Discografia comentada: Elvis Costello

por Marco Antonio Bart

Minhas primeiras lembranças do homem são hoje difusas. Lembro de ter visto os clipes de “Everyday I Write the Book”, “Peace, Love and Understanding” e “Oliver’s Army” no bom e velho programa Vibração. Mas também posso ter ouvido “Let Him Dangle” na Fluminense FM (foi a música que escolheram para divulgar o álbum “Spike” na rádio, sabe lá por que). Enfim, Elvis Costello entrou na minha vida lá por volta de 88-89. Comprei o “Spike” após ter gostado instantaneamente de “Let Him Dangle”. Ajudado por uma bio escrita por Celso Pucci na revista Bizz, fui catando os vinis que apareciam nos sebos da vida – “Get Happy!!”, “Armed Forces”, “Punch the Clock”, “King of America” e principalmente a coletânea “The Man” (importada, um luxo), que ajudou numa visão panorâmica da obra.

Entretanto, a coisa só ficou séria mesma depois do show que ele fez no Tim Festival em 2005. Sem dúvida um dos melhores que já vi na vida, talvez o melhor – repertório impecável, banda excelente, grande presença de palco. E interpretações acachapantes para duas favoritas pessoais, “High fidelity” e “I Want You” (veja como foi aqui). Foi ali que resolvi cair de cabeça, um mergulho impulsionado pelo DVD “The Right Spectacle”, bela coletânea de clipes. Hoje Elvis Costello é o campeão de entradas em minha discoteca: 27 CDs (mais o box “Costello & Nieve”, edição limitada) e nove LPs, superando os usuais suspeitos Beatles, R.E.M., Bowie e Dylan. As sucessivas reedições de seus clássicos obrigam a ter dois, às vezes três versões do mesmo disco (caso do “This Year’s Model”, presente em vinil, CD simples e CD duplo deluxe). Fora a caralhada de piratas ao vivo de todas as fases da carreira do cara. E itens extraclasse tipo o disco da Wendy James (ex-Transvision Vamp), recheado de canções inéditas de Costello (consta que ela escreveu para ele pedindo uma música e ele deu um disco inteiro) mais algumas trilhas sonoras.

Fato é que hoje em dia, acima de Declan Patrick Aloysius MacManus em meu panteão pessoal de compositores, só mesmo Lennon & McCartney. Não canso de admirar sua versatilidade, sua métrica ímpar, suas letras excepcionais (e nem sou muito ligado em letra). E acima de tudo seu dom de melodista. No seu ápice criativo, era capaz de enfiar sequência após sequência de clássicos instantâneos, que uniam (unem) sem emendas influências múltiplas – beatlemania, country, Brill Building, Motown, Bacharach, jazz, punk, blues, reggae, standards, rockabilly. Às vezes mais de um gênero ao mesmo tempo, na mesma música. O homem não é apenas uma enciclopédia da música popular dos últimos 60 ou 70 anos; ele também consegue costurar todo o seu conhecimento em canções que nascem atemporais. Em alguns momentos, sim, resvala no pastiche; noutros, parece perder um pouco a personalidade; em terceiros, renuncia (voluntariamente) à originalidade. Mas sempre deixa o ouvinte com vontade de assobiar. O que mais importa no pop, afinal?

Para uma discografia detalhada e completa mesmo, o único endereço a verificar é o oficial (aqui), de onde, claro, suguei muitas informações. Que fique claro: o texto a seguir não se trata de uma análise superprofunda da obra e da carreira do artista. É mais um “diário sentimental” de minha relação com seus discos e – se a pretensão não for muita – um pequeno guia para orientar neófitos que queiram se embrenhar na longa discografia do sujeito.

Nota do editor de um detalhe deliciosamente complicador: grande parte da discografia de Elvis Costello (mais precisamente da estreia “My Aim Is True” até “All This Useless Beauty”), nada menos do que 17 discos, foi reeditada pela Rhino em extensas edições em CD duplo repletas de raridades e curiosidades. Não bastasse, quase todos os álbuns posteriores também ganharam edições de luxo caprichadas, o que faz da discografia comentada abaixo um ponto de partida: há muito mais a se aventurar em se tratando de Elvis Costello. Comece por aqui e se divirta.

“My Aim Is True” (1977)
O All Music Guide lista este disco como um “début fenomenal”. A resenha do NME à época do lançamento classificava-o como “um álbum de intenso brilhantismo”. Aos 22 anos, Elvis Costello despontava como uma ave rara: um punk rocker imbuído da mais clássica sensibilidade pop. A força do repertório vem dos anos de acúmulo de canções e refinamento de influências. A energia nervosa de “Waiting For The End of the World”, “Welcome to the Working Week”, “Mystery Dance” e “I’m Not Angry” era contrabalançada pela ourivesaria pop de “(The Angels Wanna Wear My) Red Shoes” e “No Dancing”, a ironia de “Less Than Zero” e “Watching the Detectives” e sobretudo por “Alison”, primeira de uma longa série de crônicas sobre relacionamentos amorosos que serviriam de base para algumas das mais memoráveis criações do compositor. A “mira” aqui só não é mais “verdadeira” por causa da banda que acompanhava Costello, o grupo americano Clover (que mais tarde viriaria o The News que acompanhava Huey Lewis). EC vinha da cena londrina de pub rock (assim como Nick Lowe, Joe Strummer, Graham Parker…) e “My Aim Is True” soa, não surpreendentemente, como um disco de pub rock (cheque “Blame it on Cain” e “No Dancing”). “Alison”, uma metabalada romântica, ganhou um arranjo que é puro soft-rock setentista. Os músicos do Clover simplesmente não tinham manha nem personalidade para acompanhar as múltiplas ideias de Elvis Costello. A questão seria resolvida no disco seguinte…

Melhor momento: A terceira estrofe da cinematográfica “Watching the Detectives” (“You think you’re alone until you realize you’re in it/ Now/…”), na qual Costello manda toda uma historinha em meia-dúzia de versos numa só tomada de fôlego, numa métrica entortante – proeza que ele repetiria bastante, especialmente nos primeiros discos.

Nota: 8,5

“My Aim Is True” está em catálogo em diversas versões, desde a simples com as 13 faixas originais passando pela versão Rhino de 2001, que traz um CD bônus com outras 13 faixas raras (entre demos, b-sides e números ao vivo) e também uma luxuosa edição deluxe lançada em 2007 que traz 12 faixas bônus no primeiro CD, e um show inteiro de agosto de 1977 (com as 18 músicas do show mais 5 da passagem de som) no segundo CD.


“This Years Model”, (1978)
Eterno favorito popular, responsável por três dos maiores hits do compositor (“Radio Radio”, só incluída na versão americana do disco, “Pump It Up” e “(I Don’t Want to Go to) Chelsea”), também é o primeiro disco gravado com os Attractions. Ao lado de Bruce Thomas (baixo), Steve Nieve (teclados) e Pete Thomas (bateria), Costello achou um grupo de músicos criativa e tecnicamente excelentes – e versáteis o suficiente para embarcar na velocidade das suas viagens mentais. O pobre Clover nunca conseguiria criar um arranjo tão entortante e idiossincrático como o de “Chelsea”, replicar o balanço de “The Beat”, seguir o passo furioso de Elvis em “No Action” ou preparar a síncope cavalar de “Pump it Up”. Os Attractions podiam soar suaves, como em “Little Triggers”, faceiros e leves, como em “You Belong To Me”, ou positivamente enraivecidos, como em “Lipstick Vogue”. “This Years Model” talvez seja o mais coeso disco de Costello, em termos de sonoridade. Todas as faixas, das mais agitadas às mais lentas, vibram na mesma energia maníaca. Com a aparição dos Attractions, a música de Costello integrou-se de vez à estética new wave/pós-punk, sem abandonar a veia melódica – um power pop anabolizado, adornado por letras furiosas que não perdoavam o amor (“Lipstick Vogue”), as mulheres (“This Year’s Girl”), os farsantes (“Chelsea”) e a mídia tacanha (“Radio Radio”).

Melhor momento: O discurso irado no break de “Radio Radio” (“And radio is in the hands of such a lot of fools trying to anaesthetise the way that you feel”). Por causa dessa música (e especificamente desse trecho aqui), Costello foi banido do programa Saturday Night Live por anos. Angry young Elvis at his best.

Nota: 9,5

“This Years Model” também está em catálogo em diversas versões, desde a simples com as 13 faixas originais passando pela versão Rhino de 2001, que traz um CD bônus com outras 12 faixas raras (entre demos, b-sides e números ao vivo) e também uma luxuosa edição deluxe lançada em 2007 que traz 10 faixas bônus no primeiro CD, e um show inteiro de fevereiro de 1978 em Washington DC no segundo CD.


“Armed Forces” (1979)
Continuação natural de “This Year’s Model”, mas com o ânimo bem mais arrefecido. Uma maior alternância de climas e arranjos mais elaborados (vários timbres diferentes de teclados) marcam o disco, no lugar do drive frenético do anterior. Elvis baixa a bola e se esmera na construção de melodias absolutamente perfeitas, acertando em cheio nos hits “Accidents Will Happen” e “Oliver’s Army”. Emula os Beatles em “Party Girl” (e sua coda chupada de “You Never Give Me Your Money”), soa lúdico e malicioso em “Green Shirt” e “Goon Squad”, e faz bom proveito da energia dos Attractions em “Big Boys” e “Moods for Moderns”. Para quem sentia falta da raiva de dantes, a edição americana (e a brasileira) encerrava com “(What’s So Funny ’Bout) Peace, Love and Understanding”, outro clássico, este composto pelo brother e produtor do disco, Nick Lowe.

Melhor momento: A terceira estrofe de “Oliver’s Army”, quando sobe o tom da música (“But there’s no danger…”). Não importa quantas centenas de vezes você ouça essa música, ela vai arrancar um sorriso nesse trecho.

Nota: 9

A versão Rhino de “Armed Forces” soma 17 faixas bônus as 13 originais.


“Get Happy!!” (1980)
Primeira tentativa explícita que Elvis Costello fez de construir um disco “temático”, ou talvez “tematizado” – approach que aplicaria a álbuns posteriores como “Almost Blue” e o recente “Sacred, Profane and Sugarcane”. Vindo de uma tremenda rebordosa causada por excesso de tudo – de shows, de mulheres, de drogas, de língua solta – Costello resolveu reinterpretar a soul music e o R&B americanos dos anos 60. Mas sob sua própria ótica: a de um inglês branquelo viciado em discos, crescido na era da beatlemania e que ganhou espaço surfando a onda punk. O resultado é um disco nostálgico, mas nunca passadista. Mesmo ao fazer covers, Elvis & os Attractions não se rendem à fac-simile. “I Can’t Stand Up For Falling Down”, balada de Sam & Dave, ganhou uma animada batida quase caribenha, e “I stand Accused”, hit de Jerry Butler, foi regravado numa levada frenética. A energia empregada em “This Year’s Model” dá a tônica mais uma vez, desta vez em prol de um som mais “populista” e acessível – as melodias fofas de “Love for Tender”, “Possession”, “Men Called Uncle”, “Clowntime is Over”, “Temptation” e “Secondary Modern” são os melhores exemplos. Mais crispadas, “The Imposter” e “Beaten to the Punch” eram o contraponto. “High Fidelity”, lançada como single, permanece como uma das mais perfeitas criações do homem, que em meio à imersão no R&B ainda achou tempo para criar sua própria adaptação de “You’ve Got to Hide Your Love Away” (com “New Amsterdam”). Insista em adquirir o relançamento da Rhino em CD duplo, que vem com 30 (!) faixas-bônus, incluindo maravilhas não incluídas no disco como “So Young”, “Just a Memory”, “Girls Talk” e ”Getting Mighty Crowded” e incríveis versões alternativas de “Watch Your Step”, “Clowntime is Over”, “Opportunity” e “I Can’t Stand Up For Falling Down”, entre outras.

Melhor momento: “Riot Act”. Num disco eminentemente uptempo e “pra cima”, Elvis escolheu como faixa de encerramento a mais lenta e dramática canção do lote. Num único aceno aos arranca-rabos que teve com a imprensa e a opinião pública nos EUA em 79/80, ele rasga o coração e canta “Trying to be so bad is bad enough / You make me laugh by talking tough /Don’t put your heart out on your sleeve/ When your remarks are off the cuff” – só pode ser referência ao rolo em que se meteu, bêbado, ao xingar Ray Charles sem motivo algum. Conclusão assombrosa para um álbum idem.

Nota: 10

A versão Rhino de “Get Happy!” soma 30 faixas bônus as 20 originais.


“Trust” (1981)
Recebido sem muito entusiasmo pelo público em 81, o quinto disco em quatro anos marcava a primeira (de várias) guinadas estilísticas de Elvis Costello. Cansado do som niueive dos trabalhos anteriores – com o qual já tentara romper em “Get Happy!!” – Costello começara a compor ao piano. Para emoldurar letras definitivamente sombrias, como as de “Big Sister’s Clothes”, “Shot With His Own Gun” e “White Knuckles”, o compositor optou por uma grande variedade estilística. Há rockabilly (“Luxembourg”), country (“Different Finger”), balada melodramática (“Shot With His Own Gun”), R&B em tom menor (“Watch Your Step”) e pop festeiro (“From a Whisper to a Scream”). A tecladeira de Nieve ganha ainda mais proeminência, como em “You’ll Never Be a Man” e “Fish ‘n’ Chip Paper”. Num disco que não primava pela coesão, cada um dos lados do vinil era aberto por um clássico absoluto, um bem distinto do outro. “Clubland” é uma das mais bem construídas melodias da carreira de Costello, com um arranjo que também destaca a finesse (e as raizes eruditas) de Nieve ao piano. No lado B, “New lace Sleeves”, uma canção antiga (de 1975) sobre infidelidade, também ganhava uma ambientação sônica sutil e refinada, considerada pelo próprio Costello como uma das melhores performances coletivas dos Attractions.

Melhor momento: O acorde C7M em “New Lace Sleeves”, quando Elvis canta “And you say…/ The teacher never told you anything but / white lies”.

Nota: 8,5

A versão Rhino de “Trust” soma 17 faixas bônus as 14 originais.


“Almost Blue” (1981)
Falando em guinadas… para recuperar-se do relativo fracasso de Trust, Elvis Costello e os Attractions se enfurnaram em Nashville, com o intuito de gravar um disco de covers de country music. Decisão a princípio chocante para um paladino da new wave. O fato é que Costello apreciava o estilo há tempos (era fã de George Jones e dos Flying Burrito Brothers) e já em 1976 exercitava-se na área como compositor (o caipiresco lado-B “Stranger in The House” foi gravado nesta época). Os Attractions até que se comportaram bem, domando seus instintos mais primitivos e respeitando os arranjos originais. Isso não impediu liberdades como a transformação de “Why Don’t You Love Me (Like You Used To Do)?”, de Hank Williams, num rockabilly desvairado e a inclusão de “Honey Hush”, do bluesmen Big Joe Turner, número beeeem distante do universo sertanejo, exceções num disco reverente, melancólico e um tiquinho melodramático. Costello exorciza seus problemas com a bebida (“Tonight the Bottle Let me Down”, de Merle Haggard, e “Sittin’ and Thinkin’”, de Charlie Rich), as atribulações da vida pop (“Sucess”) e suas dores de corno (como em “Brown to Blue” e ”I’m Your Toy” – que na verdade era “Hot Burrito #’1?, dos Burrito Brothers). Entre os bônus relevantes dos relançamentos em CD, cheque a bela recriação de “I’m Your Toy” gravada ao vivo, com os Attractions acompanhados pela Royal Philarmonic Orchestra.

Melhor momento: “Brown to Blue”, hit na voz de George Jones, uma lamentosa canção sobre separação. Literalmente: a letra narra uma audiência de divórcio! “You change your name from Brown to Jones and mine from Brown to Blue”, choraminga Elvis para a mulher que o largou e reassumiu o sobrenome de solteira.

Nota: 8

Na versão Rhino, de 2001, um segundo CD traz 27 faixas bônus que destacam apresentações ao vivo, sessões perdidas, um dueto com Johnny Cash (“We Oughta Be Ashamed”) além de um punhado de versões que ficaram fora do álbum, coisas como “Honky Tonk Girl”, de Loreta Lynn, “Psycho”, de Leon Payne e “Cry, Cry, Cry”, de Johnny Cash.


“Imperial Bedroom” (1982)
Costello concebeu seu sexto disco de material original como uma virada decisiva em sua carreira. Para tanto, convocou como produtor Geoff Emerick (AKA o engenheiro que ajudou George Martin a produzir os discos dos Beatles), armou-se de refinamento extra nas composições e deixou a imaginação correr solta na hora dos arranjos. O esforço rendeu o disco que a maioria dos críticos considera como seu melhor trabalho, mas que não chegou a ser um grande sucesso comercial. É a primeira deliberada incursão do cantor numa seara que alguns classificam como baroque pop. Realmente, “barroco” é um termo que vem à mente ao notar o nível de detalhe dos arranjos e a complexidade melódica e harmônica das canções. Sopros e um acordeão adornam “The Long Honeymoon”; Steve Nieve arregimenta uma orquestra para “…And in Every Home”; faixas como “Beyond Belief”, “Pidgin English” e “Kid About It” apresentam elaborados arranjos vocais. De fato, uma crítica que pode ser feita a “Imperial Bedroom” é que Costello aqui parece se esforçar demais, adicionando camadas e som e acordes inusitados e buscando um tom sóbrio e “complexo” para as composições. Quando ele afinava o foco, saia-se com maravilhas como “Man Out Of Time” ou “Almost Blue”. Retrabalhado várias vezes no estúdio, o repertório caracterizava-se por letras sombrias sobre a vida doméstica (“…And in Every Home”, “Tears Before Bedtime”, “The Long Honeymoon”).

Melhor momento: Sempre o rei da autodepreciação, Elvis espeta a si mesmo com requinte parnasiano em “Man Out of Time”, uma de suas mais belas canções desde sempre: “He’s got a mind like a sewer and a heart like a fridge / He stands to be insulted and he pays for the privilege”.

Nota: 9

A versão Rhino de “Imperial Bedroom” soma 23 faixas bônus as 15 originais.


“Punch The Clock” (1983)
Como que numa reação (involuntária?) à elaboração over do disco anterior, Costello resolve baixar um pouco a bola, contando com a ajuda dos produtores Clive Langer & Alan Winstanley – na época, escultores de sons “modernérrimos”. “Punch The Cloch” não deixa de ser um retorno ao conceito de “Get Happy!!” de reinterpretação da black music, mas dessa vez com valores de produção tipicamente oitentistas. No lugar da orquestra de 40 músicos empregada em “Imperial Bedroom”, a adição dos TKO Horns (a seção de metais que tocava com os Dexy’s Midnight Runners), as vocalistas de apoio Afrodiziak e até Chet Baker (o trompete de “Shipbuilding” é dele). Langer & Winstanley emprestaram um gloss aos timbres do disco que hoje pode soar meio datadão e estridente. Os trombones e trompetes agregados tornam “Let Them All Talk”, “The World and His Wife” e “TKO (Boxing Day)” uma divertida curiosidade na discografia de Elvis até aquele momento. “Everyday I Write The Book”, que originalmente era um roquinho em estilo merseybeat, virou um R&B macio, cheio de tiques estilísticos. A intervenção mais radical ocorreu em “Pills & Soap”, inspirada em “The Message”, de Grandmaster Flash (!) – à base de drum machine e um descarnado riff de piano. Na outra ponta, “Shipbuilding” era uma elegante balada jazzística que trazia uma inspiradíssima letra contra a Guerra das Malvinas.

Melhor momento: Elvis botando os bofes para fora (“I can/ Count you oooooooooooooooooouuuuuuuuuuu-t”) em “TKO”, tentando competir com a metaleira em brasa.

Nota: 8

A versão Rhino de “Punch The Clock” soma 26 faixas bônus as 13 originais.


“Goodbye Cruel World” (1985)
Nas liner notes do relançamento deste disco, escritas em 1995, EC escreve: “Parabéns! Você acabou de comprar nosso pior álbum”. Mais tarde, o próprio se remendaria, dizendo que este é seu “pior disco de boas canções”. “Goodbye Cruel World” é mesmo um caso complicado. A relação de Costello com os Attractions estava muito desgastada e o casamento do cantor estava em ruínas. Para dar corpo às canções depressivas que havia composto, Costello cometeu o erro de entregar a produção de novo a Langer & Winstanley, que encheram o disco de sintetizadores alegrinhos e programações duvidosas. Se soasse mais sóbrio e esparso, o disco poderia ser uma obra-prima da melancolia pop. Com a perfumaria sonora, as músicas soam incongruentes. Talvez o melhor (pior) exemplo seja “The Comedians”, uma música sobre cocainômanos (“The social circle have these cardiac complaints/ Their hearts are empty when their hands are full”) que ganhou um tecladinho saltitante e inconveniente. “I Wanna Be Loved”, “Worthless Thing” e “Home Truth” sofrem destino semelhante. Vale a pena investir na reedição da Rhino, que traz as versões demo de quase todas as canções do disco. Exemplo: originalmente uma balada, “The Only Flame in Town” acabou virando um número dançante (com percussão meio latina, solo de sax soprano e participação de Daryl Hall!). O clipe é hilário.

Melhor momento: Steve Nieve citando Bach em “The Only Flame in Town”.

Nota: 6,5

A versão Rhino de “Goodbye Cruel World” soma 26 faixas bônus as 13 originais.


“King of America” (1986)
Ressacado após os excessos (químicos e sonoros) dos últimos anos, Costello abandona – temporariamente – seu grupo e parte para investigar as raízes da música ianque, num disco essencialmente acústico, sóbrio e belo. A lista de músicos de apoio inclui gente que acompanhou Elvis (o original), Bob Dylan, Gram Parsons, Ella Fitzgerald e Oscar Peterson. Gravando na ensolarada Califórnia, longe dos conflitos com os Attractions e cercado de instrumentistas a quem admirava, Elvis Costello saiu-se com uma admirável safra de inéditas. Passeia com desenvoltura por blues, country, rock, jazz e R&B. “Poisoned Rose” poderia estar no repertório de Frank Sinatra. “Indoor Fireworks” poderia tornar-se um standard country (e foi escrita com essa intenção), assim como “Suit of Lights” ou “Brilliant Mistake”. A linda “Jack of All Parades” era mais uma adição ao Panteão EC do Pop Perfeito™. E ainda havia espaço para uma cover de “Don’t Let Me Be Misunderstood”, sem dúvida influenciada por Tom Waits, para o folk irado de “Little Palaces” e para a festinha de “Lovable”.

Melhor momento: Mestre das crônicas de relacionamentos amaldiçoados, em “Indoor Fireworks” Costello dava seu melhor resumo de um amor fadado à autocombustão: “Everybody loves a happy ending but/ we don’t even try/ We go straight past pretending right/ To the part where everybody loves to cry”.

Nota: 9

A versão Rhino de “King of America” soma 21 faixas bônus as 15 originais.


“Blood and Chocolate” (1986)
Aqui temos a primeira real virada na carreira de Elvis Costello, o encerramento da longa e nem sempre tranquila fase inicial de seu trabalho. Reagrupado com os Attractions, disposto a reconciliar-se com a eletricidade, Costello recupera o pique hiperativo de “This Year’s Model” com uma atitude amadurecida e (ainda mais) sarcástica. As composições são mais simples e diretas (“Uncomplicated” tem apenas um acorde) e as letras trazem mais relatos de amores fracassados (“Blue Chair”, “I Want You”, “Crimes of Paris”), falam de sexo e luxúria (“Poor Napoleon”, “Uncomplicated”) ou simplesmente empilham ironia sobre ironia (“I Hope You’re Happy Now”). Gravado ao vivo no estúdio, o disco é pródigo em sonoridades rascantes e andamentos acelerados – “I Hope You’re Happy Now”, “Uncomplicated”, “Tokyo Storm Warning”, “Honey Are You Straight or Are You Blind?”. Mas tem também seus momentos ternos: “Crimes of Paris” é de uma beleza ímpar, assim como as doces “Battered old bird”, “Poor Napoleon” e “Home is Anywhere You Hang Your Head”. A peça de resistência é “I Want You”. Ao longo de quase sete minutos, Costello veste a carapuça de um cornudo consumido pelo ciúme, acompanhado por um arranjo espartano. Ainda hoje é presença certa nos shows. “Blood and Chocolate” seria o último disco do cantor produzido por Nick Lowe (que trabalhou em seus seis primeiros álbuns) até “Brutal Youth” (1994). Oficialmente desmobilizados, os Attractions também só reapareceriam oito anos depois.

Melhor momento: “I want you/ It’s knowing that he knows you now after only guessing/ It’s the thought of him undressing you or you undressing” (“I want you”)

Nota: 9

A versão Rhino de “Blood and Chocolate” soma 15 faixas bônus as 11 originais.


“Spike” (1989)
Elvis Mark II começava aqui. Muita coisa mudara desde 1986. Não havia mais Attractions, ele casara-se com a cantora Cait O’Riordan (dos Pogues), iniciara uma parceria com o ídolo de infância Paul McCartney (que toca baixo e divide com Costello a parceria em “Veronica”) e assinara contrato com a Warner Bros. Solto no mundo (literalmente; o álbum foi gravado em quatro estúdios, nos EUA, Irlanda e Inglaterra), resolveu fazer seu disco mais eclético até então. Uma miríade de músicos o ajuda na viagem: McCartney, Roger McGuinn, a Dirty Dozen Brass Band, os veteranos sessionmen Jim Keltner e Jerry Scheff, Allen Toussaint… O resultado de tanta gente metendo a colher foi um álbum variadíssimo, de arranjos bastante elaborados – e um tanto extenso demais. O primeiro lado é fabuloso, mas depois o repertório esfria um pouco. Pode-se dizer que Elvis se diverte mais que o ouvinte, ao espalhar sua criatividade por um sem-número de estilos e climas. Há pop cristalino (“…This Town…”, “Veronica”), funk (“Chewing Gum”), jazz (a instrumental “Stalin Malone” e a neworleanesca “Deep Dark Truthful Mirror”), balada (“Baby Plays Around”), folk de protesto (“Tramp the Dirt Down”) e também criações indefiníveis como a ominosa “Let Him Dangle” e a onírica “God’s Comic”.

Melhor momento: Em “Tramp the dirt down”, uma das mais raivosas letras do homem, ele canta: “Well I hope you live long now, I pray the Lord your soul to keep/ I think I’ll be going before we fold our arms and start to weep / I never thought for a moment that human life could be so cheap /But when they finally put you in the ground / They’ll stand there laughing and tramp the dirt down”. O alvo era Margareth Thatcher, então primeira-ministra da Inglaterra. Curiosamente, a música é serena, com uma melodia roubada na cara de pau de “Isn’t She Lovely”, de Stevie Wonder. A inspiração foi assumida pelo próprio Costello.

Nota: 8,5

A versão Rhino de “Spike” soma 17 faixas bônus as 15 originais.


“Mighty Like a Rose” (1991)
Seguindo o modus operandi de “Spike”, Elvis Costello cercou-se de experientes músicos profissionais (mais canjas dos brothers Pete Thomas e Nick Lowe e seu próprio pai, Ross MacManus, ao trompete em “Invasion Hit Parade”). Não há a sensação de “montanha-russa” do disco anterior, contudo. O tom é mais contemplativo, em especial no segundo lado do vinil – que traz canções delicadas como “So Like Candy” (outra parceria com Paul McCartney), “Sweet Pear” e “Couldn’t Call It Unexpected no.4?. Contrabalança a animação meio maníaca da primeira metade, que alterna surf music de inverno (“The Other Side of Summer”, com um arranjo elaborado que visava remeter ao álbum “Pet Sounds”), rock dylanesco (“How to be Dumb”), esquisitices percussivas (“Hurry Down Doomsday”) e intrincadas melodias (“Invasion Hit Parade”, “Harpies Bizarre”). Aos roquinhos mais ortodoxos em “Georgie and Her Rival” e “Playboy to a Man”, Costello emparelha a participação da Dirty Dozen Brass Band nas duas versões de ”Couldn’t Call it Unexpected”, criando um clima lamentoso e nostálgico.

Melhor momento: Elvis Costello se vinga do baixista dos Attractions em “How To Be Dumb”. Bruce Thomas escrevera um livro contando sua experiência na banda, descrevendo Costello como “o cantor” (nunca referindo-se a Elvis pelo nome) e fazendo comentários indiscretos e nada lisonjeiros. Numa de suas canções mais raivosas, Elvis Costello dispara: “Now you’re masquerading as a pale powdered genius /Whose every bad intention has been purged / You could’ve walked out any time you wanted/ But face it, you didn’t have the courage / I guess that makes you a full time hypocrite / Or some kind of twisted dilettante / Funny though people don’t usually get so ugly / Till they think they know what they want”. Dylan não teria feito melhor. Por incrível que pareça, três anos depois eles voltariam a tocar juntos.

Nota: 8

A versão Rhino de “Might Like a Rose” soma 17 faixas bônus as 14 originais.


“The Juliet Letters” (1993)
Depois de sete anos, Elvis Costello voltava a gravar um disco inteiro acompanhado apenas por um grupo fechado e pequeno de instrumentistas. Só que o grupo dessa vez era o Brodsky Quartet, quarteto de cordas londrino especializado em Schubert, Mahler e Beethoven. Um conceito amarrava a obra: as letras seriam inspiradas em cartas de amor (e de desamor) escritas para Julieta, a protagonista da famosa tragédia shakespeareana. Costello & o Brodsky Quartet compuseram um ciclo de canções melodicamente intrincadas – que devem mais à ópera e à música erudita do que ao pop – amarradas por interlúdios instrumentais curtos. Quem acusa(va) Elvis Costello de manter um approach essencialmente “intelectual” em sua música viu em “The Juliet Letters” um prato cheio. E com certa razão. É difícil ver o disco como algo além de um projeto concebido por Costello para testar os limites de sua versatilidade. Ele espicha a voz como um Caruso de opereta, enquanto os quatro instrumentistas correm atrás do prejuízo. Frustrante para roqueiros, inócuo para melômanos, sobrevive hoje como uma curiosidade cujo resultado ficou aquém do conceito original. Menos mal que as lições que o músico aprendeu aqui (em termos de arranjos, harmonias e estruturas melódicas) iriam ser aproveitadas no futuro.

Melhor momento: “Jacksons, Monk & Rowe”, a única canção do disco realmente digna de figurar na lista de grandes criações pop do homem.

Nota: 7

A versão Rhino de “Juliet Letters” soma 18 faixas bônus as 20 originais.


“Brutal Youth” (1994)
O melhor disco do homem desde “Get Happy!!” marca seu reencontro com os Attractions, mesmo que o álbum seja creditado apenas a ele. Concentrado apenas em escrever melodias cativantes e diretas, a serem gravadas sem os rapapés instrumentais dos últimos três discos, Elvis Costello caprichou. Faz mais uma adição à galeria de canções sobre garotas meio doidivanas: “Sulky Girl”, que se junta à “This Year’s Girl” de 78 e à “Party Girl” de 79. Recorda sua infância londrina na pungente “London’s Brilliant Parade”. Soa delicado como nunca em “You Tripped at Every Step” e “Favourite Hour”, mas mostra as garras em “Kinder Murder” e ”All The Rage”. Solta os cachorros em “Pony St.” e “13 Steps Lead Down” para depois soar brincalhão em “This is Hell”, “Clown Strike” e “Rocking Horse Road”. Ou seja, provou que se quisesse, poderia continuar o fluxo de pop perfeito dos primeiros anos da carreira sem esforço algum – mas que preferia experimentar, trocar de músicos, explorar novos gêneros. A experiência com o Brodsky Quartet se reflete em pelo menos uma canção: “Favourite Hour”, peça para piano e voz de tom camerístico, e também nas melodias complexas criadas para “London’s Brilliant Parade” e “You Tripped at Every Step”. Um belo reencontro, mostrando banda e compositor mais amadurecidos, mas ainda afiados.

Melhor momento: O refrão de “Sulky Girl”.

Nota: 9,5

A versão Rhino de “Brutal Youth” soma 15 faixas bônus as 15 originais.


“Kojak Variety” (1995)
Entre seus dois discos mais elaborados em termos instrumentais, Elvis Costello tirou um tempinho para uma rápida recaída roots. Gravado em 1990, mas engavetado por cinco anos, “Kojak Variety era o segundo álbum 100% de covers registrado pelo cantor. Costello vasculhou sua memória afetiva em busca de baladas, rocks, blues e R&B’s, alguns obscuros, outros populares (mas nenhum megahit). Cercado por uma banda escolhida a dedo (James Burton e Marc Ribot, guitarras; Jerry Scheff, baixo; Larry Knetchel, teclados; Jim Keltner e Pete Thomas, bateria) num estúdio na aprazível ilha de Barbados, o cantor deitou e rolou, descontraído como nunca. A instrumentação, sem firulas, casa bem com a voz rascante – resultado, segundo Costello, de uma rouquidão causada por um ar condicionado gelado demais. Do rock primitivo de Little Richard (“Bama Lama Bama Loo”) e Little Willie John (“Leave My Kitten Alone”, gravada pelos Beatles) ao R&B de Screamin’ Jay Hawkins (“Strange”), Mose Allison (“Everybody’s Crying Mercy”) e Willie Dixon (“Hidden Charms”), passando pela melancolia de Dylan (“I Threw it All Away”) e Randy Newman (“I’ve Been Wrong Before”), Costello parece se divertir. Até as mais dramáticas “Running Out of Fools” (gravada por Aretha Franklin) e “Must You Throw Dirt On My Face” (dos Louvin Brothers) soam leves e vivazes. A reedição da Rhino mais que dobra o número de covers, trazendo no disco-bônus versões para canções de Bruce Springsteen (“Brilliant Disguise”), Tom Waits (“Innocent When You Dream”), Paul Simon (“Congratulations”) e mais Dylan (“You’re Gonna Make Me Lonesome When You Go”). Mais um exercício, que ganha pontos extras pela despretensão.

Melhor momento: O começo falso de “Strange”.

Nota: 7

A versão Rhino de “Kojak Variety” soma 20 faixas bônus as 15 originais.


“All This Useless Beauty” (1996)
Costello concebeu este álbum como uma espécie de songbook, reunindo canções que ele compusera para outros artistas (ou apenas tendo outros artistas em mente). “Why Can’t a Man Stand Alone?”, por exemplo, foi feita para Sam Moore (que nunca a gravou). Aimee Mann, co-autora de “The Other End of The Telescope”, registrou a canção com algumas alterações na letra. A faixa-título e “I Want to Vanish” foram feitas para June Tabor, etc. Isso, claro, deu a chance para que grandes variações de arranjo e estilo entre as músicas fossem experimentadas. De novo (e pela última vez) ao lado dos Attractions, Elvis produziu o álbum junto a Geoff Emerick. O espectro das brincadeiras sonoras vai da sobriedade camerística (“Poor Fractured Atlas”) à combinação de loops e guitarras distorcidas (“It’s Time”). No caminho, tem folk (“Starting To Come To Me”, “Complicated Shadows”), R&B (“Why Can’t a Man Stand Alone?”) e rock (“Shallow Grave”, “You Bowed Down”, esta com a guitarra de Roger McGuinn). O disco é dominado por músicas lentas, com arranjos climáticos e sem arroubos – “Little Atoms”, “Distorted Angel”, “I Want to Vanish”. Há uma quedinha para o melodrama em “All This Useless Beauty” e “The Other End of The Telescope”, principalmente por conta da interpretação vocal. Mesmo despidas das invencionices de estúdio, as músicas sustentam-se bastante bem, basta checar as versões voz-piano-violão da caixa “Costello & Nieve”, várias das quais superam as gravações de estúdio (“Little Atoms” e “Distorted Angel” são exemplos).

Melhor momento: A segunda estrofe de “Poor Fractured Atlas”.

Nota: 8

A versão Rhino de “All This Useless Beauty” soma 17 faixas bônus as 12 originais.


“Painted From Memory” (1998)
Em 1996, Costello juntou-se ao ídolo de longa data Burt Bacharach numa parceria que rendeu a canção “God Give me Strenght”, lançada na trilha sonora do filme “A Voz do Meu Coração”. A dupla se empolgou tanto com o resultado da primeira canção que resolveu gravar um disco inteiro de inéditas. Grosso modo, Costello se encarregou das letras (quase todas narrando amores fracassados) e Bacharach de melodias, harmonias e arranjos. O disco segue o padrão estilístico do Burt Bacharach vintage dos anos 60. A elegância abunda nos arranjos vocais, nas cordas e nos metais. Algumas resenhas apontaram um certo excesso de sacarina na sonoridade, o que não deixa de ser verdade – mas não chega a ser um demérito. Costello permite-se arriscar mais em suas interpretações, mas evita os exageros de “The Juliet Letters”. Crivado de baladas suaves (“Painted From Memory”, “What’s Her Name Today?” “In The Darkest Place”) e ocasionais momentos mais dramáticos (“This House Is Empty Now”, “I Still Have That Other Girl”), o álbum aumenta o tom de leve em poucos mas cruciais pontos (“Tears at the Birthday Party”, “Toledo”, “The Sweetest Punch”). Classudo e adulto sem deixar de ser pop, “Painted From Memory” pode agradar, num primeiro momento, mais aos fãs de Bacharach do que aos ouvintes habituais de Costello.

Melhor momento: Os metais em “Toledo”. Puro Bacharach, reconhecível a quilômetros.

Nota: 8,5

Uma versão limitada lançada de “Painted From Memory” traz um segundo CD com seis faixas ao vivo.


For The Stars – com Anne Sophie von Otte (2001)
Esse não é beeeeem um disco de Elvis Costello, e sim um projeto no qual ele assume o papel de produtor e diretor musical para a mezzo-soprano Anne Sophie. Ele a conhecera no fim dos anos 1980 e colaborou com ela algumas vezes na década seguinte. A ideia do disco era trazer o canto erudito da sueca para um território pop, mas sofisticado e eclético. A produção sóbria coloca a voz de Anne Sophie em primeiro plano, enfatizando sua afinação, dicção e respiração. Das cinco canções novas que Elvis trouxe, o destaque é a faixa-título, levada em dueto. Uma salada de versões/homenagens completa o repertório, que mira acima de tudo na delicadeza.

Melhor momento: o medley unindo “Broken Bicycles”, de Tom Waits, e “Junk”, de Paul McCartney

Nota: 7


“When I Was Cruel” (2002)
Comemorando seu jubileu de prata na indústria fonográfica, Elvis Costello voltava-se para o pop-rock pela primeira vez em seis anos. Os Attractions eram passado de vez, mas aqui já surge o embrião de sua próxima banda, os Imposters (Steve Nieve, Pete Thomas e, no lugar de Bruce Thomas, Dave Faragher). Costello demonstra um apetite pela eletricidade (e pela acidez poética) que não era visto desde “Brutal Youth”. Concentra toda sua verve na faixa-título: sete hipnóticos minutos pontuados pelo loop vocal de uma cantora lírica. É uma das melhores letras do homem, envelopada num arranjo “pantanoso”. Mas sobra bastante veneno para escorrer para o resto do repertório. Mesmo sendo um disco no qual as guitarras têm papel proeminente (“Tear Off Your Own Head”, “Daddy Can I Turn This?”, “Radio Silence”), uma ambiência sonora mais difusa, “experimental”, contamina a maior parte dos arranjos. ”45? é um rock em surdina, ameaçador. A antibalada ”Tart” é movida por um canto gutural. “Spooky Girlfriend” traz a cozinha à frente e uma batida sincopada, tortuosa. “Episode of Blonde” é uma brincadeira jazzy. “15 petals” combina uma levada latina e beats eletrônicos. Costello soa curioso e imaginativo, disposto a investigar novas possibilidades sonoras além das limitações do quadrado baixo-guitarra-bateria-teclado.

Melhor momento: A citação ao ABBA na faixa-título.

Nota: 8

O CD “Cruel Smile” traz 14 faixas entre b-sides e takes ao vivo dos singles de “When I Was Cruel”


“North” (2003)
A essa altura, a produção de Elvis Costello dividia-se em duas vertentes. Uma, os discos de pop rock com os Imposters. Outra, feita de projetos “sérios”, nos quais o compositor dava vazão a sua vontade de experimentar outros gêneros. “North” era um desses projetos: um disco de baladas compostas ao piano (e não à guitarra), adornadas discretamente por cordas e metais. As referências eram o jazz, os show tunes da Broadway (Sondheim, Marvin Hamlish) e, de um modo geral, o tal do Great American Songbook. O caráter “sofistiscado” e austero do pacote era reforçado pela arte, com uma foto P&B quase expressionista na capa e uma tipologia clássica e sóbria no encarte. Deu certo? Sim e não. Costello prova que poderia ser um compositor eficiente nessa seara. Mas o álbum soa estéril. É difícil manter a concentração ao longo das melodias complexas, que não fluem naturalmente, e dos andamentos lentos. Nas melhores passagens, ele chega perto de aventuras que empreendeu na mesma seara, como “Almost Blue” ou “Shipbuilding”. Nas menos inspiradas, Costello parece repassar rascunhos recusados de “Painted from Memory”

Melhor momento: “North”, a canção, que não consta do repertório do disco, mas estava disponível para download legal (para quem comprasse o CD) no site da gravadora Deutsche Grammophone. E que pode ser ouvida aqui.

Nota: 6,5

Uma versão limitada de “North” traz duas faixas extras e um DVD extra com três canções.


“The Delivery Man” (2004)
Estreia oficial dos Imposters, que se reuniram pela primeira vez em “When I Was Cruel” e foram apresentados ao público no raro disco de b-sides “Cruel Smile”, de 2002. Este álbum poderia ser considerado a continuação eletrificada de “King of America”. Como no disco de 1986, Costello vasculha as entranhas do Americana sound, só que dessa vez com as guitarras no talo e um clima generalizado de rusticidade. Acima de tudo, há um bom humor e uma “falta de pose” que tornam este álbum um primo distante de “Kojak Variety”. O groove troncho, as guitarras e os urros de “Button My Lip”, a faixa de abertura, espanavam definitivamente a sisudez classicista de “North”. (Curiosamente, “The Delivery Man” foi lançado simultaneamente a “Il Sogno”, primeira investida de Costello como compositor erudito, interpretada pela London Symphony Orchestra.) O mesmo pique se repete em “Bedlam”, “There’s a Story in Your Voice” (esta com uma participação vocal bizarra de Lucinda Williams) e “Monkey to Man”. E também na sinistra e pesada “Needle Time”. Para contrabalançar, o repertório trazia várias faixas mais lentas, puxadas mais para o blues e ao R&B, como “Country Darkness”, “Either Side of the Same Town” e a música-título.

Melhor momento: O refrão de “Monkey To Man”.

Nota: 7,5

Uma versão limitada de “Delivery Man” com capa modificada traz um CD extra com sete canções ao vivo.


The River in Reverse – com Allen Toussaint (2006)
O relacionamento de Costello com Toussaint (1938–2015), santo padroeiro do som de Nova Orleans, remontava a 1983, quando os Attractions gravaram uma versão de “Walking on Thin Ice”, de Yoko Ono, produzida por Toussaint. O álbum em colaboração nasceu depois que os dois participaram de uma série de concertos em benefício das vítimas do furacão Katrina, que desmantelou a cidade natal de Allen em 2005. Os Imposters se agregam a uma banda de craques selecionada por Toussaint para rever seu songbook e algumas parcerias inéditas. Embrenhado em r’n’b pantanoso, gospel e proto-rock’n’roll, Elvis Costello se contenta com um reverente papel coadjuvante (ainda que sua voz esteja à frente da maioria das faixas). A exceção é a excelente faixa-título, presença frequente nos setlists de Costello até hoje.

Melhor momento: a letra de “Broken Promised Land”, que faz referência direta à tragédia em Nova Orleans (“Coming in under the cover of darkness / How high shall we build this wall? / Could’ve said more but it would’ve seemed heartless / How tight shall we close that door?”).

Nota: 7,5

Uma versão limitada de “The River in Reverse” traz um documentário sobre os shows da dupla.


“Momofuku” (2008)
Elvis Costello batizou seu 28° álbum em homenagem a Momofuku Ando, o homem que inventou o macarrão instantâneo, morto em 2007. Houve quem enxergasse no título uma referência ao caráter bate-pronto do disco, composto e gravado em alta velocidade. Segue a linha rascante e roqueirona dos dois títulos anteriores com os Imposters. Algumas músicas, como “Turpentine”, “Stella Hurt” e “American Gangster Time”, parecem ter saído de “Blood and Chocolate”. Havia, contudo, espaço para filigranas mais elaboradas. “Harry Worth” soava como uma paródia de bossa nova lounge, um clima que contamina também a irônica (e beatlesca) “Mr. Feathers”. “Drum and Bone” cola violões a um shuffle faceiro. “Flutter and Wow” era uma balada R&B. E em “My Three Sons”, Costello celebrava de forma gentil sua vida familiar ao lado de Diana Krall – o casal teve filhos gêmeos em 2006, que se juntaram a Matt, filho único do primeiro casamento de Elvis Costello. Detalhe bacana é a presença de Jenny Lewis fazendo backing vocals em várias faixas, com resultados especialmente expressivos em “Harry Worth”, “Drum and Bone” e “No Hiding Place”.

Melhor momento: Retomando o vitríolo de tempos idos, Costello ataca os pela-sacos da crítica que agora se escondem nos recessos da internet. E parte para dentro: “Walk up to me/And say what you said/Let’s see how brave you are/When I’m about this far/You sit in judgment and bitch/Well, baby that’s rich/You’re nothing but a snitch”.

Nota: 7


“Secret, Profane & Sugarcane” (2009)
Ou: Elvis does Americana, parte III. Dispensando os Impostors e arregimentando um grupo 99% acústico (que depois foi batizado The Sugarcanes), Costello embrenha-se entre bluegrass, country e folk ancestral. Gravado em meros três dias, com produção de T-Bone Burnett, soa mais explicitamente caipira do que em “Almost Blue”. O repertório tem um histórico enrolado. Quatro das músicas (“How Deep is The Red?,” “She Was no Good,” “She Handed me a Mirror,” “Red Cotton”) sobraram de uma ópera (!) que Costello começou a escrever sobre a vida do autor de histórias infantis de Hans Christian Andersen, mas não terminou. Duas outras, “Complicated Shadows” e “Hidden Shame”, foram escritas tendo Johnny Cash em mente – ambas já haviam sido gravadas por Elvis Costello anteriormente. Nessa salada conceitual, na qual ainda foi atirada um cover (“Changing Partners”, hit com Bing Crosby), a sonoridade hillbilly, completa com os vocais harmonizados de Jim Lauderdale, é o que sobra para dar liga. Poucas canções mostram fôlego suficiente para sobreviver sem seus idiossincráticos arranjos; a melhor delas é “My All Time Doll”. A farsesca “Sulphur to Sugarcane”, típica canção travelogue contando as aventuras de um mulherengo abatendo damas em várias cidades dos EUA, é a que soa mais genuína.

Melhor momento: “The women in Poughkeepsie/Take their clothes off when they’re tipsy/But I hear in Ypsilanti/ They don’t wear any panties” (“Sulphur to Sugarcane”).

Nota: 6,5

Uma versão limitada de “Secret, Profane e Sugarcane” traz duas faixas extras


“National Ransom” (2010)
Este álbum é a continuação – mais urbana, eclética e sofisticada – do som que Costello engendrou em “Secret, Profane & Sugarcane”. A inspiração roceira ganhou polimento, com o apoio dos Imposters, de vários músicos que participaram do disco anterior e outros parceiros antigos (T-Bone Burnett, Marc Ribot). Há canções pop com influências country, como a faixa-título, “I Lost You” e “Five Small Words”; melodias elaboradas, reminiscentes dos melhores anos do compositor (um bom exemplo é “Church Underground”) e delicados momentos acústicos (“Bullets for the Newborn King”, “One Bell Ringing”). Entretanto, o mais interessante são as passagens de sonoridade decalcada dos anos 1920/30, que remetem à música popular americana pré-rock’n’roll – de onde saem criações inspiradas, como “Jimmie Standing in the Rain” (a melhor letra do disco), a balada “You Hung the Moon” e a vivaz “A Slow Drag with Josephine”.

Melhor momento: A desolação conjurada na letra de “Jimmie…”, a narrativa sobre um músico de vaudeville na pior. “Stale bread curling on a luncheon counter / Loose change lonely, not the right amount (…) Forgotten Man / Indifferent nation / Waiting on a platform at a Lancashire station / Somebody’s calling you again / It’s finally dawning / Jimmie’s standing in the rain”.

Nota: 7,5

Uma versão limitada de “National Ransom” conta com uma faixa extra.


Wise Up Ghost  – com The Roots (2013)
Country, jazz, ópera, soul… Costello já dedicara discos inteiros a experimentações nestes e em outros gêneros. Faltava o hip hop (se excluirmos “Pills and Soap”, claro). A figurinha que faltava foi carimbada com a ajuda dos Roots, com quem ele começou a conversar ainda em 2009. A ideia de fazer um disco de remixes radicais de faixas antigas evoluiu para um álbum colaborativo, no qual o compositor se adequou ao modus operandi da banda e vice-versa. Mais do que remixes, as músicas são reconstruções / reimaginações de momentos anteriores da carreira de Costello, submetidas a grooves esparsos e batidões graves. “Bedlam” e “The River in Reverse” são citadas em “Wake Me Up”; a já citada “Pills and Soap” assombra “Stick Out Your Tongue”; “Cinco Minutos Con Vos” baseia-se no arranjo original de “High Fidelity”; a delicadeza de “Tripwire” inspira-se na melodia de “Satellite”; etc. É mais uma daquelas experiências que, sem dúvida, serviram para oxigenar a criatividade dos envolvidos?—?mas que, na maioria das faixas, não ultrapassa o status de mera curiosidade.

Melhor momento: a interpretação vulnerável de Costello (cuja voz soa cansada em diversos momentos no decorrer do álbum) em “If I Could Believe”.

Nota: 7

Uma versão limitada de “Wise Up Ghost” traz três faixas extras


Look Now (2018)
A abertura, com a paulmcarthiana “Under Lime”, preconiza um disco mais convencional que os trabalhos imediatamente anteriores. Mas, apesar de ter retomado aqui a parceria com os Imposters, EC não se limita a repassar o pop guitarreiro de Momofuku. O tom principal do disco é a releitura de elementos de r’n’b e de soul, com o auxílio de backing vocals e metais. O conceito funciona de modo perfeito na magnifica “Suspect My Tears”, a mais memorável composição do álbum — e é retrabalhado em várias outras faixas, como “Unwanted Number” e “Burnt Sugar Is So Bitter” (uma parceria com Carole King). “Mr & Mrs Hush”, se tivesse um arranjo mais plastificado, poderia caber na fase Punch the Clock. Há duas parcerias com Burt Bacharach (“He’s Given Me Things” e “Photographs Can Lie”) e pelo menos uma outra (“Stripping Paper”) na qual Elvis, sozinho, emula bem o estilo do mestre BB. E além da faixa de abertura, “I Let the Sun Go Down” também soa muito beatlesca. Apesar dos saltos estilísticos, há uma coerência interna: as músicas foram originalmente sequenciadas para serem usadas em um musical, co-escrtito com Bacharach.

Nota: 6.5

Melhor momento: o falsete breve, mas ultrasônico, que ele solta ao fim de “Suspect My Tears”.

A versão normal do disco conta com 12 faixas e a Deluxe Edition acrescenta mais quatro ao tracking list


Hey Clockface (2020)
Precedido por um punhado de singles lançados apenas em streaming, o 34º álbum oficial de Elvis Costello saiu em outubro. Seu processo de criação foi orientado pela espontaneidade e pela despretensão. O disco traz sessões gravadas em Helsinki (com Costello tocando todos os instrumentos) e em Paris (ao lado de um quinteto de músicos franceses arregimentado por Steve Nieve), tudo a toque de caixa. É um trabalho de emoções à flor da pele, eriçadas pela incerteza do futuro diante da pandemia global de Covid-19. Há pelo menos 15 anos, ele não soava tão urgente quanto em “No Flag”, tão frágil quanto em “They’re Not Laughing at Me Now” ou tão experimental quanto em “Revolution #49”… e são apenas as três primeiras faixas do álbum. Os limites extremos da nova fase são demarcados, de um lado, pelo vocal falado + beatboxes de “Hetty O’Hara Confidential” e, do outro, por “The Whirlwind”, baladona de contorno clássico. Segue alternando estranhezas, como a voz com pitch ligeiramente alterado de “Newspaper Pane” e o arranjo desconstruído de “We Are All Cowards Now”, com momentos mais “normais” e nostálgicos. O clima da faixa-título e de “I Do (Zula’s Song)” não é muito distante da atmosfera de “National Ransom”. Para os mais sensíveis, há uma rara e delicada parceria com Steve Nieve: “The Last Confession of Vivian Whip”, a despedida de uma mulher que “nunca matou uma alma”… exceto a dela mesma. Difícil imaginar um Costello mais sintonizado com o zeitgeist de 2020: ora cansado, ora elétrico, ora raivoso, ora confessional, uma montanha-russa de temperamentos não distante daquela que todos nós temos experimentado, nos últimos meses.

Nota: 6

Melhor momento: A atmosfera spoken word jazz de “Radio Is Everything”. Transporta o ouvinte para um boteco enfumaçado no Village novaiorquino, na década de 1950.


“The Boy Named If” (2022)
Isolado em casa (na cidade canadense de Vancouver) durante os primeiros meses da pandemia, Elvis começou a trabalhar em um conjunto de canções que — de modo não intencional — compartilhavam certos temas e ideias. “A inocência da infância, a confusão da juventude, e depois um olhar para o passado, vendo coisas diferentes sob uma perspectiva diferente”, explicou o compositor à Rolling Stone. Como trilha sonora dessa jornada existencial, Costello escolheu uma sonoridade roqueira, que não complicasse o formato direto da maioria das canções. O resultado é seu primeiro disco de pop-rock 100% convencional desde 2008, repleto de guitarras altas e vocais estridentes. A energia demonstrada é louvável, e as composições repassam, num agradável tom de déjà vu, formatos e progressões melódicas bem familiares. A influência r’n’b de “What If I Can’t Give You Anything But Love?”, por exemplo, remete a “Get Happy!”! “Paint the Red Rose” se assemelha às baladas de “Mighty Like a Rose”. A garçonete que protagoniza “My Most Beautiful Mistake” poderia ser a mesma garota de “Sulky Girl”… e por aí vai. Apenas “Trick Out the Truth” recupera a nostalgia pré-rock’n’roll que marcou boa parte do trabalho recente de Costello. Uma nota incongruente é a voz acelerada em “Penelope Halfpenny”, zoando uma canção que, mais bem tratada, seria digna de estar em “Brutal Youth”.

Melhor momento: a levada de de “Magnficent Hurt”, música de trabalho do álbum — uma tentativa de resgatar o groove de “Pump It Up”?


THE RESURRECTION OF RUST (2022)
Em uma jogada surpreendente, poucos meses depois de lançar “The Boy Named If” Costello apresentou o primeiro EP do Rusty… com um atraso de apenas 50 anos. Esclarecendo a história: Rusty era o nome da banda que o então D.P. MacManus integrava, aos 18 anos, com o amigo Allan Mayes. De acordo com o elviscostello.info, o grupo fez pelo menos 24 shows em 1972/73 antes de Elvis, ou melhor, D.P., deixar a cidade de Liverpool para tentar a vida em Londres. Em 2021, Mayes contactou Costello e o convidou para fazer uma apresentação para comemorar o jubileu de ouro da bandinha. Elvis voltou com a farofa: por que não lançamos o disco que nunca chegamos a gravar? Acompanhados pelos Imposters, Allan & Elvis recuperam um punhado de covers (Nick Lowe, Jim Ford e Neil Young), num clima similar ao estilo de “My Aim Is True”: 1/3 country light, 1/3 pub rock, 1/3 r’n’b branquelo. O grande (ou melhor, o mediano) chamariz é o par de originais até agora inéditos: “Warm House (and An Hour of Joy)”, escrita por Costello em 1971, e “Maureen & Sam”, parceria MacManus/Mayes cantada pelo último.

Melhor momento: o medley “Everybody Knows This Is Nowhere / Dance Dance Dance”, ambas de Neil Young, com um arranjo vocal caprichado.


Discos ao Vivo

“Live at The El Mocambo” (1993) / “Live at The Hollywood High” (2010)
Em 1978, os Attractions estavam, possivelmente, no topo de sua forma como banda ao vivo. Estes dois discos, gravados durante a primeira turnê da banda nos EUA, registram a fúria anfetaminada do jovem Costello (as versões deluxe de “My Aim Is True” e “This Year’s Model” trazem, nos respectivos discos-bônus, dois outros shows da mesma época). “El Mocambo”, gravado em março de 78, só saiu oficialmente em 1993, engordado o box “2 ½ Years”, e antes disso havia sido pirateado a valer – o show foi transmitido por uma FM canadense, gravado e prensado. “Hollywood High”, datado de junho de 78, teve algumas de suas faixas lançadas num single promocional que acompanhava as primeiras edições de “Armed Forces”. Outras músicas do show foram lançadas na reedição da Rhino de “Armed Forces”. A íntegra do show (20 músicas) só sairia mesmo em 2010. O repertório de ambos os discos é bem parecido, com ênfase nos dois primeiros LPs; a energia na performance também, o que gera até alguns tropeços na execução (especialmente em “El Mocambo”, que é pau puro do começo ao fim). A qualidade de gravação de Hollywood High é melhor e o show inclui o raramente ouvido arranjo original para “Accidents Will Happen”, que abre o disco. “Allison” e “Party Girl”, incluídas em “Hollywood High”, dão um refresco no ritmo frenético.

“Deap Dead and Blue” (1995)
Eis um ponto fora da curva (mais um) na trajetória de Elvis Costelo. Gravado em junho de 1995 em conjunto com o grande guitarrista de jazz Bill Frisell, o disco tem menos de meia hora de duração e meras sete faixas. Os arranjos se limitam a Costello, que apenas canta, e Frisell, mestre da textura e das harmonias inusitadas. Escolhas inesperadas do repertório (“Love Field”, “Baby Plays Around”, “Poor Napoleon”) ganham versões delicadas, junto a uma recriação de Charles Mingus (“Weird Nightmare”) e outra de “Gigi”, do musical homônimo. Vale a pena adquirir nem que seja pela única parceria entre Costello e Frisell, que compuseram a faixa-título.

“Costello & Nieve” (1996)
Esta é uma das “arcas perdidas” para os completistas de Elvis Costello: uma caixa com cinco EPs gravados ao vivo, registrados em uma tour do cantor ao lado de Steve Nieve pelos EUA, testando o repertório de “All this Useless Beauty”. Apenas 30 mil cópias foram lançadas. Os EPs já tinham sido lançados individualmente, em edições mais limitadas ainda. Quase todas as músicas de “All this Useless Beauty” comparecem, em arranjos econômicos que só engrandecem a beleza das melodias. Canções antigas (“Temptation”, numa versão bem lenta e suave, “Man Out of Time”, “Black Sails in The Sunset”, “Watching the Detectives”, “Red Shoes”) surgem também. Assim como covers (“Ship of fools”, “I Just Don’t Know What To Do With Myself”, “My Funny Valentine”) e um medley juntando “Alison” a “Living a Little, Laughing a Little”, “Tracks of My Tears”, “Tears of a Clown”, “No More Tearstained Make-up” e (ufa) “Clowntime is Over”.

“My Flame Burns Blue” (2006)
O terceiro disco de Costello com “blue” no título é um trabalho complexo. Acompanhado pela Metropole Orkest (um grupo holandês, híbrido de orquestra sinfônica e big band jazzística), o cantor imaginou arranjos exuberantes para canções de várias fases de sua carreira. “Watching the Detectives” ganha um clima (ainda mais) cinematográfico. “Almost Blue” ressurge sutil, carregada pelo trompete e pelo cello. “Favourite Hour” soa ainda mais solene do que na versão original. Costello ainda ousou escrever letras para temas jazzísticos instrumentais de Mingus (“Hora Decubitus”) e Billy Strayhorn (a faixa-título). O final, apoteótico, é com uma bela versão de “God Give me Strength”. Apesar da riqueza instrumental, a voz de Elvis é a grande estrela do show, fazendo valer o refinamento que demonstrara antes em “The Juliet Letters” e “North”.

“The Return of The Spetacular Spinning Songbok” (2012)
Divertido registro da turnê homônima, que Costello criou em 2011 e vem apresentando em lugares selecionados. O repertório se concentra nos hits, levados de forma empolgada pelos Impostors, mas – dada a natureza lúdica e aleatória do show – há algumas surpresas. “Heart of the City”, de Nick Lowe, o cover de “Out of Time”, dos Stones e a pouco lembrada “All Grown Up” (de “Mighty Like a Rose”) surgem na versão em CD simples, que ainda inclui uma canja de Susannah Hoffs (Bangles) cantando em “Tear Up Your Own Head”. Mas trata-se de um show para ser assistido, não apenas ouvido; por isso, pegue logo a edição CD + DVD, que inclui quase a íntegra do show (com “Alison”, “Clubland” e “Earthbound”) e dá espaço para Costello se mostrar mais gaiato do que nunca. Conta piadas, interage com o público, dança, troca de figurino…


Edições especiais, coletâneas e extras

Todos os discos de Elvis Costello estão em catálogo na gringa. Eles podem ser encontrados em edições simples e, quase todos, em versões duplas. O selo Rhino, por exemplo, lançou todos os trabalhos de Costello entre “My Aim Is True” (1977) e “All This Useless Beauty” (1996) em generosas edições especiais recheadas de raridades que juntam faixas ao vivo, demos caseiras, sobras de estúdio, b-sides e versões. O disco bônus de “My Aim Is True” traz uma versão elétrica de “I Just Don’t Know What To Do With Myself” (original de Burt Bacharah que o White Stripes colocou novamente nas paradas nos anos 2000) enquanto entre as sobras de “Armed Forces” pode se encontrar “My Funny Valentine” e “King of America” traz uma versão ao vivo de “True Love Ways”, de Buddy Holly. O disco bônus de “Might Like a Rose” conta com versões gravadas no programa MTV Unplugged.

Uma edição especial de “Painted From Memory” traz um segundo CD com cinco números ao vivo de Costello ao lado de Bacharach. “The Delivery Man” também ganhou uma edição dupla com sete músicas ao vivo. Duas coletâneas de b-sides são pepitas de ouro para completistas: a rara “Out of Our Idiot” (com raridades entre 1982 e 1987) e “Cruel Smile”, que reúne b-sides e de “When I Was Cruel” além de números ao vivo retirados da turnê de divulgação do álbum (como “Uncomplicated” e “Watching The Dectetives / My Funny Valentine”, registros de um show em Tokyo. No quesito coletâneas, a grande pedida é “The Very Best Elvis Costello”, mas a edição dupla, importada, com 42 faixas (entre elas a cover de “She”, de Charles Aznavour, que virou sucesso mundial como pano de fundo do romance de Hugh Grant e Julia Roberts no filme “Um Lugar Chamado Notting Hill”, de 1999). No quesito trilhas sonoras podem ser citados os trabalhos em “G.B.H.” (trilha para series do Chanell 4) e para o filme “The Courier”. No quesito DVD é obrigatório ir atrás de “The Right Spectacle” (2005), mas “Club Date: Live In Memphis” e o bootleg “Elvis Costello – Live at Tim Festival” são boas pedidas.

– Marco Antonio Bart (@bartbarbosa) é jornalista e assina o blog Telhado de Vidro

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Leia também:
– Elvis Costello ao vivo em São Paulo, por Marcelo Costa (aqui)

Outras discografias comentadas:
– Echo and The Bunnymen, por Marcelo Costa (aqui)
– The Cure, por Samuel Martins (aqui)
– Leonard Cohen, por Julio Costello (aqui)
– Midnight Oil, por Leonardo Vinhas (aqui)
– Nick Cave, por Leonardo Vinhas (aqui)
– R.E.M., por Marcelo Costa (aqui)
– The Clash, por Marcelo Costa (aqui)

18 thoughts on “Discografia comentada: Elvis Costello

  1. Elvis Costello é muito bom mesmo! Seus primeiros discos são verdadeiras antologias pop-rock e tudo o mais. Neste fim de semana eu assisti ao programa Spectacle,que vc. esqueceu de comentar, Bart : (, em que o entrevistado é o próprio Elvis (a entrevistadora é a atriz Mary Louise Parker). Foi bom saber de mais histórias deste grande cantor e compositor. Sou muito fã dele, tenho alguns desses discos que vc. falou, fica até difícil de dizer qual o que eu mais gosto. Valeu Marcelo por ter este blog sensacional, que traz tantos assuntos relevantes sobre música, cinema e cultura pop em geral. E valeu, Bart, eu li muitos textos seus da época da Rock Press. Se vc. tiver um tempinho veja algumas resenhas de discos e shows que eu escrevi para o Zona Punk (www.zonapunk.com.br). Será bom saber sua opinião sobre elas. Um grande abraço!

  2. Cacetada, fiquei de queixo caido! Não sabia que o cara tinha tantos e tão bons discos. Parabens ao Screaming Yell pelo trabalho. Só uma coisa: My Aim Is True merecia um dez.

  3. Costello é gênio, lado a lado com Lou Reed, Leonard Cohen, Nick Cave, Tom Waits, Neil Young e poucos outros.

  4. Muito legal o texto de introdução, parabéns.
    Sou fãzão também, vou ler com o maior prazer os comentários sobre cada disco.

  5. Caraca.
    Uma puta lavagem cerebral camarada.
    Escrevestes com uma verve incrível.
    Adorei saber, de uma forma ímpar, a vida/história desse grande cantor.
    Passei a admirá-lo ainda mais.
    Very fuck.

  6. Costello é o cara, mesmo… Bem, na real, “quase” o cara…
    Puta cara bom, puta cara legal…
    Sempre associo Costello a Nick Cave, nem sei bem o por quê.

    David Byrne era mais e maior que ambos,
    mas fora dos TH nunca conseguiu provar ou comprovar isso…

    Aliás, nem Paul Simon conseguiu isso…

    Não entendo, francamente.

    Enfim…

  7. Parei no 2° album depois pulei direto para o Bloond & Chocolate já previnidamente , Elvis Costello e um artista muito dificil de apreciar a maioria do seus albuns alterna muinto de sonoridade não serve para os meus ouvidos de 18 anos sei lá daqui 10 anos talvez eu consiga curti mais o cara.

  8. Chega a ser ridículo, mas eu descobri Elvis Costello há alguns meses. Claro que eu conhecia algumas músicas e tal mas, sabe-se lá deus porque, de uns três ou quatro meses pra cá desenvolvi uma verdadeira obsessão por ele. A inteligência afiada dos primeiros álbuns, o ecletismo e extremo bom gosto dos álbuns mais recentes, 30 anos de carreira e quase um album por ano. O cara é uma enciclopédia musical! E o melhor de tudo é que ele não é desses caras super polêmicos (é até um pouco recluso) e, por isso, não tem a imagem desgastada como tantos outros. A obra desse cara é um tesouro que precisa ser explorado aos poucos, tão rica e complexa que leva tempo e requer uma certa sensibilidade específica.

    Ainda nem posso dizer que conheço a obra do cara, ainda falta muita coisa pra ser explorada. Mas sou absolutamente viciada no My Aim is True e no This Year’s Model. Também curto muito momentos do Blood & Chocolate, When I Was Cruel e The Delivery Man. Discordo com você em relação a Juliete Letters. Tudo bem que isso também tem a ver com minha recente descoberta da música clássica mas acho que o resultado final foi bastante honesto. Tipo, óbvio que ninguem pensava que ele viraria um erudito, era mais uma experimentação mesmo. Eu curto. Do Brutal Youth eu citaria 20% Amnesia que eu acho incrível, inusitada e inesperada.

    Enfim, ainda tenho muita coisa pra ouvir e descobrir. Esse seu guia vai me ajudar MUITO. Recentemente assisti ao Date Club: Live in Memphis e só consigo lamentar o fato de ter demorado tanto tempo pra amar esse cara e ter perdido o show do Tim Festival. Mas acho, também, que há seis anos atras eu não saberia dar o decido valor a esse genio.

  9. Também descobri Costello há pouco tempo (mais especificamente, no início de 2011, motivado pelas constantes referências dos romances do Bret Easton Ellis às músicas dele, rs), e estou gostando cada vez mais.
    Já tenho algumas faixas favoritas: “Less Than Zero”, “Pump it Up”, “Alison” e “Radio Radio”.
    Esta discografia comentada será particularmente útil para que eu conheça melhor a obra do Elvis Costello!

  10. Mais que quaisquer outros (relevantes) álbuns do Costello, daria 10 fácil para os dois primeiros da prolífica carreira dele sem a menor sombra de dúvida.

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