por Ismael Machado
Fosse Belém uma capital um pouco mais organizada e o resto do país – ou pelo menos o mundo pop – teria despertado para a sonoridade que a primeira metade da década produziu na cidade. Cravo Carbono, Pio Lobato, La Pupuña, Coletivo Rádio Cipó, Eletrola, Lu Guedes, Delinquentes, Euterpia, Madame Saatan, Iva Rothe, Norman Bates, Sevilha, enfim… uma lista quase inacabável de bandas e artistas que flertaram com os mais diversos estilos e ritmos. Essa miscelânea de sons foi o fermento ideal para o surgimento e consolidação do Se Rasgum Festival, que já entrou no calendário pop cultural do Brasil.
Entre essas bandas uma se destacava por conta da incrível facilidade de costurar canções pop fáceis de gravar na cabeça e quase impossível de se desgarrar delas. Suzana Flag. Uma banda que surgiu em Castanhal, município distante cerca de duas horas de Belém, trazendo na bagagem um repertório calcado em desilusões amorosas, esperanças adolescentes, cotidianos urbanos e indecisões às bordas da maturidade.
Em Belém a banda começou a tocar em festinhas e outros espaços pequenos. Foi conquistando um público fiel e apaixonado. Entre 2004 e 2006, triênio de rara confluência criativa na capital paraense, o Suzana Flag foi estabelecendo um lugar certeiro nos corações dos amantes da musica pop perfeita.
Nesse período a banda lançou “Fanzine”, disco que merece um estudo à parte por especialistas. Gravado de forma totalmente caseira e driblando as regras do bom senso, “Fanzine” trouxe à tona canções como “Ludo” e “Recreio”, perfeitas ‘silly love songs’ que formaram com a bela “Contraposto’ uma espécie de santíssima trindade de canções que retratam as idas e vindas de relacionamentos e desilusões adolescentes.
Com uma guitarra que lembra “Love Vigilantes”, do New Order, “Contraposto” tornou-se, em Belém, uma espécie de hino dos amores perdidos. Não era raro, nos shows da banda, encontrar pessoas chorando ao ouvir os versos: “Você prefere os tons mais toscos / Se o dia te oferece cor / Você prefere o tempo frio / Se o tempo pede mais calor/ Não ir em frente quando / Se deve ir mais longe / Não ser tão claro quando / Te pedem explicação. / Ficar pensando em nada / Enquanto tudo pede atenção / Não ver o lado bom das coisas / Apenas por contradição / E só ter pressa / Quando se tem a vida toda / Podia parecer contente / Mas hoje você não quer se alegrar / E quando tem que ser discreto / Não quer se conter / Às vezes some quando / Tem que aparecer / Você diz que não demora / Mas vai se atrasar / Você chega atrasado / Quando não quer chegar / Nem se o céu cair sobre você / Mudar de cor pra você ver / Não vai mudar nada em você / Eu não vou ficar pra te perder / Eu vou sair pra te esquecer”. Feita de antíteses típicas de relacionamentos amorosos, “Contraposto” poderia ter encantado o Brasil. Mas Belém está longe demais das capitais.
Lutando para gravar o segundo disco, o Suzana Flag foi obrigado a um retiro forçado. Durou cerca de dois anos. A banda ressurge agora com “Souvenir”. Uma produção feita com esmero e que flagra a banda na encruzilhada do fim da adolescência perdida e início da maturidade que sempre chega trazendo mais dúvidas do que certezas.
Reduzido a um trio (o casal Joel Melo – cordas – e Susanne May – voz – e mais o baterista João Ricardo) o grupo vem em busca de um tempo que, se não foi perdido, trouxe cicatrizes que se refletem nas letras. Em “Híbrido”, a canção que abre o disco, eles parecem chamar os antigos fãs. “Pode vir, nós não temos tempo a perder. Sei que aqui está híbrido, vivendo entre nós”. O tempo urge. No mundo pop um ano ou dois parecem séculos. A banda sofreu perdas, passou por crises, pequenas revoluções internas. “E agora que meus heróis estão acorrentados / cativo o meu algoz num céu iluminado. De repente o mundo não é tão seguro. Vou ficar no meu abrigo antiaéreo”.
“Souvenir” foi mixado e masterizado no Rio de Janeiro. É como se a banda ganhasse um banho de loja. Buscou timbres diferentes, pesquisou soluções sonoras. Tentou encontrar a ponte exata entre a banda que começou em Castanhal e a que ainda acredita no futuro. “Eu to sem rumo, mas vou indo bem / andar errado às vezes convêm / caminho longo, atalho até que tem se acaso a gente se perder à frente”, eles cantam em “Santa Fé”, curiosamente nome de um bar onde a banda fez excelentes temporadas na cidade.
Duas canções de “Souvenir”, no entanto, não fariam feio em qualquer filme adolescente, ou mesmo em qualquer trilha de novela. “Dual” e “Um dia de cada vez”. A primeira é embalada num quinteto de cordas. Uma agridoce canção de amor, daquelas que diz “sinta-se só no amor”. E “Um dia de cada vez”, a faixa que encerra o disco, tem uma levada pra cima, uma típica canção pop perfeita, herdeira dos melhores momentos de Legião Urbana, Ira! ou mesmo Belle and Sebastian. Nada disso está na canção, mas o clima remete.
“Um dia de cada vez” fala de maturidade sem perda de inocência. De saber que nas noites de sexta-feira ainda se pode exagerar aqui e ali, mas há sempre manhãs de sábado, com café entre amigos e o trabalho esperando na segunda. “O mundo às vezes é bom / se aperto o dedo no portão / determinado, o sangue faz o coração acelerar de aflição / eu tive um sonho com você / parecia muito bom / na verdade aconteceu / é… alegria é um dom / acredite em você / eu te vejo de manhã”.
Longe de sambinhas de branco a la Rômulo Froes, longe da fofice chatinha de Mallu Magalhães, longe de querer imitar Los Hermanos, o Suzana Flag produziu um daqueles raros discos pop que servem para ser ouvidos em noites solitárias de sexta-feira ou em ensolarados sábados de manhã cercado por amigos. Um dos bons discos do ano.
*******
– Ismael Machado é jornalista e mantém uma coluna semanal no jornal Diario do Pará
Vi vários shows do Susana Flag na época do primeiro disco. Eram excelentes. Eles tinham talento e também muita energia e vontade. Embora fizessem no entremeio covers matadoras (um dos motivos iniciais de terem chamado a atenção do público), também pediam atenção para o trabalho autoral.
Ainda não vi a banda na formação atual, mas cheguei na época eles tocaram umas poucas músicas que iriam entrar no segundo disco, e as achei ainda melhores. Espero que as minhas expectativas para este trabalho se confirmem.
Na lista de bandas inesquecíveis de Belém faltou o Epadu, um cruzamento de rock, jazz e carimbó (!!!) que fez história. Não sei se deixaram disco, mas fizeram a ótima trilha sonora do curta metragem Dias, de Fernando Segtowich.
Marcus, vc tem toda a razão sobre o Epadu! A banda que herdou seu legado, a Soatá, estará em Belém para o Se Rasgum e vai fazer um show extra ao lado do Norman Bates e outras bandas paraenses.
Parabéns pelo texto do Ismael. Ficou muito bom e fiel.
Suzana Flag é um rio de boas canções e um montanha de talento! Impossível ficar parado e indiferente quando se ouve suas músicas,agrada dos 8 aos 80 e como tudo que é bom merece ser recomendado e divulgado deixo aqui minha recomendação e torcida para que a banda tenha sucesso e vida longa.
Muito bom, Ismael.
Ainda conheço pouco do pop paraense, mas do que já ouvi, Suzana Flag é um dos melhores. O som adocicado sem ser meloso do Souvenir embala o coração por emoções brandas e cruéis. Faz doer e sorrir, como a lembrança de um bom amor vivido. Souvenir é um presente para os ouvintes.
Muito bom! Que pop perfeito! Se ainda existissem rádios…
e às vezes a voz lembra um pouco a da Fernanda Takai, só mais “encorpada”.
De onde vieram tantas bandas tão boas nesses últimos anos, né? nunca na história desse país…
Minha banda preferida daqui de Belém
parabéns, ismael. e parabéns ao suzana flag, agridoce na medida certa.