Ficção científica que fala português

Feita a oito mãos, série “3%” faz barulho na internet e quer chegar à televisão
por Juliana Simon

Imagine um mundo em que as pessoas, aos 20 anos, passem por um processo seletivo para ir para o Lado de Lá. É a única oportunidade de conseguir uma vida melhor, minimamente digna. As provas são torturantes e testam corpo, mente e moral. De todos os jovens inscritos, somente 3% serão aprovados. Essa é a história da série “3%”, que, em forma de programa piloto para a televisão e disponível no YouTube, já conquistou fãs pela rede (assista a três partes do episódio piloto: http://www.youtube.com/user/serie3porcento).

Qualquer semelhança com a realidade, não é mera coincidência. “Apesar de ser uma ficção científica, os conflitos são muito próximos da gente. O ‘3%’ é sobre as dificuldades pelas quais passamos para nos tornarmos adultos, para alcançar um sonho. Isso, muito antes de ser algo brasileiro, é uma coisa humana”, diz uma das diretoras da série, Dani Libardi.

A temática jovem não se dá à toa. Tanto os três diretores Daina Giannecchini, Dani Libardi, Jotagá Crema, quanto o criador e roteirista, Pedro Aguilera, estão na casa dos 20 e ingressaram em 2006 no Curso Superior do Audiovisual da ECA-USP.

“Uns dizem que o ‘3%’ é só sobre o vestibular, outros que é sobre entrada no mercado de trabalho. Já vi gente dizendo que se identificou porque está prestando o exame da OAB. O Aguilera teve a ideia a partir do edital FicTV Mais Cultura, do Minc, que era sobre a produção de séries de TV para jovens da classe C, D e E e resolveu tratar de problemas próximos dos jovens através desse universo fictício”, diz Dani.

Além da realidade brasileira, a série buscou inspiração em obras como ”1984”, de George Orwell, “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley, ”O Processo”, de Orson Welles”, “Metropolis”, de Fritz Lang, “A Experiência”, de Roger Donaldson, “Edukators”, de Hans Weingartner, “Quero Ser John Malkovitch”, de Spike Jonze, o “panóptico” de Foucault, o “Experimento da Prisão de Stanford” e a série “Lost”.

A qualidade do roteiro e direção se destaca, mas o elenco da série também chama bastante atenção. O quarteto de jovens protagonistas é formado por Julia Ianina, Rita Batata e José Geraldo Rodrigues, que já trabalharam, além do teatro, em muitos curtas e longas metragens, mais Thiago Balieiro, cuja estreia para as câmeras aconteceu no “3%”. A série conta também com atores de grupos consagrados, como Roberto Audio, Luciana Schwinden e Marçal Costa, do Vertigem, e Luciana Paes, da Cia. Hiato.

Da ideia inicial à finalização do primeiro episódio, foram oito meses. O projeto captou R$ 250 mil pelo FicTV para a produção do piloto e para a feitura da “bíblia” do projeto (conjunto de textos sobre o conceito do universo da série, descrição de personagens, arco da 1ª temporada, roteiros e desenho de produção). “Pode parecer muito, mas produzir ficção para televisão e cinema nunca é baratíssimo. E esse valor do FicTV está bem abaixo do custo de séries brasileiras especiais”, diz Dani.

A escolha da televisão, segundo Dani, se deu porque, ao contrário do cinema, é um meio mais cotidiano, mais íntimo e, principalmente mais acessível. Segundo a diretora, a temporada inicial está toda escrita e terá de 10 a 13 capítulos. Já existem ideias pra uma segunda, mas o foco é conseguir um investimento para produzir a primeira: “Estamos negociando com emissoras, mas nada fechado ainda.”

“O que tem nos ajudado bastante é que toda essa movimentação na internet é um grande argumento pra mostrar que a série ‘3%’ já tem um público bastante interessado. Com a ótima recepção na internet é impossível não considerar a web uma forma de exibição. Mas precisamos de investimento para a produção da temporada e para filmar a série. E até agora o caminho mais viável é o financiamento por um canal de TV”, afirma a diretora.

Até a finalização deste texto, a série tinha conquistado em dois meses mais de 1700 seguidores no Twitter (@serie3porcento), mais de 6 mil likes no Facebook (facebook.com/3porcento) e uma média de 100 mil visualizações das três partes do episódio piloto no YouTube. Se a “nova” mídia aprovou o projeto, a “antiga” precisa estar alerta para os números além dos de audiência.

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– Juliana Simon (siga @jusimon) é jornalista

4 thoughts on “Ficção científica que fala português

  1. Pergunta que não quer calar: se a maioria está do “lado de cá”, porque essa maioria não faz esse lado um lugar decente pra morar?

  2. Adorei o piloto, tomara que o projeto continue dando certo.

    E Peter, se voce essistir o piloto voce entende, eles são enormemente reprimidos por uma força maior, como em 1984.

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