A simplicidade provocante de Itamar Assumpção
por Marcelo Costa
“Você acha que é louco? Eu sou mais louco que você”. A frase desafiadora é do Nego Dito Itamar Assumpção em uma das passagens de “Daquele Instante em Diante”, documentário de Rogério Velloso que abre a série Iconoclássicos, do Itaú Cultural, que prevê até o fim do ano filmes mensais tendo como personagens Paulo Leminski, Nelson Leirner, José Celso Martinez Corrêa e Rogério Sganzerla. “Daquele Instante em Diante” têm exibição gratuita durante todo o mês de julho em sete cidades: São Paulo, Santos, Rio de Janeiro, Curitiba, Porto Alegre, Salvador e Fortaleza (lista de salas no final).
Muitos adjetivos circundam a personalidade de Itamar, e ele passou boa parte de seus 53 anos tentando renegar alguns. “Daquele Instante em Diante” combate com veemência ao menos dois epítetos ligados ao compositor: o de maldito e o de marginal. Ex-músicos, parceiros e integrantes de suas bandas passam boa parte dos 110 minutos comentando como o termo maldito incomodava Itamar – e o afastava do público. “Esse maldito quer dizer livre”, comenta o próprio em certo momento. “Ele era difícil e daí vem essa fama de maldito”, opina Suzana Salles, uma de suas cantoras.
O diretor Rogério Velloso garimpou dezenas de entrevistas de Itamar Assumpção e saiu a campo para tentar entender o mito. O resultado é um documentário que lança luz sobre um músico brilhante sem pedir a benção de ninguém famoso (como provavelmente Itamar gostaria que fosse). Em outro momento interessante do filme, Itamar pergunta: “Sempre o resto da vida o Brasil vai ser Caetano e Gil?” Não em seu filme. Zélia Duncan aparece cantando com Itamar no jardim da casa dele e Jards Macalé numa deliciosa jam session com Itamar interpretando “Ai, Que Saudades da Amélia”. E só.
O grosso do material do documentário foi coletado durante cafezinhos caseiros com pessoas que conheceram Itamar melhor do que ninguém, gente que conviveu com ele como a parceria Alice Ruiz, o publicitário Ricardo Guará e músicos como Arrigo Barnabé, Luiz Tatit, Marta Amoroso e o guitarrista Luiz Chagas, que relembra: “Cada show era uma guerra”. E não só os shows. Os ensaios também eram detalhistas. Itamar explicava cada trecho do arranjo para cada músico. Isso no Estúdio A. “Tinha também o Estúdio B, que era o boteco”, relembra um músico.
“Daquele Instante em Diante” relembra as origens de Benedito João dos Santos Silva (Beleléu Vulgo Nego Dito) e desenha um quadro interessantíssimo sobre a vida de um dos artistas mais independentes (e geniais) da história da música popular brasileira. “Acho que o sucesso bateu várias vezes na porta dele, mas ele não atendia”, opina um dos músicos. A palavra “póstumo” aparece em cena algumas vezes, com propriedade, já que a obra de Itamar começa a ser revisitada (em livros, discos e box “Caixa Preta”, que reúne toda sua discografia), mas é consenso dos entrevistados que Itamar fez sucesso, um sucesso ao seu modo, mas fez.
A grande estrela do filme é realmente Itamar. O cantor fala pelos cotovelos em reportagens de muitos programas de TV, diverte, entretêm e confunde. Trechos de dezenas de shows são um excelente convite para todos aqueles que nunca assistiram a um show seu, e não tem idéia de como o Nego Dito se portava no palco. De apresentações antológicas como a do Festival MPB Show, da Rede Globo, em 1982, até um de seus últimos shows, no Itaú Cultural, em São Paulo. Nesta última, já sofrendo bastante com o câncer, Itamar avisava a morte – Elke Maravilha vestida toda de branco que entrava no palco para buscá-lo: “Ainda é cedo”, e continuava tocando.
“Ele era uma complexidade”, diz Suzana Salles. “Só as plantas gostavam dele”, brinca Luiz Chagas (Itamar era apaixonado por orquídeas). “Ele era loucão (no palco) e tal, mas em casa era paizão”, diz uma das filhas. Com muita simplicidade, “Daquele Instante em Diante” consegue – após quase duas horas intensas de sons e imagens – um retrato falado de Itamar que parece soar muito parecido com o que ele deveria ser na realidade: complexo, provocante, idiossincrático, genial. Não era de se esperar menos de um documentário sobre um homem que pensava “em seduzir você domesticando elefantes”. Assista abaixo!
Muita vontade de assistir, mas passar em Belém que é bom, nada 🙁
faço das palvras de Adriano as minhas, passar em Teresina que é bom, nadicas
Tive o privilegio de ver um show dele em belém na virada dos 80 pros 90.
Itamar foi um caso a parte na MPB, irônico, sarcástico, veia poética primal, inteligência beleléu!!! Concordo que ele fez sucesso do jeito dele, independente e na contramão do mainstream.