Balanço: Saiba como foi a 5ª edição do Festival Se Rasgum, em Belém

por Vladimir Cunha

Entre uma cerveja e outra na Vila Madalena, um amigo filosofava sobre festivais de música. “Cara, festival de música tem que ser a melhor festa da tua vida. É pra ir de galera, encher a cara, dançar e voltar de manhã pra casa. Quanto mais shows tiver melhor. E quanto mais diferentes eles forem entre si mais a festa vai ser foda”.

Lembrei dessa conversa no momento em que vi um menino, literalmente, se jogar no chão quando tocou a música-tema de Tieta, do inventor do fricote Luis Caldas. O mesmo garoto que dançava ao som indie do Teenage Fanclub e que armou uma quadrilha improvisada com os amigos quando o DJ emendou com “Sou Camaleão”, do Chiclete com Banana. E pra entrar no clima “24 hour party people”, um bando de loucos ainda tirou a roupa e se jogou no laguinho que cerca o deck do Centro de Convenções de Belém do Pará. Era só a noite de lançamento e tudo indicava que o V Se Rasgum ia ser uma festa do caralho.

Odair José

Mas quem está de fora não entende isso e desconfia quando lê que Odair José fez um show antológico e que a molecada perdeu a linha quando decidiu invadir o palco do tecnobregueiro Nelsinho Rodrigues para dançar “O Gererê”. Claro, tem quem ande eternamente envergonhado de suas origens, disposto a classificar as coisas a partir de parâmetros defensivos e refratários ao novo. “Ah, Se Rasgum, é aquele festival de roqueiro com nome esquisito e aquelas bandas que ninguém conhece, né?”, argumenta o sujeito meio confuso, sem entender muito bem como (e porque) aquela Zona Autônoma Temporária surgiu do nada no bairro portuário de Belém.

Agora se ponha no lugar de quem estava ali, à beira do palco, vendo Odair José recriar clássicos bregas com o auxílio da excelente banda mineira Dead Lover’s Twisted Heart, que, de maneira esperta, resistiu à tentação de modernizar demais o som do velho trovador da MPB. Imagine poder ver um show no qual você sabe todas as músicas, todos os refrões, mesmo que não faça a mínima idéia de onde os aprendeu. E no qual ainda pode tirar a gatinha ao lado pra dançar e se divertir com o garoto que subiu ao palco em “Pare de Tomar a Pílula” para entregar ao cantor uma caixa de anticoncepcionais.

Graforréia Xilarmônica

Lá de cima, Odair não conseguia esconder a surpresa ao ver dois mil e poucos meninos e meninas cantando “A Noite Mais Linda do Mundo”, “Cadê Você”, “Eu Vou Tirar Você Deste Lugar” e todas aquelas canções de amor que a gente conhece desde criancinha. Talvez achasse ter sido chamado para fazer um show trash, para então ser sacrificado ao sucumbir soterrado por toneladas de ironia. Talvez não esperasse toda aquela carga de devoção e respeito, de um público que cresceu com a música brega em seu DNA, mesmo que more em uma cidade que rejeita isso como um defeito genético a ser corrigido nas gerações futuras.

O show de Odair era apenas a segunda parte da trilogia brega que fez da segunda noite do V Se Rasgum a mais divertida de todas. Minutos antes, a Graforréia Xilarmônica – cujos integrantes se plantaram no gargarejo e tietaram Odair José durante toda a sua apresentação – misturou fãs saudosistas e neófitos num bailão brega-punk-atonal que quase começa mal quando Carlo Pianta arrebentou uma das cordas da guitarra. O público broxou – até porque estava na pilha por conta do excelente show da Cabruêra, que veio antes –, a temperatura diminuiu e o que poderia ser o começo de um desastre foi contornado pela esperteza de Frank Jorge ao anunciar uma “música para troca de cordas de guitarra”. Na moral, levou uma música inteira só com baixo e bateria. Cordas trocadas, o baile seguiu animado com “Empregada”, “O Patê”, “Bagaceiro Chinelão” e “Nunca Diga”. Em “Amigo Punk”, um fã perdeu o controle e chorou copiosamente à beira do palco.

Nelsinho Rodrigues

Depois disso o que restava a Nelsinho Rodrigues? Fazer o que sempre fez: botar o povo pra dançar. A recepção do público a músicas como “Me Libera”, “Melô do Traficante” e “Coisas de Casal” provou que, sim, o tecnobrega pode sobreviver como estilo musical e não apenas como uma curiosidade trash. É música para dançar agarrado, xavecando o broto, tirando uma casquinha entre um bate-coxa e outro. Foi o que fez quem se dispôs a entrar no espírito brega-pop de Nelsinho e até arriscou subir ao palco quando ele convidou o público para dançar o “Gererê”.

Terminado o baile brega-pop, o Cidadão Instigado fez uma apresentação voltada apenas para os fãs, seguido por Felix Robatto e sua guitarrada tecnobrega, que sofreu com problemas técnicos e com uma queda de luz. Mesmo assim, segurou as pontas e reverteu a situação ao chamar Gaby Amarantos para fechar o show.

Eis que entra no palco principal Otto Maximiliano fechando o primeiro dia do festival. Já passava das quatro da manhã e o precursor do mangue bit e sósia do Piteco estava mais animado que criança de sapato novo. Avisou que ia perder o vôo, que ia tocar mais que o combinado com a produção do festival e caetaneou ao fazer uma série de discursos sem sentido sobre o sol, a arte, o Universo e a vida marinha. Pediu licença ao público paraense para tocar um carimbó e cumpriu a promessa feita no começo do show. Saiu de cena às sete e meia da manhã na maior gandaia, cantando no meio da galera que ainda queria mais.

Otto

Difícil é encontrar disposição para mais uma maratona de shows depois da noitada de sábado. Mas rolou e o último dia do festival, apesar de não ser tão divertido quanto os dois primeiros, segurou a onda com o instrumental doidão do Projeto Secreto Macacos, o eletromelody de Marcos Maderito – O Garoto Alucinado e o hardcore dos Delinquentes. Já o rapper Emicida, um dos shows mais esperados do festival, não disse a que veio com uma apresentação burocrática e sem novidades.

No vôo de volta pra São Paulo – que me fez perder os shows do Dubalizer, Madame Saatan e Slackers – impossível não pensar na crise que o Se Rasgum acirra ano após ano. A cada nova edição do festival torna-se mais óbvio que é preciso resolver quais as intenções da parte dominante da cena de Belém do Pará, que não consegue ir além dos velhos clichês rock’n’roll. Um problema que se repete no som derivativo das bandas Dharma Burns, Paris Rock e Mostarda na Lagarta.

Os Delinquentes

E aí sobrou de novo para o tecnobrega e para quem decidiu fazer as pazes com a matriz cultural do povo paraense. Isso ficou claro nos shows de Félix Robatto, Marcos Maderito e Felipe Cordeiro, que pode morrer na beira se não decidir se quer ser a Blitz, os Mamonas Assassinas ou ele mesmo. Pio Lobato continua tentando, mas a informalidade com que trata o próprio trabalho impede que ele siga adiante.

Belém já passou tempo demais sendo apenas uma promessa dentro do cenário pop brasileiro e tem potencial para se firmar como um pólo musical realmente produtivo e influente. Mas é preciso que os músicos locais finalmente entendam as regras do jogo. Enquanto isso não acontecer, a cidade continuará vivendo de espasmos criativos e expectativas frustradas.

– Vladimir Cunha (@vcunha) é jornalista e é um dos diretores do documentário “Brega S/A”

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Leia também:
– IV Festival Se Rasgum em Belém, 2009, por Ismael Machado (aqui)

Fotos de Glauce Andradee Renato Reis. Mais imagens do V Festival Se Rasgum aqui.

5 thoughts on “Balanço: Saiba como foi a 5ª edição do Festival Se Rasgum, em Belém

  1. os slackers desceram e começaram a tocar com todo o povo, o nipe de metais no caso, pois ficou difícil pro vocalista e tecladista fazer a mesma coisa. de trenzinho aos passos mal feitos de ska (incluindo o meu) os slackers só não fizeram o melhor show da noite de domingo pois teve gang do eletro no espaço laboratório e delinqüentes no palco principal.

  2. Vlad, amigo, esse foi o primeiro se rasgum que não fui. bom ler teu texto. a gente sabe como é que muitas vezes, detreminadas coisas que escrevemos são mal compreendidas e interpretadas. que isso não aconteça com esse teu aqui em nossa capital belém. abraço.

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