por Adriano Costa
Amazônia. Lugar de mitos e riquezas, que desde tempos idos provoca gigantesco interesse em estrangeiros, governos e aventureiros de plantão. Marcelo Rubens Paiva decidiu mergulhar nesse cenário no seu terceiro livro “Ua:Brari”, lançado em 1990. Com ironia e extremo senso crítico (mas não menos divertido) criou uma história meio inverossímil, é verdade, mas não menos instigante. Em 2011 a Editora Objetiva reedita a obra em versão de 256 páginas.
“Ua:Brari” sempre foi um dos trabalhos mais intrigantes de Marcelo Rubens Paiva. Ao misturar uma história tradicional de amores entrelaçados, traições e drama familiar com lendas, misticismo e política, elaborou uma trama de tensão e relevância para o que ocorria nos anos 80. O aspecto geral em torno da Amazônia não mudou tanto (ou quase nada) nesses anos, porém, ao reler hoje o livro, percebe-se que o tempo não lhe fez tão bem e o impacto diminui.
A Amazônia hoje continua sendo palco de disputas diversas e não obstante a grande maioria sempre quer levar vantagem. Os planos mirabolantes dos governos em “levar o progresso” para a região tampouco se acabaram, mesmo que tenham diminuído de ritmo, e as disputas com os índios restantes (e agora cada vez mais agregados ao mundo), vez ou outra são destaque nos jornais. Muito menos nossas fronteiras hoje estão livres do comércio ilegal.
Então o que necessariamente faz o tempo diminuir “Ua:Brari”? O tom com que Marcelo Rubens Paiva escreveu. Há de se convir que obras feitas em um determinado período precisam ser compreendidas de acordo com seu tempo. Temos inúmeros casos desse tipo. No entanto, um dos maiores charmes de “Ua:Brari” não era o triângulo amoroso entre Fred, Bia e Júlio, ou a difícil relação do messias Zaldo com a família, mas sim o cenário geral em que se inseria.
O tom com que se retratava o norte do país, mesmo considerando a carga de ironia embutida, era jocoso, mas até condizente, apesar de mostrar em última instância uma grande parte do pensamento “desenvolvido” do sul/sudeste. Ao narrar uma escolha de miss em uma cidade do Pará (São Félix do Xingu), em que o ator Mário Gomes (lembra dele?) era presença certa, mostrava questões que hoje os avanços tecnológicos e culturais reduziram bastante.
A história por trás da história, entretanto, ainda carrega sua força. Nela, Fred, um jornalista envolvido com uma mulher na porta do casamento, é mandado para a Amazônia atrás do irmão do homem que a mulher pela qual está apaixonado vai casar. Lá se depara com o ser humano atrás de qualquer salvação que seja e uma região onde os governos militares tentaram mudar e só conseguiram atiçar a cobiça e criar dores na população que lá morava ou por lá se arriscava.
À procura por Zaldo (o irmão desaparecido que vira uma espécie de Deus) traz uma loucura envolvida que ao mesmo tempo fascina e assusta. O jogo sujo de interesses e a facilidade com que centenas podem se juntar a troco de nada, ainda são relevantes nesse escrito de Marcelo Rubens Paiva. O que hoje deixa a desejar é o tempo em que as situações se desenvolvem e como elas são contadas, retirando aquilo que “Ua:Brari” tinha de extraordinário e lhe transformando em comum.
Foto de Bruno Graziano, do blog Fatos Reais Que Nunca Aconteceram
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– Texto: Adriano Mello Costa (siga @coisapop) assina o blog Coisa Pop
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Dos livros do Rubens Paiva, talvez esse seja mesmo o mais exótico, e o que tenha envelhecido pior. (Bala na Agulha também perdeu um pouco da força, mas pelo andamento mais “thriller”, acaba não sofrendo tanto).
O que não faz com que o livro deixe de ter seu charme, apesar de me lembrar (E MUITO) Apocalypse Now – e por consequência, Coração das Trevas.
Vale a leitura, mas só para os já iniciados em MRP.