ESSE VOCÊ PRECISA OUVIR
por Eduardo Palandi
Você gosta do seu gosto musical? Quer dizer, você está montando sua lista de preferências, vai ouvindo novas bandas, conhecendo outros tipos de música, outros períodos da história, conversando com os outros e aprendendo mais. Mas você já teve um momento em que ouviu algo que te deu vontade de começar tudo de novo na música, como se fosse uma paixão?
Pergunto isso porque, durante certo tempo, fui um cara bem ortodoxo: gostava mesmo é de música orgânica. Aquela coisa bem quadrada e sagrada de vocal, guitarra, baixo e bateria, essa coisa tão anos 90 e que andaram vilipendiando nos últimos tempos. Tinha certo respeito pela música clássica e um preconceito contra outras formas de música, em especial a eletrônica (o New Order é uma banda de rock, registre-se). Não conseguia admitir que cidadãos que não tocavam instrumentos pudessem fazer música – isso é anacrônico demais para minha cabeça.
Mas bem, eu era assim, até que me apaixonei por um disco e ele me levou, por tabela, a me apaixonar pela música eletrônica. Não toda música eletrônica, já que trance e jungle, por exemplo, são desprezíveis, enquanto IDM, big beats, trip-hop e umas outras vertentes são muito legais. E a culpa por ter descoberto isso é do “Melody A.M.”, do Röyksopp.
Lançado em 2001, o primeiro disco da dupla de Tromso, centro-norte da Noruega (grandes histórias envolvem essa cidade), é bem conhecido de quem gosta de eletrônica leve, qualquer que seja a denominação: já o vi catalogado em ambient, lounge, chill-out e outros rótulos por aí. Só fui ouvir “Melody A.M.” em 2003, depois de ler um editorial da “GQ” portuguesa no qual seu diretor de redação, Manuel Dias Coelho, se dizia encantado pelo disco. Como a “GQ” lusa é a melhor revista em língua portuguesa em todos os tempos, fiquei curioso, baixei o álbum… e me apaixonei.
Logo na abertura, em “So Easy”, você já sente o clima sendo criado: sensação de desafinação, uma batida leve e áspera ao mesmo tempo, mais de mil texturas, efeitos esparsos entrando e saindo da música, um sample de “Blue on Blue”, do Burt Bacharach, distorcido, e pouca letra (metade do disco é instrumental). Parece pouco, e o clima é um pouco minimalista mesmo, mas é instigante. Um diálogo telefônico encerra a música, com um rapaz passando coordenadas a outro e ouvindo a resposta “estarei lá em dois segundos”. É o tempo para emendar “Eple”, uma campeã de uso na tevê – desde comerciais da Apple (“eple” quer dizer “maçã” em norueguês) até vinhetas do “Minha Casa, Sua Casa”, do canal People + Arts. Não dá para descrever muito bem, mas na minha cabeça é uma música para se ouvir no carro, dirigindo rumo ao Pólo Norte durante a madrugada. Mais agitada que “So Easy”, “Eple” tem um clipe extraordinário, que merece a sua atenção:
Em “Sparks”, o clima é de delicadeza. Na letra, a vocalista convidada Anneli Drecker diz “it doesn’t matter when, it may rain or it may shine, but you will always be here, stored inside my mind”. Fantasmas do passado? Entre ruídos futuristas, uma guitarra (?) entra e sai, levando a canção até o fim. “In Space” é uma faixa instrumental que remete a várias coisas: quartos de hotel com fortes luzes amarelas, pingos de chuva na janela, prédios sendo construídos. Ela tem arranjos de corda no meio de suas texturas, e poderia estar em “Moon Safari”, do Air, ou em um disco da Enya, e nem perceberíamos. Um parêntese aqui: como já se percebe, escrever sobre discos predominantemente instrumentais é, de alguma forma, um exercício de literatura, já que a descrição das, ahn, texturas é limitada e, ao mesmo tempo, as músicas vão lhe evocando imagens, reais ou ficcionais.
“Poor Leno”, que fecha a primeira metade, é o mais perto que o disco chega de uma música comercial: cantada por Erlend Oye, do Kings of Convenience, tem o suingue e a malícia norueguesa, com ecos nas batidas, piano e um baixo marcante. “A Higher Place”, que vem depois, é exatamente o inverso, com seu clima meio Four Tet, meio Brian Eno. É difícil se alongar falando de músicas tão minimalistas quanto apaixonantes, mas isso é uma comum a todo o disco.
Vamos sair para a náite? Apesar do título sugestivo, “Röyksopp’s Night Out” não tem muito de balada; ao invés disso, tente imaginar uma jam session eletrônica com o Miles Davis na fase “Bitches Brew”. É mais ou menos isso que te espera nos sete minutos da faixa 7, também instrumentais, exceto por um “yeah” perdido lá pelo quarto minuto. O ritmo acelerado remonta também a “Blood Money”, do Primal Scream, mas os metais são substituídos por camadas e mais camadas de texturas sintetizadas. Em “Remind Me”, Erlend Oye canta: “em todo lugar que vou / há sempre algo para me lembrar / de outro lugar e tempo / aonde o amor que veio de longe me encontrou”. A letra é bem melhor que o bom arranjo, descrevendo bem aquela sensação de que nem sempre estamos com a cabeça no lugar em que fisicamente estamos.
“She’s So” foi a música que me fez cair de joelhos pelo disco: é uma instrumental elegante, com saxofone e mais batidas lentas e ásperas, com inúmeras camadas. Na minha cabeça, faz lembrar a tomada de Goa pelos indianos em 1961, expulsando os portugueses do território. Não, não tem nenhuma relação com a música, mas “Melody A.M.” é um disco que te faz viajar… e depois do Pólo Norte fui parar no império colonial português do século passado. E o disco acaba com “40 Years Back / Come”, única música que não convence muito, mas uma instrumental que termina o disco de forma, vá lá, correta.
Assim, além de funcionar como uma agência de viagens, como relaxante muscular e como trilha de intervalo comercial, a estreia do Röyksopp, lançada há dez anos, conseguiu a proeza de mudar meu ponto de vista sobre música eletrônica. De lá para cá, a banda intercalou discos introvertidos e extrovertidos, brincando com a própria personalidade e mostrando que a vida com os sintetizadores não se resume à pista de dança. E se foi numa “GQ” que descobri o disco, não preciso nem comentar de sua elegância…
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Eduardo Palandi (siga @milionario), 29, gosta de comida árabe, música francesa, roupas inglesas, desenho industrial sueco, tributação norte-americana, carros alemães e meninas do Plano Piloto.
Leia também:
– Esse você precisa ouvir: “Honky Château”, Elton John, por Eduardo Palandi (aqui)
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– Esse você precisa ouvir: “The Boatman’s Call, Nick Cave”, por André Pagnossim (aqui)
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– Esse você precisa ouvir: “Burned”, Electrafixion, por Marcelo Costa (aqui)
– Esse você precisa ouvir: “Low Life”, New Order, por Ricardo Manini (aqui)
– Esse Você Precisa Ouvir: “L’ Avventura”, Dean and Britta, por Ricardo Manini (aqui)
– Esse você precisa ouvir: “Hyacinths and Thistles”, The 6ths, por Julio Costello (aqui)
– Esse você precisa ouvir: “Fuzzy”, Grant Lee Buffalo, por Carlos Eduardo Lima (aqui)
Mto legal ver uma resenha de Royksopp por aqui e taí um show que eu com certeza iria.
O Melody AM é um album mto bom, mas fico com o seguinte o The Understanding, mais pop, mas com a incrivel What Else is There com a vocal do Knife, outra dupla eletrönica excelente.
Röyksopp é um dos grupos mais importantes dentro da eletrônica dos anos 2000.
Gosto de todos os seus álbuns, mas a transição entre o chillout do Melody A.M. e o pop do Junior fazem-me eleger The Understanding o melhor disco da dupla.
Digno.
Olá, prazer, Marciante!
Este ábum é divino, ótima resenha!
Meus ábuns prediletos do duo são Melody e Senior!
Sou músico, compositor e produtor das minhas próprias canções e
em 2009 gravei um ábum em casa em um home studio que improvisei.
O álbum leva como título ” Criança”. São 7 músicas que comecei a compor logo
que entrei na adolescência falando sobre minha energia de infancia, de quando
era Criança. Em 2009 consegui juntar as coisas em casa e produzir, enfim, minhas
primeiras composições. Fundei junto com dois amigos a banda Varal Royal. Infelizmente
um deles estava longe e o outro ficou doente na epoca da produçao, contudo, gravei tudo,
ele me deram o aval e tudo foi bem feito. Ao vivo os caras estão comigo, reproduzem muito bem.. No proximo album, assim que estivermos mais enraizados e reconhecidos, esperamos fazer todo o processo juntos. O som é organico, porem usei efeitos digitais. É bem
simples: guitarra, bateria, baixo e vozes. Na epoca produzi com um fone barato, desses de 10 reais, o que, gerou minha nao percepçao de algumas frequencias de audio que vim a perceber
depois com um fone melhor. Logo, ficou ótimo, fiz o melhor que podia, a rusticidade e alguns
erros de iniciante deram uma cara especial pro álbum. Sou apaixonado por Air, Royksopp, Crystal Castles, Frusciante, Radiohead… por ai da pra vc sacar um pouco algumas influencias, mas meus prediletos sao os dois primeiros que citei em alguns de seus albuns.
Vim aqui pra divulgar exclusivamente meu som para alguem que aprecia algo de muita qualidade e sabe escrever bem sobre o assunto. Criança é um álbum que deve ser ouvido aos poucos desde o inicio (é como um livro, voce sabe, pular uma pagina pode perder a magia das coisas) com o tempo as pessoas tem se acostumado com o álbum e recebo muitos elogios tempos depois do primeiro contato da pessoa. Bom, ja falei demais. Forte abraço, um prazer ler sobre um álbum que gosto muito. Parabens.
Ps.: no myspace a qualidade das musicas está um pouco ruim pois la os arquivos sao diminuidos e como foi gravado em um homestudio a diferença é mais perceptivel. Maaaas,
eu gosto muito de ouvir no myspace as vezes, pois a rusticidade ainda maior que encontra-se la
é algo que incrivelmente combina com a aura do álbum. No 4shared tem o download do álbum
http://www.4shared.com/file/D2xdU7RY/Criana_-_Varal_Royal.htm