não dá para passar incólume pelos versos do refrão (“you and me / have a disease / you affect me / you infect me / I’m afflicted, you’re addicted”) ou por seu clima de hemorragia emocional.
Também há que se louvar execuções irrepreensíveis de canções tão díspares quanto “No Control” e “Los Angeles Is Burning”, a matadora seqüência com “Anesthesia”, “Along the Way” e “Fuck Armaggedon… This Is Hell”, e a boa vontade no momento “Julio de Sorocaba” da noite, quando Graffin puxou um moleque da platéia para cantar (e bem) “Modern Man” do começo ao fim, após o cidadão segurar uma camiseta onde se lia “please let me sing modern man” durante metade do show.
É exatamente por isso (e porque uma cirurgia que sofri na coluna limita muito minha resistência física) que vou embora aos primeiros acordes de “Sorrow”. Porque a adolescência já tinha sido homenageada, e não precisamos estragar o momento com a lembrança de que foi o Bad Religion quem lançou, ainda que involuntariamente, as bases pro “hardcore melódico” e – horror! – pro “emo”. Porque sem Bad Religion não existira Millencollin, No Fun At All e todas as bandas da Epitaph.
Também não precisávamos lembrar que o Bad virou uma caricatura de si mesmo, plagiando as bandas que eles mesmos influenciaram (o que é “Come Join Us” senão o Pennywise num domingo de tarde?). Se é para ter uma lembrança do Bad ao vivo, que seja a deles se autoparodiando, começando o bis com um solo de bateria antes de “American Jesus” ou executando “Generator” como uma balada metal antes de explodir no hardcore. A ideologia morreu, a retórica fica nas letras e só sobra a diversão. E no fundo, era isso que os fãs trintões, barrigudos e cheios de cerveja queriam: duas horinhas nas quais pudessem escapar de uma rotina mediocrizante. É o que as bandas poseur sempre se propuseram a dar. Não que o Bad Religion seja poseur – já passaram da fase de discutir isso, e nós também. É só que, no fim, punks just wanna have fun.
perfeito..foi o mesmo que aconteceu em curitiba..trintões de classe média..tiveram 2 horas de ótima diversão ..não vai mudar o mundo ..mas não deixa de ser bom!
Eu vi o show em Curitiba e o set list foi o mesmo,mas o que eu ia dizer é que não deixa de ser engraçada a comparação com o Iron Maiden,apesar de não haver ditadura na banda(Steve Harris?) e de os discos recentes serem melhores do que os dos Irons.Mas um show do Bad é sempre muito divertido,isso nunca se pode reclamar.E os punks também tem direito a diversão,ao mesmo lado que a contestação.Que eu saiba isso sempre foi recorrente em todo o movimento,certo?Mas é sempre bom ver uma banda dessas inteira depois de tanto tempo e com tesão de tocar,isso que importa.
entendo o argumento central do texto, mas discordo de algumas coisas. pra começar, não acho os discos recentes fracos. não são clássicos como os de 15 ou 20 anos atrás, mas são ótimos álbuns pra quem gosta do estilo. também não acho que o ‘hardcore melódico’ esteja tão morto quanto o nwobhm. e acho louvável que os caras da banda não escondam suas idades. não pintam seus cabelos compridos ralos como tantas bandas e não escondem suas barriguinhas. o careca greg graffin se apresenta de jeans, sapatos e camisa, como deve dar aula em cornell ou na ucla.
concordo que a diversão é o foco do show, mas também não acho que a mensagem esteja totalmente perdida. a banda ainda se chama ‘bad religion’ e exibe seu logo com uma cruz cortada no bumbo da bateria. graffin e gurewitz ainda escrevem suas letras atéias e contestadoras, e criticaram abertamente a politica imperialista americana na última década.o professor também lança livros de biologia evolucionista e vai a programas de tv conservadores defender sua banda, o ateísmo e evolucionismo. não é exatamente só diversão nostálgica.
de resto, o show de brasilia pode ter sido um pouco diferente do são paulo (o setlist foi o mesmo pra toda turnê sul-americana) no sentido em que trintões se misturavam com garotos de 15 anos e o público classe-média com os ‘rockeiros sujos e bebados’ vindos das cidades-satélites, possivelmente devido à gratuidade do show. mas o fato é que as rodas-punk em frente ao palco estavam violentas e pingando suor, o pessoal da frente estava sendo esmagado contra a grande, alguns malucos escalaram a estrutura da tenda-túnel pra ver melhor o show, e a banda teve que para de tocar pra eles descerem de lá. ou seja, um legitimo show de punk-rock.
Uma das piores resenhas que eu já tive o desprazer de ler.
Parabéns.
perfeita resenha, falou tudo.