por Marcelo Costa
Jeffrey Jacob Abrams tem um currículo de grandes serviços prestados a Hollywood e à TV norte-americana. De roteirista de “Armageddon” (bobagem de 1998 dirigida por Michael Bay) a co-roteirista e diretor de “Missão Impossível III” (2006 – ele ainda tem seu nome envolvido em filmes como “Cloverfield” e “Star Trek”) passando pela co-criação, roteirização, produção e direção de séries de sucesso como (In)“Felicity”, “Alias” e, seu maior hit, “Lost” (pelo qual ele ganhou dois Emmy e um Globo de Ouro).
Uma olhadela desleixada no currículo do homem permite a criação de uma série de pré-conceitos: JJ Abrams gosta de se envolver com projetos milionários que tenham um pé na ficção cientifica, no sobrenatural e no cinema catástrofe. Coisas grandiosas e sem lá muita profundidade (grupos de estudo, fãs e obcecados por séries podem discutir “Lost” por semanas a fio, mas a série ainda parecerá uma versão alegórica um tiquinho mais delicada e fantasiosa do purgatório de Dante Alighieri) que entretém e diverte.
Não à toa, o anúncio da união de JJ com Steven Spielberg pareceu, num primeiro momento, a grande peça que faltava para fechar o grande quebra-cabeça do cinema de entretenimento nos anos 00 – um território que virou salão de festas da Pixar. De um lado, um dos poucos nomes da atualidade com um senso de apego à magia do cinema como diversão e, do outro, um dos mestres eternos do estilo, o homem que conseguiu alcançar o nível de Walt Disney – mas com pessoas e efeitos no lugar de tinta e caneta.
Steven Spielberg assina a produção executiva, ajudou a escolher o elenco infantil de “Super 8” e deve ter dado uns pitacos aqui e ali, mas todo o resto é de JJ Abrams, que assina roteiro, dirige e trouxe protegidos para o projeto: o fotógrafo Larry Fong tem no currículo filmes como “300” e “Watchmen”, mas trabalhou com JJ no piloto de “Lost” e em mais sete episódios da série. Michael Giacchino, que assina a trilha, é velho companheiro do diretor (de “Alias” e “Lost” a “Missão Impossível III” e “Star Treck”).
Ou seja, quem esperava um filme dividido em metades iguais entre Abrams e Spielberg pode se decepcionar na sala de cinema. Se fosse para citar um número, talvez chegássemos a 30% para Steven e 70% para JJ, mas mesmo estes 30% de Spielberg não parecem ser fruto direto do diretor de “ET”, mas sim uma releitura em forma de homenagem que JJ decidiu fazer de um dos diretores mais emblemáticos da história moderna de Hollywood. E é nesse quesito que “Super 8” melhor funciona.
A história de “Super 8” se passa em 1979, numa pequena cidade do estado de Ohio, nos Estados Unidos. A abertura é de um lirismo impressionante, um dos melhores motes usados na história do cinema para colocar a morte de uma pessoa com significado na trama. Corte para o jardim da casa de Joe Lamb (Joel Courtney), tomado pela neve. Dentro da casa, pessoas comentam a morte da mãe do garoto, que sentado em um balanço tenta avaliar sua grande perda.
A dor permanece, mas a vida segue. Joe tem algo entre 13 e 15 anos e passa o tempo todo ao lado dos amigos Charles (Riley Griffiths), Martin (Gabriel Basso) e Cary (Ryan Lee), e o pequeno grupo está filmando uma produção D em Super 8 para participar de uma competição local para jovens cineastas. Charles é o diretor (parece até um Hitchcock precoce), Martin atua enquanto Cary é responsável pelos efeitos, pela fotografia e pelo papel macabro de zumbi. Joe é responsável pela maquiagem.
Esse núcleo infantil de jovens empreendedores do mercado cinematográfico (sem nenhuma ironia), reforçado posteriormente com a presença iluminadora de Alice Dainard (Elle Fanning), passeia por “Super 8” deixando para trás rastros de nostalgia que, talvez, só maiores de idade consigam detectar. Enquanto a ficção cientifica ameaça destruir “Super 8”, a simplicidade de jovens garotos tentando fazer cinema remete a um tempo perdido – em que o próprio Spielberg fazia seus filmezinhos no quintal de casa.
Essa é uma das duas partes em que “Super 8” é dividido. Na outra, o mito da Área 51 é revivido permitindo a JJ criar um monstro semelhante ao Black Smoke que aterrorizou a série “Lost” – e que, ainda hoje, suscita dezenas de teorias. No caso de “Super 8”, há um alienígena (do qual pouco se saberá no restante do filme) assustando uma cidade após um impressionante descarrilamento de trem. Alheios aos fatos que ocorrem ao seu redor, o grupo de jovens quer mais é terminar seu filme. Cinema em primeiro plano.
Do choque entre o apreço de JJ pelo cinema pipoca e a homenagem à Spielberg surge uma lacuna interessante, um desencontro entre produto e público que vitima “Super 8”: ele parece um filme feito para quem tem entre 10 e 15 anos, mas só quem tem o dobro disso conseguirá aproveitar a nostalgia e a homenagem a contento. É como um jogo antigo o qual brincamos e nos divertimos na infância, e que voltamos há ele anos e anos depois ignorando o aviso na caixa: “Indicado para pessoas entre 05 e 15 anos”.
Talvez fosse demais esperar que Abrams conseguisse em “Super 8” alcançar a magia que Spielberg obteve em seus filmes clássicos. Talvez, citando Simon Reynolds, o cinema também viva uma fase de “retromania”. O passado novamente ditando o presente. “Super 8” soa como uma carta de amor escrita 30 anos depois. Ele mudou, ela mudou, mas ele ainda acredita que o amor permanece. Grande bobagem. Adoramos pensar que o passado em nossas memórias é intocável, mas tudo se esvai.
Não que a nostalgia seja um pecado, muito pelo contrário, mas reencontros como este representam uma pessoa sem muito dom de equilibro caminhando numa fina corda sobre dois prédios altos: o da memória do que se foi e o do desejo do que virá. Simbolicamente, “Super 8” é muito mais interessante pelo o que ele tenta ser do que pelo que é. No fim é só entretenimento de massa (os números – mais de US$ 370 milhões arrecadados no mundo todo – não mentem), e ainda assim é muito pouco.
Leia também
– “Como a Geração Sexo, Drogas e Rock n Roll salvou Hollywood”, por Gabriel e Ismael (aqui)
– Uma ajudinha para Simon Reynolds, por Carlos Eduardo Lima (aqui)
Rapaz, você pegou pesado nesse, hein?!
Eu gostei bastante. E gosto que o filme que se assuma como entretenimento. Tem muito cineasta cult por aí que ganharia meu respeito se assumisse isso pra pelo menos um de seus filmes…
Eu gostei também, é uma carta de amor aos anos 80 e ao cinema. Mas entendo os pontos do Mac, é um filme imperfeito.
Menos cinema iraniano e mais pipoca, faz favor.
“è preciso mudar alguma coisa pra que tudo fique como está” Tomaso di Lampedusa
O Marcelo não gostou de “Arvore da Vida” e de “Super 8”. Tá difícil de agradar ele.
Gostei bastante desse filme. Me lembrou “conta comigo” e “os goonies”, ambos clássicos!