por Eduardo Martinez
“A @Superguidis informa que encerra suas atividades, por interesses pessoais que conflitavam com os da banda.” Foi com esse tweet, do dia 23 de junho de 2011, que a Superguidis, uma das melhores bandas de sua geração, anunciou o fim dos trabalhos.
Em 2006, a revista Bizz, em uma de suas voltas, dessa vez sob o comando de Ricardo Alexandre, publicou uma espécie de guia intitulado: “13 Nomes Que Realmente Importam No Novo Rock”. Eram 10 internacionais e 3 brasileiros. Dos gringos, o único que realmente vingou e se tornou “grande” foi o Arctic Monkeys. Alguns tiveram seus momentos e continuam na ativa, como Wolfmother, Guillemots, We Are Scientists, Clap Your Hands Say Yeah e Hard-Fi, outros não tiveram muita visibilidade nem na época, como Hal, Los Alamos e Stephen McBean, por exemplo.
Entre os brasileiros, o Moptop foi bastante incensado naquele contexto, mas teve uma incursão não muito bem sucedida no mundo das grandes gravadoras. Com dois discos gravados, continua em atividade. O Supercordas manteve-se no underground e sustenta ainda um grande número de admiradores enquanto prepara um aguardado segundo disco. O último nome era de um tal de Superguidis, grupo gaúcho de Guaíba/Porto Alegre.
O texto da Bizz recomendava as músicas “Malevolosidade” e “Discos Arranhandos”. Na descrição dizia que o grupo era como uma mistura de Foo Fighters, Guided By Voices e Los Hermanos. Ouvindo “Malevolosidade” e pensando em um misto do lado mais power pop dos barbudos (“Cara Estranho”, por exemplo) com alguma guitarreira grudenta de Dave Grohl, até fazia sentido. Bastava, no entanto, ouvir o disco de estreia inteiro para ver que a língua falada ali tendia muito mais para o Guided By Voices.
Guitarras hora furiosas, hora dissonantes contornavam letras de temática adolescente cantadas com tanto potencial melódico que, ainda hoje, são difíceis de esquecer. Andrio Maquenzi (voz e guitarra), Lucas Pocamacha (guitarra), Diogo Macueidi (baixo) e Marco Pecker (bateria) traziam para língua portuguesa, sem perdas no percurso, um universo dos anos 90 povoado por Pavement, o já citado Guided By Voices, Yo La Tengo e outras bandas.
As letras do primeiro disco, auto-intitulado, são curtas e tratam de assuntos cotidianos de forma despojada, beirando o cafona: “olha o que eu trouxe pra enfeitar / maravilhosamente o seu lar/ paguei baratinho no mercado / e to pensando em colocar no quarto ao lado”, cantam em “Spiral Arco-Iris”.
No segundo álbum, “A Amarga Sinfonia do Superstar”, as guitarras aparecem mais encorpadas e a voz de Andrio potente como nunca. As letras ganham um tom levemente mais sério, o que desagradou uma parte da crítica. Disseram que a banda perdeu o frescor do debute e “amadureceu” demais. Embora o disco tenha realmente uma atmosfera mais melancólica, não é difícil encontrar lampejos do despojamento de antes nas letras: “Pra não estressar/ não esbranquecer os cabelos / e depender a vida toda de Wellaton”, dia a letra de “Apenas Leia”.
A música “Os Erros Que Ainda Irei Cometer” traz um verso que simboliza bem a forma como o grupo foi, de fato, amadurecendo, mas sem perder a aura jovial do início: “Pelos becos amontoados de silêncio / penso nos dias que ainda tenho pra viver / bicicletas aro 15, tênis com cheiro de chiclete / são o bastante pra me lembrar desses anos que voam sem parar”. Coincidentemente, ou não, várias músicas do disco resvalam na temática do passar do tempo, da nostalgia. A festeira “Riffs”, resgatada do início da carreira, surge como faixa escondida e funciona como um “não se desespere, ainda somos os mesmos”.
No terceiro álbum, novamente homônimo (mas conhecido por “3”), lançado em 2010, o início com a balada acústica “Roger Waters” choca. Mas por pouco tempo. Após 2 minutos e 11 segundos “Não Fosse O Bom Humor” traz possivelmente as guitarras mais altas da carreira dos gaúchos. O contraste das duas primeiras músicas dita a tônica do disco: guitarras altas e um mergulho ainda mais profundo na melancolia iniciada no trabalho anterior. O que aponta “A Amarga Sinfonia Do Superstar” como um disco de transição. Em 2010 a banda se mostra equilibrada, segura de si e, por que não, madura.
“Visão Além Do Alcance”, “Roger Waters” e “Aos Meus Amigos” trazem violinos. “As Camisetas” começa com ritmo truncado e cai no refrão que evoca comédias românticas pop: “Por que será que sempre chove toda vez que alguém te abandona?”. “Quando Se É Vidraça” e “Fã-Clube Adolescente” são mais rápidas e agitadas, ou como os próprios guidis definem: são “pau dentro”. “De Mudança”, do meio em diante, é Alice In Chains puro. “Casablanca” retoma o vigor enquanto “Nova Completa” traz altas doses de melancolia, mas nada comparado a “O Usual” com seu refrão corta-pulso: “De repente o medo de morrer sozinho me incomoda mais que o usual”.
A última música do disco, “Aos Meus Amigos”, não só resume o álbum, mas traz elementos presentes por toda a carreira da banda. Versos que remetem ao primeiro trabalho: “E a simplicidade de quem tem / um par de tênis furado”; a melancolia introduzida em “A Amarga Sinfonia do Superstar”; e a fusão entre guitarras e arranjos de cordas do terceiro. Tudo isso sem contar o belo refrão, outra marca do grupo. Uma maneira bonita, mesmo que inconsciente, de encerrar as atividades.
A Superguidis conseguiu captar como poucos o espírito adolescente em três discos. Para alguns, refletiram uma aura já não existente, saudosista. Mas é preferível pensar que eles traduziram o sentimento que poderia ser vigente na juventude atual. Um último EP, “EPílogo”, foi colocado para download gratuito na Trama Virtual com versões demo e ao vivo de faixas que iriam compor um novo lançamento do grupo, mas que ficaram pelo caminho atropelados pela incerteza do cenário independente.
Em entrevista à revista Rolling Stone, Andrio Maquenzi disse que a decisão pelo fim da banda foi tomada sem atritos. “Foi tudo muito tranqüilo. Somos, acima de tudo, brothers, amigos de longa data. O que aconteceu foi que cada um tem outros projetos pessoais e profissionais que estavam conflitando com os da banda”. Disse ainda que irá continuar com projetos musicais de antes como o Medialunas (com Liege Milk, do Loomer e Hangovers) e o Worldengine.
Andrio Maquenzi, Lucas Pocamacha, Diogo Macueidi e Marco Pecker deixam como legado os três ótimos discos, lançados entre 2006 e 2010, e a insatisfação em saber que bandas tão legais nascem e morrem no underground, tornando-se marcantes para alguns, mas desconhecida para tantos outros. É preciso repensar um cenário que não consegue comportar bandas como a Superguidis e tantas outras com enorme potencial para conquistar um grande público, mas que saem de cena sem o merecido sucesso. Se uma banda é reconhecidamente boa, lança grandes discos e faz ótimos shows, por que ela não consegue sobreviver fazendo música no Brasil? A culpa é do artista ou do cenário? Vale pensar nisso. E ouvir as músicas novas da Superguidis. Eles ainda tinham muita lenha pra queimar…
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Eduardo Martinez é jornalista e assina o blog A Ilha dos Mendigos
Leia também:
– Lucas Pocamacha fala sobre o Terceirão ao Scream & Yell, por Janaina Azevedo (aqui)
– “A Amarga Sinfonia do Superstar”: poesia juvenil movida a guitarradas, por Mac (aqui)
– “Superguidis 3”: há uma cicatriz na alma do álbum que pede atenção, por Mac (aqui)
– “Bootleg: Ao Vivo em Brasilia”, Superguidis, por Marcelo Costa (aqui)
– Baixe a discografia da Superguidis, incluindo o EP “EPílogo”, na Trama Virtual (aqui)
po, muito triste
uma das minhas bandas favoritas
=(
O fim da Superguidis serve pra mostrar o quão absurdo é o esforço para manter uma banda ativa no Brasil e a quantidade de coisas que você tem que abrir mão para que as coisas deem certo. É triste, muito triste.
Cara, nem tem o que falar, é a triste realidade que se transformou a cultura brasileira onde só coisas muito rasas como funk e sertanojo universiotário parecem chamar a atenção de uma juventude totalmente emburrecida. O fim de mais uma banda que devia ter estourado porque tinha qualidade pra isso, mas não chegou lá. Muito triste mesmo…
Minha banda favorita. Um dos melhores shows que já vi. Haviam poucas pessoas no dia do show..uma pena..enquanto isso algumas bandas mediocres lotam estádios…
Não sei, acho que só aqui consigo comentar. Eu acho foda que várias bandas conseguem se sustentar com a musica independente, mas o Superguidis não. Acho muito foda isso. Talvez o jeito com que eles tenham feito a coisa toda (sempre foram alheios a mtv, por exemplo, independente do que você ache do canal; o selo senhor f que ficou permeando demais toda a carreira da banda, fora que sempre foram meio chatos no tato com a critica), atrapalhou a coisa, mas o maior fator é mesmo se sustentar com a banda. Faltou um esquema bom pra isso, não tinham empresário. E sem isso sabemos que dificulta mais ainda o percurso. Espero que voltem uma hora e façam tudo correto agora, mais ainda a musica.
Triste o fim do Superguidis.
Só pra constar, o Moptop também já acabou.
Passei batido pelo fim do Moptop. Valeu, Gregório.
Na verdade o Moptop nunca acabou,nem disseram nada.Tá em hiato,como é conhecido o famoso agora.Vamos ver porque estou ansioso pela volta.
VOLTA SUPERGUIDIS!
Poxa, e o bom Ecos Falsos também acabou.
“Mudamos tanto eu e você durante esse último ano…
Você vai para o lixo e eu vou chorar na despedida…”