Esse você precisa ver: “Gilda” (1946), de Charles Vidor

por Roberta Ávila

Nunca houve uma mulher como Gilda. E depois da primeira aparição de Rita Hayworth em cena você vai entender completamente por quê. A diferença entre o sensual e o pornô é indefinível, sutil, mas óbvia. Só de olhar a gente sabe com o que está lidando e mesmo o extremamente sensual pode passar longe do vulgar. Esse é o grande mérito de “Gilda”. Não é à toa que Rita Hayworth ficou eternizada por essa personagem incrível.

“Gilda” não é só um filme em preto-e-branco, inocente e bobinho que apresentou o carnaval ao mundo (pena que eles tenham errado o país colocando a festa carnavalesca na Argentina. Será por isso que os gringos acham que Buenos Aires faz parte do Brasil?). Foi exibido nos cinemas pela primeira vez em 1946, mas, tirando alguma coisa do figurino, os carros nas ruas e a cena da explosão, que é absolutamente ultrapassada em termos de efeitos especiais, o roteiro de “Gilda” é super atual e muito bem construído.

O filme começa com o encontro entre Johnny Farrell, interpretado por Glenn Ford, e Ballin Mundson (George Macready). Farrell gosta de jogar e de fazer a sua própria sorte na vida. Ballin respeita isso e vê em Farrell um raro amigo. Farrell começa então a trabalhar no cassino de Ballin e quando tudo está bem, a vida é uma grande calmaria e não há mais o que temer, o passado bate à porta trazendo o furacão Gilda.

Cada cena com Rita Hayworth é um presente. Cada verso de “Put the Blame on Mame” cantado por ela (ouça aqui enquanto lê) é mais doce do que qualquer canto da sereia. Cada vez que ela passa a mão nos cabelos é um êxtase. Cada sorriso, cada olhar parece o nascer do sol ofuscando todo o resto e quando ela faz de novo parece sempre a primeira e mais deslumbrante vez.

Na histórica primeira aparição de Gilda em cena (ela gira a cabeça jogando os cabelos para trás, e dificilmente você irá se esquecer desse gesto simples), ela revela estar casada com Ballin e o que o pobre dono do cassino não sabia é que ela e Farrell têm um passado e tanto. Uma das coisas legais e sábias em Gilda é que em nenhum momento ninguém tenta explicar o que houve entre eles. Isso deixa tudo mais interessante, tanto pelo mistério em si quanto porque deixando esse sentimento no terreno do indizível ele ganha uma força, uma intensidade violenta, que é demonstrado apenas pelas expressões no rosto dos personagens e pelas tiradas cortantes que eles dirigem um ao outro. Às vezes as palavras são pequenas demais para tentar explicar sentimentos.

A história não tem reviravoltas súbitas. Parece que o vento sempre muda antes que venha a tempestade, mas o rumo dos acontecimentos é surpreendente e há muito mais ali para ser analisado do que o que realmente acontece com as personagens. Gilda é uma mulher presa em um mundo machista (assim como a própria Rita Hayworth ficou presa no personagem) em que ela não se encaixa. Ela é o objeto de desejo dos homens, mas mesmo os que a tem não se sentem donos dela como desejariam e ficam todos tentando prendê-la enquanto ela escorre por entre seus dedos. Ficam tentando puni-la por sua independência, por sua ousadia, enquanto é isso que faz dela Gilda.

Gilda é um grande retrato da mulher contemporânea. A quebra do padrão é permitida, admirada até, mas só os inocentes acham que ela não tem um preço. E o preço que Gilda paga é a sua felicidade. Sim, ela é a mulher incrível que rebola no palco, que faz um strip-tease e não duvida por um segundo de seu poder de sedução, mas ela tem relacionamentos destrutivos com homens que não são capazes de processar a sua independência. Incrível que a atriz levou esse estigma para a vida real. A frase emblemática de Rita Hayworth (”Os homens dormem com Gilda, mas acordam comigo”) após um divórcio mostra que o filme foi certeiro no tratamento do tema. Apesar de tudo, Gilda, como boa parte das mulheres, só quer um porto seguro naquele homem por quem ela é apaixonada. Simples e complicado assim.

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Roberta Ávila é jornalista e assina o blog Ficções da minha vida

4 thoughts on “Esse você precisa ver: “Gilda” (1946), de Charles Vidor

  1. A estória do filme parece até banal nos dias atuais, mas a sensualidade de Gilda é atemporal.
    Ela foi tão marcante que a sua fama chegou ao Brasil muito rápido: Heleno de Freitas tinha esse apelido, pela beleza e pelo temperamento indócil.

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