por Tiago Agostini
Fotos: Caroline Bittencourt
“É um prazer tocar para tantas gerações do Recife.” Foi com um enorme sorriso estampado nos olhos que Otto proferiu a frase para um lotado teatro da UFPE no primeiro dia do No Ar Coquetel Molotov. Até aquele momento, metade do show, o cantor já havia saudado seu estado natal várias vezes, fosse louvando Pernambuco ou apresentando o local de origem dos músicos da Jambro Band, uma banda “totalmente nordestina”, como soltou com orgulho.
Lúcido até onde se permite ser, Otto fez um show irretocável e consagrador. Ele já havia tocado na cidade após o lançamento de seu ótimo “Certa Manhã Acordei de Sonhos Intranquilos”, no Carnaval, mas o ambiente de festa e a repercussão recente do trabalho não deram o clima perfeito para o cantor. Agora, num belíssimo teatro, com som perfeito, e música na novela, Otto, entregue ao máximo à performance, fez um show redentor. O público respondeu cantando boa parte do repertório e pedindo um dos poucos bis do festival.
Otto está feliz. Dança o tempo inteiro, joga água no cabelo para o delírio do público feminino – puxa uma fã ao palco para dançar colado em “Pra Ser Só Minha Mulher”, tira a camisa, se joga no chão, pula no meio da plateia para cantar com o povo. Mesmo assim, sua voz carrega as múltiplas feridas que o fizeram cometer um dos álbuns do ano passado. Seu cantar é triste e pesado, mas a grande terapia para ele tem sido o palco. Se for em casa, para fazer o grande show do No Ar Coquetel Molotov, melhor ainda.
No entanto, Otto não foi estrela solitária nos dois dias de festa. Logo antes do cantor os suecos do Miike Snow hipnotizaram a audiência com seus sintetizadores e ritmo quebrante, além de um jogo de luzes simples e envolvente. Uma ótima surpresa para os tiozões que esperavam a grande atração da noite. Zé Cafofinho e Suas Correntes também fez uma bela apresentação unindo samba, brega e MPB em doses iguais.
A decepção no teatro ficou com a perfomance da francesa Soko, um crossover de Mallu Magalhães com Lulina cantando músicas que poderiam ter sido escritas por Phoebe Buffay. Vestida com um chapéu de bruxa e uma camisola de tia velha, a cantora protagonizou algo próximo a um sarau de crianças. Constrangedor. Antes, na Sala Cine, a dupla sueca Taxi Taxi! arrebatou corações com seu lo-fi sentimental e o Bemba Trio (BA) botou a galera para mexer as cadeiras.
Se a sexta foi de Otto, o sábado prometia ser dos americanos do Dinosaur Jr. Com um público menor e mais jovem que o dia anterior, a noite começou a esquentar (literalmente) com o ótimo show do Do Amor na Sala Cine. O quarteto carioca provou porque é uma das grandes bandas brasileiras em atividade esbanjando suíngue e alegria. Impressionou ver o público pedindo “Pepeu Baixou em Mim” e “Isso É Carimbó”, está última proporcionando o arrasta-pé dos casais. Um show divertido para agradar multidões.
No teatro, A Banda de Joseph Tourton abriu os trabalhos lançando seu primeiro disco com participação do pianista Vitor Araújo. Jovens talentosos, os meninos passeiam pelo kraut rock, o jazz e o psicodelismo em temas instrumentais etéreos. Para prestar atenção. O Taken By Trees, da Suécia, fez um show fofo e doce demais, um contraponto à performance inebriante de Mad Professor, que encheu a casa de dub intenso, mesmo com a decepção de ter trazido faixas prontas e não mixar quase nada no palco. Perto do fim, Emicida provou porque é incensado como o grande destaque do rap nacional e apontado como uma das revelações atuais. Com rimas precisas e batidas espertas (usar o sampler de “Quero Te Encontrar”, de Claudinho e Buchecha, é coisa de gênio), o paulista ganhou o público.
Mas era o Dinosaur Jr que a plateia queria. Se até então os show do sábado podiam ser vistos tranquilamente sentados nas poltronas laterais, a aglomeração fanática em frente ao palco – que deixou os seguranças de cabelo em pé – era digna de uma casa de show pequena e abarrotada. Clima perfeito para que a lenda do rock independente entrasse no palco.
E o Dinosaur Jr não decepcionou. Com um som nítido e absurdamente alto – bateria à frente com os três alinhados, três amplificadores de baixo e seis de guitarra – J Mascis, Lou Barlow e Emmett Murph dispensaram firulas e apresentaram rock n’ roll direto em seu estado puro. Com uma luz branca chapada e permanente no palco, os três pouco falaram com o público. Não precisava. Imerso em seu mundo particular, Mascis solava com perfeição milimétrica enquanto Barlow parecia ter uma ligação espiritual com seu baixo. Poucas vezes a expressão “estuprar os ouvidos” pode ser usada com tamanha precisão de forma positiva. Ao final da apresentação, não foram poucas as pessoas que classificaram a noite como uma das melhores da vida.
O No Ar Coquetel Molotov é talvez o melhor festival independente do Brasil. Com curadoria meticulosa, une boas e novas apostas com nomes consagrados da música distribuídos em uma programação concisa e não cansativa. Com seu “jardim” circular, o Centro de Convenções da UFPE é um espaço agradável e proporciona atrações interessantes paralelas aos shows, como um estúdio para que o público faça jams que fica lotado quase o tempo inteiro.
Não dá, porém, para creditar o sucesso apenas à organização. O público pernambucano é peça fundamental na equação. O mangue beat e o Abril Pro Rock criaram uma tradição de boa música na cidade que fica nítida no comportamento durante o festival. Não à toa Recife abriga hoje três grandes eventos de música independente: além do No Ar e do já citado APR, o Rec Beat é parte importante do carnaval multicultural da cidade. A renovação de gerações de artistas de qualidade da cidade também é prova disso, numa linha evolutiva de Mundo Livre e Nação Zumbi a Joseph Tourton, passando pelo Mombojó. A impressão de fora é que Recife respira e respeita a cultura. “Não queria ter vindo ao mundo em lugar nenhum, mas agradeço por ter nascido aqui”, disse Otto em certo momento do show. Faz sentido.
*******
Tiago Agostini é jornalista e assina o blog A Balada do Louco. O Scream & Yell viajou a convite da produção do evento. Veja mais fotos do No Ar Coquetel Molotov 2010 aqui.
vendo a foto do Dinosaur Jr. dá para ver claramente que o J Mascis usou quatro amplificadores.
Foram 2 cabeçotes Marshall e mais um Hiwatt, todos 100Watts, cada um deles ligado a duas caixas de 4 falantes de 10 polegadas e mais um amplificador Fender combo (não sei o modelo) ao seu lado com o falante virado direto para sua cabeça.
Um parágrafo para o show do Miike Snow é insuficiente.
Ele usou duas colunas Marshall, 1 Hiwatt e uma Fender de frente pra ele.
Muitas atrações foram ridiculas na minha humilde opinião como Emicida, Mad e boa parte dos invasores suecos, se tivessem colocado Otto, Joseph e Dinosaur Jr estava de ótimo tamanho. O festival estava incrivel na organização coisa pra inglês ver e mais uma vez tenho que agradecer ao pessoal do CM. No passado me deram Teenage Fanclub e agora Dinosaur Jr. Meus comentários sobre as bandas tem a ver apenas com meu gosto e, cada um tem o seu.