por Murilo Basso
Com dez anos de estrada, o Pública se destacou ao conseguir desenvolver de forma solida sua proposta musical. Desde então o quinteto colecionou críticas positivas respaldando dois bons álbuns.
Agora os gaúchos lançam oficialmente seu terceiro trabalho: “Canções de Guerra” (liberado grauitamente no site oficial da banda: http://www.publicaoficial.com) é um disco forte, que pode ser interpretado de várias maneiras, marcando uma mudança na sonoridade que se concretiza ao longo do trabalho – as canções remetem a experiências pessoais que ainda se fazem presentes nas vidas de seus integrantes.
Gravado no Rio de Janeiro e produzido novamente pela banda em parceria com Marcelo Fruet, “Canções de Guerra” foi mixado em Porto Alegre e masterizado nos EUA, revelando um cuidado especial com todas as etapas do processo de gravação já característico do grupo.
E se os trabalhos anteriores eram marcados por referências aos Beatles e à bandas como Smiths e Oasis, “Canções de Guerra”, ao retratar a angústia do século XXI sem nenhum tipo de hesitação, apresenta uma espécie de introspecção melódica até então sutil na discografia da banda.
Em entrevista ao Scream & Yell, o vocalista Pedro Metz revela a influência de São Paulo e todo o processo de concepção do mais novo trabalho do grupo. Confira o bate papo e ouça o disco no player mais abaixo.
Quais as expectativas da banda com o novo trabalho?
Em termos de retorno das pessoas que se interessarem em ouvir são muito boas. É um trabalho que reflete um momento muito importante para a banda, um período de mudanças. Só que voltando um pouco mais ao cerne da pergunta, não sabemos como os diferentes públicos da banda e a imprensa, irão receber o disco. O que posso dizer é que todos os músicos que têm ouvido ficaram muito impressionados com a consistência.
E quanto à experiência de gravar no Rio de Janeiro? Os dois primeiros discos foram gravados em um sitio…
Foi ótima! Fomos muito bem recebidos pelo pessoal do estúdio Jimo, que é do Lobato, do Rappa. Em todos nossos discos realizamos deslocamentos para gravar: quando morávamos em Porto Alegre, gravamos dois discos no sítio da minha família. Agora que moramos em São Paulo, fomos para o Rio de Janeiro. Lotamos o carro duma super amiga nossa com os equipamentos e o restante da banda foi de ônibus. Foram 13 dias no Rio, 11 deles trabalhando exaustivamente. Chegamos a gravar 20 horas seguidas, mas foi um período muito agradável.
Rolaram muitas diferenças no processo de gravação deste para os dois primeiros trabalhos?
Cara, nos dois primeiros levamos um estúdio para o meio do mato e ficamos confinados durante 11 dias. O sitio é muito isolado, sem contato com o resto do mundo, sem telefone, internet, tv, nada. “Canções de Guerra” foi gravado no Rio de Janeiro, então de início já há essa diferença clara de ambiente. Mas como tu acaba mergulhando no trabalho, isso é só um detalhe. O processo de captação em si não mudou tanto. Produzimos novamente com o Marcelo Fruet, então o método já estava definido. Claro que todos estão mais experientes e conhecedores das malandragens de estúdio. Às vezes isso é bom, porque conseguimos bons resultados, mas há mais discussões, todos se envolvem mais.
O fato de agora estar vivendo em São Paulo teve influencia direta no processo de construção do disco?
Teve uma influência decisiva. Na verdade, era previsível que São Paulo nos afetaria, então decidi fazer as letras depois que a euforia inicial da mudança terminasse. São Paulo é bem diferente de Porto Alegre, mas uma das maiores diferenças é o fato de ser uma cidade brasileira, com artistas de todo país e ser uma megalópole, o que traz dificuldades e oportunidades incríveis. Em Porto Alegre tu fica restrito a cultura local. Aqui somos amigos de diversas bandas nordestinas, do norte, paulistas, cariocas, cuiabanos, curitibanos… Isso acaba te enriquecendo musicalmente; essa troca é muito importante. E acabou fortalecendo a temática do disco: essa busca para se estabelecer num mercado fragilizado, na condição de músico autoral fazendo rock.
Vocês já se referiram ao disco como um trabalho diferente. O que mudou?
Mudaram integrantes, mudou a cidade, a temática e os arranjos. Mudou nossa forma de se relacionar com música. No fim mudou quase tudo, só que a essência da banda se manteve. Então algumas pessoas podem achar bem diferente, outras nem tanto.
Falando nisso, para a banda, o que representou a saída do Cachaça e entrada do Alexandre?
É difícil falar isoladamente, mas o Papel (Alexandre) entendeu que a banda precisava mudar sem perder a essência. Em termos musicais, eles são bem distintos: a escola do Cachaça vem do Pixies, Television, bandas mais undergrounds. O Cachaça deu uma cara para a Pública no momento de formação da banda, o que é muito importante. Já o Papel vem, basicamente, do Blues. É um dos caras que mais gravou discos no Rio Grande do Sul. Tocou no mundo inteiro. Quando os “blueseiros” gringos vêm sem banda para o Brasil, normalmente ele acompanha como baterista. E ele entrou na Pública com um forte envolvimento, pesquisando coisas para colocar nas músicas, tocando de uma forma que nunca havia tocado. O Papel mudou a Pública e a Pública mudou o Papel.
O pessoal do Mombojó disse uma vez que compunha suas músicas pensando nos clipes delas. Também tenho essa sensação com o pessoal da Apanhador Só. E é nítido o cuidado que vocês têm com o videoclipe. Você já chegou a compor / arranjar pensando em imagens?
Em imagens, todo o tempo, mas não no clipe, porque o clipe não deve, necessariamente, ser uma cópia da música. Acho que nosso primeiro vídeo desse disco, “Corpo Fechado”, tem uma outra história, um outro olhar sobre a letra. Em “Long Plays” também conseguimos sair do óbvio que a letra propunha. Clipe é uma coisa, música outra.
Em “Canções de Guerra” senti uma preocupação com as composições de quem não está só trabalhando com as possibilidades sonoras que tem a sua disposição. Foi um disco inteiramente pensado?
Foi um disco em que tivemos muita preocupação em amarrá-lo, em criar conexões entre as músicas. A parte mais difícil, falo por mim, foram as letras. Eu não me dou bem com “o momento” de compor. Então faço muita coisa na rua, no metrô, caminhando, num bar, sem anotar. Depois vou lembrando. Foi muito aos poucos esse processo. Quanto aos arranjos há uma peculiaridade. Como estamos sem um pianista na formação oficial – nos shows e nas gravações chamamos um quinto integrante –, arranjamos o disco como um quarteto. Então as músicas tinham que ficar boas sem o piano. Mesmo assim isso foi uma incógnita até a hora de gravarmos as teclas. O Luciano Leães, responsável pelos pianos do disco, não chegou a ensaiar com a gente. Passamos as músicas de uma forma bem bruta pra ele. Ainda bem que ele é muito foda e, embora seja originalmente um pianista de blues, entendeu exatamente o que queríamos.
Também é nítido o cuidado com todas as etapas do processo de gravação (masterização e mixagem). Qual a importância do trabalho do Brian Lucey no resultado final do trabalho?
Masterização, que é o caso do Brian (que fez o “Brothers”, do Black Keys), é sempre uma etapa controversa. Nos três discos pedimos pra que se preservasse a mixagem e suas dinâmicas, sem grandes achatamentos. E o Brian fez isso. Porque a masterização pode simplesmente cagar todo um trabalho de meses. Uma coisa curiosa é que mandamos como uma das referências de som o último do Arcade Fire. Ele respondeu dizendo que não gostava do som do disco (risos). Então pensamos: “se ele não gosta, que deixe melhor” (risos). Mas aqui cabe também uma valorização do trabalho do Marcelo Fruet como técnico de gravação, do Lobato, dono de um estúdio com ótimos equipamentos e do Juninho, que mixou pacientemente o disco. Eles são mais importantes para a qualidade de áudio do que o Brian.
O que achei mais bacana é a sensação de que timbres, estruturas e até mesmo o estilo se tornam referências, trazendo novas possibilidades criativas. Percebe-se que é um disco da Pública, mas não há um saudosismo em relação aos primeiros trabalhos…
Sim, era hora de mudar. Se ficássemos presos às antigas formas estaríamos dando um atestado de acomodação e esse disco é exatamente o contrário. Ele reflete nossa luta como músicos em sermos relevantes musicalmente, textualmente…
Acho que até por isso “Como Num Filme Sem Um Fim” parece ter um clima de revisão em relação ao primeiro disco, de uma organização e apropriação mais ativa das influências. Já “Canções de Guerra” me soa como uma evolução natural.
Acho que é por aí. Também acho que é um caminho natural. “Canções de Guerra” é como se fosse o nosso “Ok Computer”. Não estou querendo comparar os discos, mas há certa similaridade na evolução dos discos dentro da discografia das bandas. Em geral no primeiro disco tu emula um pouco as tuas influências, depois tu trabalha isso e surge “o” som da banda. A etapa a seguir, obviamente, é refinar esse som. Acho que conseguimos fazer isso.
Outro ponto é que “Canções de Guerra” trabalha mais com uma espécie de introspecção, há melodias e climas mais densos. Em um primeiro momento não senti nada tão radiofônico como seria, por exemplo, “Long Plays” e “Casa Abandonada” nos trabalhos anteriores.
Cada música nasce com uma vocação. Tu pode direcionar elas para diferentes formas, mas a canção é o que fica. Sabemos fazer músicas radiofônicas, mas acontece que hoje em dia é muito difícil determinar o que é ou não radiofônico. Quando eu era piá o pop tinha melodias perfeitas. E hoje? “Long Plays” e “Casa Abandonada” são temas mais leves. Isso é fazer música pop? Para mim as melhores músicas são as tristes, notas menores. Então tudo isso causa uma imensa confusão na tua cabeça. Resolvemos que simplesmente íamos deixar as músicas o melhor que pudéssemos, sem pensar em pop, radiofônico… Agora resta torcer para que as canções agradem. Eu não acho que o disco seja difícil. Tenho ouvido muito a palavra ‘adulto’ para qualificá-lo. Daí tu abre o twitter, facebook ou o youtube da banda e milhares de jovens estão adorando o disco. Isso é um prêmio para gente. Acho que as coisas não são excludentes, elas se complementam. Um exemplo disso é que “Corpo Fechado” não pára de tocar nas rádios de Porto Alegre, que são as que nos dão abertura.
Falando em “Corpo Fechado”, ela tem uma reflexão mais intensa sobre a religião. E é algo que me surpreendeu. Não que essa temática ainda não tivesse sido abordada pela Pública, mas agora ela me pareceu mais intensa, mais direta. Tem algum motivo especifico?
Não acho que seja tanto sobre religião. Acho que é sobre espiritualidade, sobre lidar com a ausência, admitir a possibilidade de algo mais. São coisas com as quais sempre trabalhei, porque a morte do meu pai, em 1996, me fez questionar isso. Não quero explicar muito a letra, mas ela tem um clima revisionista, do ponto de vista de alguém que já nos deixou.
Já “Das Coisas que eu não fui” me soou como uma espécie de continuação de “Casa Abandonada”.
Se tu dissesse que ela é uma continuação do álbum anterior, concordaria mais contigo! (risos). Porque no “Como num Filme sem Fim” já estávamos exercitando este flerte com o groove, com os sons negros. Não é à toa que ela abre o disco.
“Cartas de Guerra” remete diretamente aos anos 60. E tem aquele backing vocal feminino que encaixou perfeitamente com a canção. Como surgiu? A canção em si e a idéia do vocal feminino…
Bom, eu e o Guilherme viemos de famílias ligadas à música gaúcha. Participamos quase todos os anos de um festival chamado Barranca. Este festival é cheio de peculiaridades, é realizado toda Semana Santa, em São Borja (RS). Músicos do Rio Grande, da Argentina, se reúnem na beira do rio Uruguai, em barracas, basicamente para encher a cara e fazer música. Não é permitida a entrada de mulheres. Todo ano é dado um tema para quem quiser apresentar uma música. Eu tinha um esboço dessa canção, sem letra, e mostrei para o Gui, que sugeriu umas mudanças de melodia e as notas da parte final. Fiz a letra com outro broder, o Nandico, mas era bem diferente desta que está no disco. Nos apresentamos no festival e os “gaudérios” ficaram espantados com nossa apresentação, porque foi uma coisa realmente inusitada. Eu já queria que ela fizesse parte do disco, mas sabia que ia ter que mudar a letra. Refiz a primeira estrofe e pensei em convidar o Helio (Vanguart) para fazer a segunda estrofe. Chegamos a nos reunir. Ele sugeriu uma ou duas frases pra parte final da música e ficou de me mandar a segunda estrofe. Só que ele tava compondo o disco do Vanguart, meio sem tempo e nós tínhamos que gravar a música. Como a letra do começo falava da experiência de um homem ao presenciar a guerra, pensei em dar uma resposta, a mulher que sentia falta do homem, com o filho em casa, angustiada pela possibilidade da perda. Uma das minhas músicas favoritas é “Passarim”, do Tom Jobim, que tem um coro de vozes femininas maravilhoso. Daí foi só somar “um + um”.
No final da audição fica uma sensação angustiante. E isso fica evidente no final do disco, com “Apagar das Luzes” e “Silenciou” e toda a atmosfera de tensão. Essa angustia retratada é um caminho sem volta?
Pensamos em colocar “Não há Outro Caminho” como última música, porque ela tem uma mensagem um pouco mais otimista e poderia direcionar para um próximo álbum. Mas no final achamos melhor acabar com “Silenciou” mesmo. Quanto a este caminho sem volta, realmente queria saber a resposta. Há boas intenções, boas ações, pessoas que fazem a diferença e te dão um ânimo para seguir em frente. Mas é um momento muito estranho. Prefiro esperar e ver no que vai dar tudo isso: cultura digital, colapsos financeiros, emburrecimento, ao invés de reclamar. Sou uma pessoa esperançosa, pero no mucho!
Ouvi o disco anterior da Pública com o incômodo de pensar que os vocais eram parecidos com os do Roupa Nova. Tomara que tudo tenha mudado.
Achei esse disco muito bom,é uma evolução natural mesmo perante os dois primeiros.Está mais “soft-rock” e progressivo,com esses pianos,talvez seja influência mesmo.No primeiro é pós-punk,no segundo tem um monte de influencias e agora assim.Eles são do tipo de banda que não dá ponto sem nó,simplesmente capricham muito nas musicas.