Entrevista: Skataplá

por Marcelo Costa

Nos anos 80, quando o rock nacional atacou, pilhou e tomou o espaço dos medalhões da MPB no coração dos brasileiros, o principal veículo de divulgação de um artista era o rádio. Tinha a Globo, o Cassino do Chacrinha, as novelas, mas em termos de divulgação de massa, de chegar em tudo quanto lugar, o rádio sempre foi o veículo mais desbravador.

O cenário começou a mudar no final dos anos 90, quando uma gravadora iniciante elevou o valor do jabaculé para bombar seus artistas (entre eles, Los Hermanos), e a grande maioria das rádios parou de apostar no novo, no desafiador, preferindo vender suas faixas de horários como espaço para publicidade, a música como produto. O que se ouve no dial não são canções, mas anúncios.

Foi também no final dos anos 90 que o ska acenou que poderia virar moda no Brasil. Dezenas de grupos surgiram, a revista Bizz encartou um CD em uma edição recheado de bandas novas e parecia que o ska seria a próxima onda. Não foi, mas apresentou o estilo para milhares de jovens que montaram bandas ou… criaram um programa de rádio.

“Skataplá é o único programa de rádio do Brasil dedicado ao ska e suas vertentes”, anuncia o blog oficial (que pode ser visitado no www.skatapla.com.br). Conduzido pelo jornalista Denis Romani e pelo trompetista Gui Mosaner, o Skataplá teve uma primeira fase no dial, na 107,3 FM, e hoje em dia está na programação online da Brasil 2000 (www.brasil2000.com.br), toda sexta, às 21h.

Em junho, o programa comemorou um ano no ar, e para valorizar essa conquista da dupla, o Scream & Yell bateu um papo rápido via email com Denis Romani, que conta como surgiu a ideia do programa, fala do cenário atual do ska no Brasil, e afirma: “Independentemente da internet, a rádio ainda é um veículo essencial pra se construir uma carreira”. O Scream & Yell assina embaixo. A seguir, o bate papo:

Um ano de Skataplá: como surgiu a ideia de fazer um programa de rádio dedicado ao ska?
Sou viciado em ska desde os meus 14 anos (1997), devido principalmente a dois veículos: a MTV e o Skabadabadoo, programa de ska que foi transmitido pela Brasil 2000 FM entre 1997 e 2002. Desde que esse programa acabou, sempre me indaguei porque o Brasil nunca mais teve nada direcionado ao ska, já que o público continuava existindo. Sempre falei sobre isso com o Gui Mosaner, um amigo de infância que também sempre gostou bastante de ska. No ano passado, ele fez alguns contatos com o pessoal da 107,3 FM (ex-Brasil 2000) sobre a possibilidade do sonho se tornar realidade. Eles gostaram da ideia e ele logo me acionou pra fazermos uma parceria. Gravamos um piloto, o pessoal da rádio curtiu e estamos aí completando um ano de vida, com algumas mudanças.

Isso porque o programa pode ser dividido em duas fases: a primeira, de junho de 2010 a abril de 2011, quando estivemos realmente na 107,3 FM. A segunda, de meados de abril desse ano até agora, na internet. Em abril, a 107,3 FM se juntou à Eldorado FM pra se transformar na Brasil 3000 FM e a grade de programação musical foi completamente reformulada. Foi quando nós perdemos nosso espaço na rádio e decidimos continuar apenas pela internet, na Brasil 2000, que virou uma webradio dedicada ao rock (como era na rádio normal).

A passagem da rádio para a web alterou alguma coisa no programa? Como você vê esse movimento de webradios? Existem várias muito bacanas no Brasil (na gringa, então, são milhares).
Mudou bastante e ao mesmo tempo não mudou. Dá pra entender? Eu explico: a Brasil 2000 sempre nos deu muita liberdade editorial pra fazer o programa. Nunca ninguém deu pitaco nas músicas que a gente deveria tocar ou sobre os assuntos que a gente deveria abordar. Eles só pediam pra maneirar nos palavrões e não fazer apologia ao álcool e às drogas, afinal, se tratava de uma rádio educativa. Então depois que fomos pra internet, o conteúdo e o formato do programa continuou exatamente o mesmo. O que mudou foi a nossa relação com os ouvintes. Aqueles que a gente já tinha conquistado continuaram ouvindo o programa semanalmente, mas não necessariamente “ao vivo” pela internet. Muitos preferiam baixar o programa na semana seguinte no nosso blog.

O que ficou mais difícil foi conquistar novos ouvintes que estavam passando pela rádio FM, presos no trânsito, ou mesmo em casa. Antigamente, toda semana aparecia um povo novo no Twitter ou no Facebook dizendo que tinha acabado de descobrir o programa quando estava mudando de rádio. Já hoje em dia isso não acontece com tanta frequência. A solução foi apelar pra outra mídia, o blog do Skataplá. Começamos a atualizar ele com muito mais frequência. Assim os fãs de ska iriam parar no blog atrás de notícias, e iriam acabar descobrindo o programa.

Falando de webradios em geral, acho que é um segmento que teria tudo pra ser maior aqui no Brasil, mas ainda não é muito profissional. O que a gente ouve é muita gente que gosta de um determinado estilo e acaba criando a sua própria rádio, programa ou podcast dentro de casa. E os brasileiros também não pegaram esse costume ainda, como aconteceu na gringa, em que já houve casos de webradios que fizeram tanto sucesso que foram parar no dial. Pegue o caso da Brasil 2000, por exemplo. Muita gente fica choramingando o fim da rádio na FM, mas não ouve a webradio, que continua exatamente com a mesma programação. O pessoal prefere ficar reclamando e continuar ouvindo seus CDs, MP3s, ou as rádios que “sobraram”.

Costumamos falar sempre no Scream & Yell que o veículo “rádio” é essencial divulgar música. Como você ve o rádio hoje em dia?
Levando em conta que a minha adolescência foi nos anos 90, eu fui “criado musicalmente” ouvindo rádio. E diferentemente do pessoal da minha geração, não abandonei esse hábito com a chegada do MP3. Hoje em dia a rádio perdeu muito do seu poder pra internet, mas o que ela perdeu principalmente, pra mim, foi a magia. Antigamente quando tocava uma música do seu ídolo na rádio, era uma vitória, uma conquista. Hoje em dia você baixa ela no seu computador e ouve quantas vezes você quiser.

Mas acho que independentemente da internet, a rádio ainda é um veículo essencial pra se construir uma carreira. Muitas bandas fazem sucesso no youtube, se transformam em virais, batem recorde de downloads, mas não conseguem encher uma casa de shows pequena. Entre as classes mais baixas, a rádio ainda é o principal modo de se escutar música, e é divulgando um artista na rádio que os shows ficam lotados. Não é à toa que as rádios populares continuam impulsionando ídolos ao sucesso. O problema é que o pessoal “moderninho” que curte música alternativa (rock, eletrônico, etc) não vai ficar ouvindo só os mesmos hits das mesmas bandas. Eles querem o álbum inteiro. Até mesmo porque o “legal” hoje em dia é conhecer o máximo de bandas possíveis, e não ser “especialista” em uma ou outra.

Você faz um programa, mas fora ele você ouve outros programas de rádio?
Pior que sim. Tenho mania de ficar ouvindo rádio em casa ou no trânsito e twittar sobre o que estou ouvindo. O que mais ouço dos amigos é: “jura que você ainda ouve rádio?”. Adoro quando descubro uma banda nova na rádio, ou quando ouço uma música que eu nem lembrava que existia e nunca ia me lembrar de baixar em MP3. Tô sempre ouvindo a Oi FM, a Kiss FM, a Mit FM e a Eldorado FM. Mas não tem aquela coisa deou vir um programa específico, de ligar a rádio pra ouvir exatamente aquela pessoa, sabe? E acho que o Skataplá conseguiu levar isso pra algumas pessoas que nunca tinham feito isso. Porque passei minha adolescência inteira assim. Pra mim os locutores de algumas rádio eram “celebridades”.

O problema é que as opções de rádios diminuíram para quem, como eu, gosta de ouvir rock. Em São Paulo, por exemplo, nós já perdemos a 97 FM, a 89 FM, e agora, a Brasil 2000 FM. Sobrou a Kiss (que só toca clássicos e raramente toca bandas nacionais), a Mit e a Oi (onde o rock divide espaço com modernices da MPB e do eletrônico). Então se o moleque de 18 anos vai ouvir rock, ele vai ouvir o quê? Jovem Pan? Assistir MTV? Acho que é por isso que a referência de rock dessa molecada está distorcida. Eles não tem referência.

Sem contar que com essa história de você ouvir a música que você quiser no seu computador, as rádios precisam ter um diferencial. Não basta só tocar música. Tem que ter informação, conteúdo, irreverência. É isso que a gente faz no Skataplá. A gente fala pra caralho nos programas. Nós damos um embasamento das bandas que a gente toca, lançamos coisas que não fazem sucesso por aqui, desenterramos uns hits esquecidos e falamos MUITA besteira. No começo achei que o pessoal iria reclamar, mas por incrível que pareça, os ouvintes sempre dão um feedback positivo dizendo que o que eles mais gostam é de dar risada com as merdas que a gente fala no ar. É como se a gente estivesse ouvindo ska, tomando umas no bar, e a rádio estivesse transmitindo a nossa conversa.

Como está o cenário brasileiro de ska hoje em dia? No meio dos anos 90 chegamos a ter um pequeno boom…
Nos final dos anos 90 o ska fez um relativo sucesso no Brasil como “o ritmo do verão”. Todo mundo falava que o ritmo ia estourar, que iriam surgir dezenas de “novos Paralamas do Sucesso”, e não foi bem isso o que aconteceu.

O que rolou foi uma influência da 3ª onda do ska, o chamado “skacore”. Essa mistura de ska com hardcore e punk estourou na Califórnia e isso acabou respingando por aqui. A MTV começou a bombar bandas como Reel Big Fish, Mighty Mighty Bosstones, Save Ferris (além de outras bandas que tocavam um ska mais tradicional, como Toasters e Hepcat). Essas mesmas bandas também tocavam nas rádios rock, como a 89 e a Brasil 2000. Some isso ao lançamento de uma coletânea chamada “Ska Brasil” pela Paradoxx, que também contou com o apoio da MTV e das rádios pra impulsionar bandas como Skuba e Skamoondongos. Pronto, era “o verão do ska” no Brasil. Sem contar que naquela época ainda existia o Skabadabadoo, que ajudava a juntar tudo isso em um só lugar.

No início dos anos 2000, o ska deu uma bela caída no Brasil. As bandas brasileiras acabaram, as bandas gringas pararam de vir, e pouca gente fazia algo pelo ska aqui. Entre eles, o Bruno Kaskata (ex-apresentador do Skabadabadoo e atual dono da Radiola Records, que lança CDs e traz artistas de ska ao Brasil), o Thiago DJ (que sempre organiza festas de ska em São Paulo, como a Ska-Funk, uma das principais da atualidade), e o David Coturnada (que organiza a Skandalosa, principal festa de ska em Campinas). Isso pra falar só de São Paulo.

Até que há uns dois, três anos, o ska meio que voltou a crescer no Brasil novamente. Surgiram duas bandas capazes de arrastar um grande público pros shows como há muito não se via: a Orquestra Brasileira de Música Jamaicana e a dupla Peixoto & Maxado. Os shows internacionais voltaram a aparecer (todos lotados), como Reel Big Fish, Toasters, Skatalites. Foi então que surgiu o Skataplá. Além de estar novamente nas ondas do rádio, o ska voltou a ser falado na internet, porque o programa era transmitido simultaneamente no site da Brasil 2000. Bandas de todo o país começaram a mandar material, nós começamos a pegar um nome na cena, até que chegou uma hora que todo mundo começou a entrar em contato com a gente pra lançar um CD, um single, anunciar um show.

O Twitter e o Facebook ajudaram bastante nessa hora também. O programa foi crescendo e virou um blog também. No começo ele seria usado só pra postar os programas gravados, mas hoje virou o principal (e um dos poucos) sites especializados em divulgar notícias de ska no Brasil (show internacionais, lançamentos, clipes novos, etc). Resumindo: nós conseguimos fazer o que há muito não era feito: agregar os fãs de ska em um só lugar.

Como tem sido a resposta do público neste 1 ano de programa?
No começo foi difícil. A gente entrou no ar pouco menos de um mês depois do Twitter do programa estar com uns 100 seguidores. Acho que uma meia dúzia de gatos pingados ouviu. Mas quem ouviu, gostou. E quem gostou começou a divulgar. Lembro que no começo a gente entrava em contato com as bandas pra pedir material de divulgação, de promoção, e todo mundo ficava meio com um pé atrás. Mas quando foram percebendo no que o programa estava se tornando, todo mundo começou a correr atrás, a apoiar, a divulgar. Levar uma banda no programa no começo era um sufoco. Hoje, nós já levamos os principais nomes nacionais, como a OBMJ, o Sapo Banjo, o Peixoto & Maxado, até o CPM 22, que decidiu se enveredar pelo ska no último disco. E muitos internacionais: os tchecos do The Spankers, os argentinos do Dulces Diablitos e La Cartelera Ska, o canadense Chris Murray e até mesmo o Marky Ramone.

Nessa primeira fase na rádio, além do boca-a-boca, a gente contou muito com o pessoal da internet. Eles divulgavam, retwittavam, curtiam no Facebook. Muita gente mandava email agradecendo pela existência do programa, dizendo que estavam órfãos de ska. E muitos também diziam que tinham parado de ouvir ska, e tinham voltado a ouvir por causa do Skataplá. Sem contar aqueles que diziam nem saber o que era ska, ouviram e adoraram. E os ouvintes são bastante participativos, tanto que muitos viraram nossos amigos. Eles aparecem nos shows, saem pra tomar uma com a gente, estão sempre nas baladas.

Na segunda fase do programa, quando fomos pra internet, confesso que perdemos um pouco a “magia” da rádio. O número de downloads não caiu. Mantivemos os fãs antigos, mas deixamos de conquistar facilmente os ouvintes novos, que sintonizavam a rádio sem querer na hora do programa e gostavam. A divulgação na internet deu uma diminuída, talvez pelo fim dessa “magia” da rádio que tanto falo. Mas os shows e festas continuam bombando, e sempre que o pessoal nos encontra nessas baladas, eles vêm falar pra gente não abandonar o programa, pra gente não desanimar, então é basicamente isso que a gente está fazendo.

www.skatapla.com.br

2 thoughts on “Entrevista: Skataplá

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.