por Pedro Salgado, especial de Lisboa
O encontro estava marcado para um final de tarde quente, nos armazéns do Chiado, no coração da baixa lisboeta. Gabriel Bubu, envergando uma tshirt clássica Do Amor, cumprimentou-me calorosamente, seguindo-se Ricardo Dias Gomes. Os dois músicos acompanharam-me em direção a um famoso pátio, contíguo à emblemática Rua Garrett, a que se juntariam mais tarde Marcelo Callado e Gustavo Benjão.
A boa disposição imperava e por entre cervejas e uma bruschetta, os quatros falaram dos discos de vinil da The Band, de Flying Burrito Brothers e de Françoise Hardy, entre outros, que os integrantes da banda compraram numa loja especializada em Lisboa. A reconstrução do Chiado, após o incêndio de 1988, despertou a atenção de Ricardo e Bubu recordou a sua primeira passagem com o Los Hermanos na capital portuguesa.
Era tempo de conhecer as motivações da banda, os novos rumos, as parcerias eminentes e perspectivar o primeiro show em território português, depois do merecido destaque e reconhecimento resultante do último trabalho do grupo carioca. De Lisboa para o Brasil, o Do Amor conversou com o Scream & Yell. Confira:
Como surgiu a possibilidade de excursionarem pela Europa ?
O primeiro convite que recebemos foi para o Festival Vigo Transforma, na Espanha. O organizador do evento viu um show nosso em Porto Alegre, no Festival El Mapa de Todos, que procura integrar a cena brasileira com a dos países latinos. O responsável da organização, Fernando “Senhor F” Rosa, convidou essa pessoa para assistir ao espetáculo. Ele assistiu ao nosso show e sentiu que a nossa performance tinha muito a ver com o festival dele. Ficámos animados com essa solicitação, que incluía um cachê interessante, e pensámos em expandir e fazer outras coisas. É a primeira vez que vamos à Europa, e voltamos com dinheiro no bolso (risos). Já tocámos em Londres, ainda vamos tocar em Lisboa, Guimarães e temos pela frente mais três shows na Galicia (Espanha). As coisas começaram a expandir-se de uma forma mágica. É muito bom para a banda aparecer aqui com o primeiro disco, isso está dando frutos, e é importante para nós receber um olhar de fora, uma visão de outros lugares mais distantes da nossa realidade. O Do Amor é um conjunto muito peculiar e tem um sentido de humor que nem todos os lugares do Brasil compreendem totalmente. Somos um pouco sarcásticos, uma característica que o Rio de Janeiro possui, e temos outros traços que acabamos por descobrir nestas deslocações ao exterior.
Como estão ocorrendo os shows ?
Como é a nossa primeira excursão na Europa, temos uma grande expectativa em saber o que vai acontecer. Mas estamos muito tranquilos. Os dois shows que já fizémos foram incríveis. Em Vigo atuamos com artistas muito importantes. Tocamos no palco principal e logo depois tocou o cantor folk canadense Ron Sexsmith e no dia seguinte a importante banda espanhola Vetusta Morla. Esse foi o nosso primeiro concerto, só que chegamos direto do vôo, fomos para o hotel e depois passamos o som e por isso foi um espetáculo cansativo, mas grande. O público era genérico, não estava lá especialmente para nos ver, no entanto, tivémos uma ótima receptividade para uma abertura e as pessoas dançaram e pularam connosco. Em Londres, fechamos a noite, no Notting Hill Arts Club, depois dos shows do Cuchufleta, um grupo com músicos chilenos e londrinos e o conjunto local 7Suns. Era um clube pequeno, mas estava abarrotado de gente para uma terça-feira e obtivémos uma recepção mais calorosa, por conta da promoção que foi feita. Em Vigo, e em Londres também, as pessoas que mais piram, falam conosco depois da apresentação e compram os discos, são indivíduos que têm uma cultura musical ampla e fazem associações não muito óbvias. O show tem um lado muito popular, porque tocamos ritmos dançantes e populares como o samba e o carimbó, mas os grandes fãs do Do Amor são nerds da música. Nós ficamos um pouco entre as pessoas que gostam de rock e acham que somos muito MPB e as pessoas que gostam de MPB e acham que tocamos um rock rasgado demais. De uma forma geral, procuramos entregar a música, ao público, no seu potencial máximo.
Em seu álbum homônimo, o Do Amor mistura sonoridades tradicionais brasileiras com rock. Foi uma experiência ou pretendem continuar seguindo esse caminho?
Estamos com a cabeça voltada para o próximo disco e existe uma sinalização de que vai ser um trabalho ainda com canções melódicas e letras, incluindo arranjos, nas mesmas bases do primeiro álbum. Mas, ao mesmo tempo, procuraremos fazer uma pesquisa de som que vai além de interpretar apenas uma música. Ou seja, experimentar e a partir de um fragmento chegar a algum lugar. Pode ser que prossigamos a fórmula de misturar rock com música brasileira, que marcou muito o conjunto, mas também poderemos seguir um caminho mais experimental e não menos popular ou dançante. Nunca programamos as coisas e, com o (produtor) Chico Neves, depuramos o que faziamos nos espetáculos. Simplesmente, pegamos uma música folclórica e tradicional, como o carimbó, e a tocamos da nossa forma safada, sem nos preocuparmos se estamos sendo tradicionalistas ou não. É possível que gravemos o novo trabalho ao vivo num estúdio, em fita, para obter uma qualidade superior de registro. Planejamos gravar o novo trabalho no início de 2012 e provavelmente entraremos em estúdio no mês de fevereiro. Isso significa que teremos um processo de pré-produção ainda este ano. Achamos que terá a duração de um mês, incluindo a parte de composição e ensaio do disco. Se gravarmos em fevereiro, é bem possível que o álbum saia no segundo semestre do próximo ano.
Como surgiu a parceria com o cantor espanhol Xoel Lopez ?
O encontro com ele foi muito feliz. Nós vimos o show dele em Vigo e gostamos bastante. Ainda não sabemos o que vamos gravar com ele. É provável que utilizemos uma música dele, nossa ou até uma versão, mas ainda não decidimos como será essa parceria. Mas estamos otimistas porque houve um encontro espiritual que poderá render bons frutos. Depois de Lisboa iremos para a Galicia, ensaiaremos com ele e então saberemos o que vamos fazer. Foi algo que acompanhou a preparação desta turnê, uma vez que ouvimos falar do Xoel antes de sairmos do Brasil. Foi através do Kuru, que ajudou a fechar essa turnê conosco e é um dos articuladores do selo +Brasil Música, que lançou o nosso primeiro disco. O Xoel Lopez já tinha tocado no Brasil com a Legião Urbana e com Fernando Catatau, do Cidadão Instigado. Havia proximidade.
Vocês tem conhecimento da nova cena musical portuguesa ?
Conhecemos pouca coisa, devido ao fato de sermos alheios à nova realidade e à falta de convivência, a não ser o Buraka Som Sistema que o Gabriel conheceu, e admira, durante a vinda do Los Hermanos a Portugal há cinco anos atrás. Gostariamos de tomar contato com mais bandas portuguesas.
O que podemos esperar do show no espaço cultural Arte&Manha ?
Durante muito tempo, os nossos concertos eram um pouco caóticos. Muitas vezes, minutos antes da atuação, não sabiamos o que iamos tocar. Isso implicava uma renovação de show para show e era ótimo. Atualmente, já fazemos um set list de que gostamos muito e isso desenvolveu uma ordem de canções que se emendam e engendram de uma forma divertida. Vai ser um concerto de festa, porque estamos num momento em que temos muita vontade de tocar, e servirá para selar a nossa vontade de vir a Portugal para tocar mais vezes.
Do Amor ao vivo em Lisboa: encantamento musical
texto por Pedro Salgado, especial de Lisboa
fotos por João Lima, do Espaço Cultural Arte&Manha
9 de Julho, Lisboa, o animado espaço cultural Arte&Manha foi o anfitrião da primeira aventura portuguesa da banda Do Amor. O show começou com um atraso de uma hora devido a um problema técnico com um amplificador, mas não arrefeceu o apetite genuíno e a curiosidade do público presente na acolhedora sala Carlota Joaquina.
Passavam 10 minutos da meia-noite quando o violeiro Miltinho Edilberto interpretou um tema de Heitor Villa Lobos, e uma pequena melodia que debitava nomes de mulheres, oferecendo aos presentes acordes, efeitos percussivos e muito humor, abrindo caminho para a entrada das estrelas da noite.
O baixista Ricardo Dias Gomes deu o mote: “Obrigado por terem vindo e se alguém se animar com o espetáculo pode dançar com a gente”. Na abertura foi servido um “Baby Doll de Nylon” vibrante, não renegando as suas raízes sessentistas e afirmando a unidade harmônica e consistente da banda carioca.
Seguiu-se o hit “Chalé”. E se é inegável que a estrofe “vou lamber você” grudou definitivamente no ouvido, a parte instrumental não foi menos interessante e o tricô dos dedilhados combinados dos guitarristas Gustavo Benjão e Gabriel Bubu, que se repetiriam mais tarde, apresentaram unidades musicais circulares atraentes.
As pessoas concentravam-se em cadeiras colocadas frente ao palco, junto ao bar e um pouco atrás do recinto principal, sorrindo com o charme do grupo (em particular o baterista Marcelo Callado, impagável), dançando ao som do proto-samba “Morena Russa” e embaladas em coros deliciosos criando empatia com o Do Amor.
Dissipadas as dúvidas de que haveria festa, restava saber se o rock também habitava a alma do conjunto. A resposta começou a tomar forma na exuberância das baquetas de Callado para o tema “Cachoeira”, qual festa punk adornada com floreados de funk, fornecendo um suplemento de alma bem-vindo.
Uma das interpretações mais interessantes foi “Mindingo”, alimentada por um baixo pulsante, respirando nos acordes de guitarra e validando o conceito de música urbana na sua mais pura essência. “Tive o prazer de dançar a minha música numa festa ontem, em Lisboa”, seria assim que o baterista apresentaria “Isso é Carimbó”, provocando o momento mais dançante da noite.
Depois de afirmar com graça que “as pessoas em Portugal são fixes (legais)”, Gustavo Benjão y sus muchachos tocaram “Um Lindo Lago do Amor”, elétrico na medida certa, pautado por quatro vozes e mais sólido do que no disco. Os agradecimentos finais vieram ao som dos ritmos africanos de “Vem Me Dar”, mas o público pedia mais e os cinco rapazes fizeram um único encore com comicidade, e muito groove, para a cover de “Bicha Nota 10”, de Pinduca.
Por diversos momentos, os créditos firmados dos músicos cariocas deram lugar a uma percepção coletiva de uma pequena orquestra versátil. Aldous Huxley disse uma vez que “aquilo que mais aproximadamente exprime o inexprimível é a música”. Em Lisboa, o Do Amor transmitiu, em pouco mais de uma hora, um sincero encantamento musical.
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– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista, reside em Lisboa e colabora com o Scream & Yell
– Os gifs foram feitos por Diego Medina (http://www.diegomedina.com/) e as fotos são de João Lima, cortesia do espaço Arte&Manha (http://arteemanha.org/)
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– Do Amor faz piada, homenageia, diverte. Porém, parece ter perdido o timing. Será? (leia aqui)
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